A histeria masculina existe?

A histeria masculina existe?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 16 fevereiro, 2022

Atualmente, o conceito de “histeria” se dissolveu em outros diagnósticos. Antes, durante o século XIX, o termo adquiriu uma grande popularidade por ser um transtorno de diagnóstico frequente, principalmente nas mulheres. Jean-Martin Charcot, mentor de Freud, definiu em sua época a histeria masculina descrevendo casos muito claros, com o objetivo de “desfeminizar” essa condição.

Se há algo curioso é como a história tende a dividir por sexo certas categorias, distúrbios ou dimensões, envolvendo-os em um determinado gênero.

Assim, qualquer sinal de instabilidade, efusividade emocional, distúrbios nervosos acompanhados de enxaquecas, dores abdominais, depressão, etc., tiveram por muito tempo uma clara exclusividade feminina.

Durante o século XVIII estava na moda ser um homem histérico. As pessoas buscavam esconder sob esse termo comportamentos mais refinados, sensíveis e civilizados.

Foi ignorado, talvez, que Sigmund Freud tentou convencer a Sociedade de Medicina de Viena em 1886 da existência da histeria masculina e do rótulo clínico que ele mesmo havia definido na sua época.

No entanto, seus colegas não quiseram aceitar ou prestar atenção àquela dimensão diagnóstica herdada de Hipócrates e originalmente se referiam à forma como – supostamente – o útero feminino chegava a alterar o comportamento e a vontade da mulher.

Como aceitar que o gênero masculino podia apresentar as mesmas alterações nervosas, somatizações e comportamentos dissociativos? Parece que a histeria masculina existia e existe, mas todo esse conjunto de sintomas são atualmente recolhidos sob outros rótulos clínicos mais ajustados.

Sigmund Freud

Antecedentes da histeria ou da dor passional

Um estudo realizado pela Universidade de Toronto e publicado na revista European Neurology explica que o conceito de “histeria” está entre nós há mais de quatro mil anos. Existem papiros egípcios que falam do fenômeno do “útero em guerra” e de como esse órgão pode chegar até a garganta da mulher, caso ela seja muito apaixonada e sofra de privação sexual.

A primeira referência histórica que encontramos sobre a histeria masculina aparece em uma obra de William Shakespeare: o próprio Rei Lear define sua aflição como aquela dor apaixonada gerada pela histeria. Mais tarde, teríamos que esperar até o século XIX para que Jean-Martin Charcot colocasse o foco de seu interesse nessa dimensão entre 1865 e 1893.

Para conduzir seus trabalhos, ele se baseou em outros realizados por colegas de profissão, como o de Paul Briquet e seu livro Traité Clinique et Therapeutique de l’Hystérie (em tradução livre, Tratado Clínico e Terapêutico em Histeria).

Neste tratado, deixava-se de lado a relação entre a histeria e o útero para falar de um distúrbio mental que, para o Dr. Briquet, teria uma origem cerebral. Ele definiu este distúrbio como a “neurose do cérebro”, e afirmou que afetava igualmente homens e mulheres.

Casos de histeria

Que características tinha a histeria masculina?

Embora Charcot e Freud tenham se esforçado para ser imparciais na hora de descrever os sintomas da histeria sem diferenciar a feminina da masculina, popularmente a ideia era outra. As mulheres histéricas, por exemplo, apresentavam comportamentos passionais, altamente emocionais e com comportamentos sexualmente desviantes.

Portanto, a histeria masculina atribuía ao gênero masculino os traços femininos mais estereotipados: sensibilidade, mudanças emocionais e comportamentos afeminados.

Da mesma forma, e a título de curiosidade, no século XIX chegou-se a  ter a opinião de que a histeria masculina teria como origem a ansiedade. Uma ansiedade profunda de não manifestar a atitude e os papéis claramente “masculinos” exigidos pela sociedade. Agora, de um ponto clínico e objetivo, Charcot definiu a histeria masculina da seguinte forma:

  • A histeria, tanto feminina como masculina, não tinha nada a ver com problemas sexuais.
  • Os pacientes mostravam comportamentos extremos ou, ao contrário, mostravam silêncio e repressão.
  • Alguns paravam de andar, comer ou até ficavam em estados vegetativos. Essas mudanças emocionais extremas apareciam logo após um acontecimento crítico, como um acidente, quedas graves e também por causa do alcoolismo.

É importante destacar que, para Charcot, não existiam diferenças entre a histeria feminina e a masculina, como dissemos. Mais tarde, Sigmund Freud pegou seu legado e mergulhou no conceito do trauma; no entanto, ele preferiu se concentrar na histeria feminina em todos os momentos.

Histeria masculina

Da histeria masculina ao transtorno de estresse pós-traumático

Quem leu o livro “Mrs. Dalloway” de Virginia Woolf reconhecerá, sem dúvida, o termo histeria masculina. Neste romance de 1925, Woolf descreve este termo associando-o a uma ideia mais ajustada a partir de um ponto de vista clínico.

O termo foi utilizado para descrever os homens traumatizados que voltavam da guerra. Na verdade, foi exatamente como resultado dessas situações em que milhares de jovens voltaram sem poder reagir que começaram a usar outro termo: “o choque da carapaça“.

Aos poucos, o rótulo da histeria foi mudando para se ajustar às realidades clínicas, por isso a neurose, o transtorno por conversão ou os transtornos de estresse pós-traumático dão uma ideia mais ajustada desse tipo de sintomas que, sem dúvidas, aparecem em ambos os sexos. No entanto, ainda há vestígios dessa categorização pejorativa e misógina.

Para concluir, vale a pena destacar a grande evolução deste termo. Afinal, por trás daquela histeria feminina e masculina, o que tínhamos era alguém incapaz de assimilar um trauma. Uma pessoa com uma ansiedade latente que não sabia como canalizar ou expressar suas emoções.


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