Ainda existem lugares nos quais as circunstâncias estão acima das pessoas

Circunstâncias e/ou países diferentes fazem com que o mesmo feito tenha resultados distintos. É desanimador saber que realidades tão díspares coexistem na mesma época, mas em espaços diferentes.
Ainda existem lugares nos quais as circunstâncias estão acima das pessoas
Fátima Servián Franco

Escrito e verificado por a psicóloga Fátima Servián Franco.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

De acordo com um artigo publicado em um dos grandes jornais espanhóis (“ Por que mulheres jovens fogem da Arabia Saudita? ”), ainda lidamos com sistemas políticos nos quais o controle da vida das mulheres continua sendo determinado por homens. Até certo ponto, o caráter de todo ato depende das circunstâncias nas quais ele é praticado.

Algumas pessoas se veem obrigadas a nutrir certos interesses por conta de imposições feitas pelo ambiente. O mesmo acontecimento – nas mesmas circunstâncias, mas em países diferentes – permite que as imposições mudem os resultados. É desanimador saber que realidades tão díspares coexistem na mesma época, mas em espaços diferentes.

“Nenhum homem é necessário, e todos somos mais ou menos úteis de acordo com as circunstâncias”
-Paula Santander-

Mulher com venda nos olhos

As circunstâncias continuam acima das pessoas

A imagem da jovem isolada no hotel do aeroporto de Bangkok foi muito forte. Com seu inglês precário, a saudita Rahaf Mohammed pediu ajuda via Twitter para que as autoridades não a entregassem ao pai e ao irmão, de quem ela havia fugido horas antes. “Eles vão me matar”, declarou ela, assustada, mas firme.

Rahaf não fugia de uma guerra ou da miséria, mas sim das regras e normas que continuam cerceando as liberdades da mulher na Arábia Saudita, mesmo após as reformas anunciadas durante a chegada do rei Salman e seu filho Mohamed há quatro anos.

Depois de divulgar sua foto e a de seu passaporte, Rahaf contou que já estava farta das restrições que lhe eram impostas em casa, que sua mãe a havia mantido trancada em casa por seis meses por ela ter cortado o cabelo, que não queria mais se cobrir com o hiyab , nem rezar, nem ser muçulmana, porém disse que também não tinha escolha.

Por isso, tratou de aproveitar uma das férias familiares no Kuwait para fugir com destino a Austrália, onde pensava em pedir asilo. Ao saber da sua ausência, o pai, homem de conexões, acabou conseguindo a ajuda dos diplomatas sauditas em Bangkok, onde Rahaf teria que trocar de aeronave. Lá, eles retiraram seu passaporte na condição de devolvê-lo para que pegasse o voo seguinte. Todos sabiam que, por ter 18 anos, ela era maior de idade.

Rahaf não é a primeira moça que foge de uma família opressiva; isso acontece em todos os países. Porém, apenas na Arábia Saudita as mulheres estão condenadas, por toda a vida, à autoridade dos homens de sua família, num sistema de tutela ( wilaya ) que, de acordo com especialistas, é o mais rigoroso do mundo islâmico e acaba por reduzi-las à condição de menores eternas.

Mulher de burca

Os defensores dos direitos humanos não têm pátria

A situação da jovem desencadeou uma mobilização nas redes sociais de feministas, defensores dos direitos humanos e pessoas bem-intencionadas de todo o mundo.

Muitos compararam a situação com o caso de Dina Ali, uma professora de 24 anos que, dois anos antes, enquanto se dirigia para a Austrália em busca de refúgio por razões semelhantes às de Rahaf, foi interceptada enquanto fazia escala em Manila. Em seguida, as autoridades filipinas a entregaram a dois homens que se apresentaram como seus tios, a fizeram embarcar à força num voo de volta a Riad e, desde então, nunca mais se soube dela. A mesma coisa não podia acontecer.

O caso de Rahaf é um indicativo da situação na qual as mulheres e o país da Arábia Saudita como um todo estão. A despeito das reformas sobretudo sociais e econômicas, as sauditas seguem vulneráveis ao sistema de tutela. Isso significa que ainda existem muitos que lutam para exercer seus direitos básicos em circunstâncias que os sufocam, explica Dana Ahmed, pesquisadora da Anistia Internacional.

Rafah al Qunun viajou para Bangkok ao temer que seus pais a matassem por ter deixado o islã. Graças às pessoas que lutam pelos direitos humanos ao redor do mundo, e em específico à agência da ONU para refugiados, ACNUR, a saudita seguiu para o Canadá, onde conseguiu mais do que asilo. Em sua nova vida, as circunstâncias continuarão sendo imprevisíveis, mas ela vai poder decidir a forma de lidar com elas.

“O homem não é filho das circunstâncias. As circunstâncias devem ser filhas do homem.”
-Benjamin Disraeli-


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