Os consultórios estão cheios de gente sensível, não de loucos

Os consultórios estão cheios de gente sensível, não de loucos

Última atualização: 19 outubro, 2016

Todos que trabalham nessa maravilhosa disciplina chamada psicologia percebem: as consultas estão cheias de gente sensível, não de loucos. Não estão cheias de doentes mentais. Estão cheias de pessoas com uma sensibilidade especial que, pelo fato de não serem atendidas adequadamente, carregarão o rótulo de doentes, quando na verdade são pessoas corajosas tentando resistir.

Quando o mundo se torna muito contraditório e difícil de suportar, a doença aparece nas pessoas como uma defesa contra isso. A dicotomia normalidade versus anormalidade torna-se difícil de entender quando o entorno falha, e os sintomas das pessoas com algum transtorno psicológico são simplesmente a evidência de que estão resistindo, lutando contra o que não entendem, ainda que seja de uma forma equivocada.

Rotular como louco ou doente mental uma pessoa sensível ao sofrimento

O novo DSM-V, onde são coletados todos os transtornos psicopatológicos, acrescenta mais indicadores de diagnósticos do que muitos psicólogos gostariam. Às vezes cataloga-se o sofrimento como algo danoso, sem perceber que o mesmo sofrimento é que nos indica que algo na vida da pessoa deve mudar em forma e função.

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Colocar um rótulo em todas as modalidades de sofrimento aproxima um instrumento que pretende ser científico do temido “efeito Barnum”, que é muito associado aos horóscopos: qualquer descrição pode valer para a pessoa que o lê ou que a recebe, porque é muito geral. Nesse caso, ainda que esse novo DSM-V queira ser o mais específico possível, ele possui muitos diagnósticos, tanto que qualquer um de nós poderia ter um, ou vários.

O sofrimento psicológico não está em uma parte específica do cérebro. É situacional e subjetivo ao mesmo tempo, com efeitos no cérebro, mas não o inverso. Se fosse assim, falaríamos de um transtorno psicológico devido a uma causa orgânica, algo que deve ser tratado de forma diferente.

A psicologia é uma ciência; não precisa ser uma ciência médica, mas sim uma ciência exata, sanitária, com identidade própria, e distinta da medicina ou da psiquiatria, ainda que possa trabalhar de forma conjunta. Para isso, é preciso voltar os olhos para suas raízes e explorar o que as tendências já fazem: deixar de falar de categorias para falar de pessoas dentro de um contexto complexo. Tudo isso com sensibilidade e rigor, que não são opostos.

O risco de tratar como “loucura” a defesa contra ela

Os profissionais da psicologia têm uma grande responsabilidade no que diz respeito aos pacientes. Muitos deles buscam um tratamento sério, mas também buscam alguém humano e sensível para conversar. Não estamos alheios ao mundo em que eles vivem, nós também nos encontramos nele.

Portanto os seus sintomas não apenas nos informam o que está acontecendo com eles, mas também contra o que eles resistem, qual parte do mundo, qual parte da história e sua relação com o mundo que não foi integrada. Isso não nos informa apenas sobre a sua sensibilidade, mas sim a falta que ela faz nesse mundo.

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A esquizofrenia, o transtorno de personalidade limítrofe, a depressão, o transtorno por dependência ou o transtorno bipolar podem ter diversas causas e sintomas, como pode ser encontrado em diversos manuais e estudos. O que não fica claro às vezes é que a variedade de pacientes exige um compromisso com a busca pelo que realmente alimenta o transtorno, e quais são os recursos que eles possuem para enfrentá-los.

O que para uma pessoa pode ser um ambiente estável e tranquilo, para outro pode ser limitante e infligir culpa. Mesmo sendo análogos biologicamente, duas pessoas podem ser totalmente diferentes dependendo do que viveram e da interpretação que fizeram do que viveram.

É por isso que é preciso estudar a sensibilidade, a reação a um mundo hostil e o isolamento emocional em todos os casos, pois são a essência de qualquer transtorno psicopatológico. Tratar com rigor científico, mas também com consciência social.

Evitar os rótulos destrutivos: uma pessoa pode ter passado por maus-tratos, abusos, doenças e todo tipo de situações difíceis e ainda assim estar de pé, diante de você, seja como pessoa ou como profissional. É um valente e merece ser tratado como tal. Seus sintomas estão quebrando sua sensibilidade e apego pelo mundo, afastando-o cada vez mais das suas metas e sonhos.

Não sejamos participantes da indiferença e da frieza com a que o mundo os trata. Que sua sensibilidade volte para acolhê-los, e não castigá-los. Amanhã a sua fraqueza pode ser a nossa; curando-a também fazemos algo por esse mundo de “loucos”, que todos nós de alguma maneira somos.

 


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.