A necessidade de entender os maus-tratos para ajudar as vítimas

A necessidade de entender os maus-tratos para ajudar as vítimas
Sergio De Dios González

Escrito e verificado por o psicólogo Sergio De Dios González.

Última atualização: 28 maio, 2018

Entender os maus-tratos é muito semelhante a compreender o trauma; poderíamos dizer que são como um assalto, e podem ser vivenciados de diversas maneiras. Podem roubar sua identidade e vida normal e até determinar o seu presente, embora tenham passado muitos anos desde então. O trabalho terapêutico consiste em fazer justiça e impedir que continue a provocar o roubo da vida e da identidade.

Às vezes, as pessoas que vivenciam uma situação crítica não são seriamente afetadas, uma vez que o maior problema na saúde mental é a cronicidade ou a repetição em série de eventos críticos. Nossa disposição e experiência não só desempenham um papel relevante na saúde mental, mas também são importantes em todos os aspectos de nossas vidas.

O essencial é invisível aos olhos, e o abuso psicológico é o que mais gera sofrimento e acompanha os demais abusos sofridos pelas vítimas da violência. Como deixar de estar no lugar onde você acredita que deveria estar? Ser capaz de responder a essa pergunta requer conhecimento sobre o funcionamento do abuso, e ajuda a entender em profundidade o sofrimento e a dificuldade de sair desse tipo de enlace, essencial para evitar colocar rótulos superficiais.

A necessidade de entender os maus-tratos

É na fase final da história de violência que as agressões podem aumentar, já que o agressor pode sentir seu controle ameaçado. Portanto, é essencial discutir, preparar e detalhar planos de segurança para a saída do relacionamento ou para acabar com a violência.

Mulher vítima de maus-tratos

Vamos pensar que apenas metade das mulheres com histórico de violência – que geralmente dura cerca de seis anos – consegue romper o relacionamento depois de uma média entre cinco e oito tentativas. Nestes casos, os recursos humanos (rede social) e financeiros são a chave para poder sair de uma situação de violência crônica.

A sujeição, o terror, a incompetência (intelectual e emocional), a autodesconfiança, o controle e a sensação psicológica interna de sujeira e corrupção (produto do estupro) são a imagem que melhor descreve a vida das vítimas de violência. Se a vítima mantiver seu critério de realidade, poderá acumular pontos de inflexão, e de não retorno, e terminar o relacionamento, caso contrário, irão evoluir outros possíveis padrões de violência.

Entender os maus-tratos é muito semelhante à compreensão do trauma, e ajuda a mudar de forma positiva a narração do evento.

A violência nas relações íntimas

A porcentagem de mulheres feridas por seus parceiros é equivalente a de mulheres feridas em acidentes de trânsito, assaltos ou agressões sexuais. Aproximadamente metade das agressões causam lesões físicas, mas apenas 4 de cada 10 procuram assistência médica (Fisher, 2001).

Dizem que as palavras se espalham ao longo do tempo, mas em termos de saúde mental as mensagens que são transmitidas são extremamente importantes para aqueles que as recebem. Entender os maus-tratos a partir de uma visão funcional adaptativa pode ajudar muito a modificar positivamente a narração do evento.

Tipos de violência nos relacionamentos íntimos

Violência física no controle coercitivo

Em sua intenção de compreender o abuso, Stark (2007) comparou o medo, o embotamento afetivo, as dificuldades para dormir e se concentrar nas vítimas submetidas à violência física e/ou ao controle coercitivo, sendo significativamente superiores no controle coercitivo. Poderíamos dizer que existem diferentes trajetórias de violência física: quebrar ossos, estrangular, prender, atacar com armas, atirar objetos são alguns exemplos das diferentes estratégias desse tipo de violência.

Violência emocional ou psicológica

A violência emocional é muito sutil e pode chegar a ser mais prejudicial do que os golpes físicos. As vítimas podem se sentir intelectualmente incompetentes, pensar que estão loucas ou que são indignas de serem amadas ou incapazes de amar. As formas mais comuns de exercer a violência psicológica e/ou emocional são:

  • Distanciamento afetivo.
  • Ciúmes.
  • Negação de direitos à vítima.
  • Humilhação.
  • Crítica constante e global.
  • Insultos.
  • Coerção da liberdade (intelectual, trabalhista, social…).
  • Destruir pertences ou memórias.
  • Ameaças (de morte, suicídio, abandono…).
Manipulação emocional

Outros tipos de violência

A violência pode devastar até mesmo o mais recôndito do “eu”, como a confiança nos próprios critérios. Existem outros tipos de violência que também são exercidas dentro dos relacionamentos íntimos:

  • Violência sexual: se refere aos atos não consentidos ou sob coação relacionados a práticas sexuais que degradam a vítima.
  • Violência financeira: implica ações injustas relacionadas com a gestão econômica da vítima (roubar, obrigar, arruinar, submeter,…).
  • Violência espiritual: pode variar entre atacar e/ou rir, até proibir suas práticas e crenças religiosas.

Por que é tão difícil sair de uma situação de abuso?

Como vimos, o abuso pode ter diferentes trajetórias, mas a maneira como a violência é construída dentro dos relacionamentos íntimos constitui um círculo vicioso do qual é muito difícil sair. As etapas que conduzem o caminho pelo qual a violência anda são os seguintes:

  • Contrato irrealizável: o agressor pede à vítima algo que não pode realizar.
  • Negociação de diferenças.
  • Intensificação: gritos, insultos, coerção, ameaças.
  • Ativação: ativador, agressão.
  • Complementaridade: cessação da disputa, arrependimento, perdão.
  • Repetição das etapas anteriores.

Como em todas as crises, há momentos de estabilidade, de melhora, de deterioração acelerada e/ou regressão. Mas não devemos esquecer que os processos de recuperação e reconstrução são possíveis e que ambos aceleram e coexistem com a ruptura. A violência por si só transmite mensagens muito poderosas e destrutivas, por isso o trabalho com as vítimas de violência visa empoderá-las, “Você sim, a violência não” porque “Somente os vivos podem fazer psicoterapia“.

Referências bibliográficas

  • Navarro Góngora, J. (2015). Violência nos relacionamentos íntimos. Uma perspectiva clínica. Barcelona: Ed. Herder.

Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.