Lições que esquecemos com o tempo

Lições que esquecemos com o tempo
Sergio De Dios González

Escrito e verificado por o psicólogo Sergio De Dios González.

Última atualização: 06 outubro, 2022

O esquecimento é um fenômeno curioso. Muitas vezes anárquico, caprichoso e quase sempre fiel à revisão, como aprendemos bem em nossa fase de estudantes. Também é fiel às recordações que guardamos na nossa memória com emoção. Há lembranças e lições que esquecemos com o tempo. Podem ser a lembrança de uma vez, da primeira vez que nos levaram ao circo, ou de várias, aquelas histórias que nos contaram com carinho e paciência antes de dormir. Porque não há nada que atraia os sonhos mais bonitos do que uma boa história.

O tempo passa e os nossos avós olham com preocupação, não sem alegria, a nossa ameaça de tocar a parte superior da porta. Eles nos veem como pequenos, mas, ao mesmo tempo, nos imaginam como gigantes. Por isso eles procuram por toda a casa aquele lápis que pinte na parede a prova de que hoje somos um pouco mais altos do que ontem.

No nosso caminho até o céu, aprendemos que a paciência geralmente tem mais recompensa do que o impulso. Que a vida pode ser muito bonita, mas que ela também guarda surpresas em cada esquina. Vemos como o céu fica nublado, chove e o sol nasce de novo. Apreciamos como a natureza é uma questão de ciclos e que muitos dos processos pelos quais passamos também o são. Descobrimos que os reis não existem, que são os pais, e que os pais falham e estão errados, mas raramente encontraremos algo tão perfeito quanto sua maneira de nos amar.

Mas não só aprendemos, nós também começamos a esquecer coisas importantes. Então, se você quiser, vamos remexer um pouco esse baú do esquecimento e vamos ver o que encontramos!

Lições que esquecemos com o tempo

Mulher caminhando em floresta no outono

Nós nos esquecemos de negociar

Acredito que as crianças são excelentes negociadoras. Para elas, a negação é o princípio da negociação. Elas são teimosas, tenazes e acreditam em suas possibilidades. Além disso, elas sabem que têm muitas armas. A primeira é a de pedir o que querem no momento certo: quando os pais estão felizes e são mais flexíveis, quando os pais estão cansados e sua resistência é menor, ou quando os pais estão tratando de um assunto importante e sua prioridade será encerrar a negociação.

A segunda é a de insistir. Você disse não? Então eu vou fazer a carinha mais fofa de bom menino que você já viu. Ainda continua dizendo não? Com certeza você não viu a carinha que eu fiz. Olha! Continua na mesma, né? Então é hora de fazer uma oferta. Se você me der agora, prometo que vou me comportar bem o dia inteiro. Nada? Então você vai ver, vou ficar aqui parado no meio da rua até tratarmos desse assunto com a seriedade que merece.

Bem, você já está começando a ficar nervoso. Você não gosta dessa situação. Pois saiba que eu também não gosto de não ter o que eu quero. Se você tentar tirar de mim, vou resistir usando estratégias que você não vai usar, como me jogar no chão. Você já está muito nervoso porque todo mundo está olhando para nós. Está bem, está bem, se vai ameaçar a não sair hoje à tarde para o parque eu já me levanto. Mas antes, ouça, agora você não vai me dar o que eu quero, mas mais tarde você promete que dá, não é? Junto com essa carinha de bom menino, claro.

Os adultos costumam perder essa inclinação natural de insistir, principalmente quando recebemos uma resposta negativa de outras pessoas, e não da realidade. Umas vezes o medo e outras vezes o conforto nos fazem conformar com a resposta que já temos, enviando o desejo para gaveta do esquecimento.

Nós nos esquecemos de perguntar quando não sabemos algo

À medida que crescemos, nós vamos formando uma imagem de nós mesmos. Não sabemos com certeza como os outros nos veem, mas podemos chegar a intuir. Por outro lado, há certos atributos que não gostaríamos de incluir nesta imagem que projetamos. Mentiroso? Eu não! Manipulador? Eu não! Orgulhoso? Eu não! Ignorante? É claro que não! Pelo menos não mais ignorante do que as outras pessoas.

A verdade é que, se no momento atual em que vivemos a atitude parece multiplicar esse fator de conhecimento e apoio social, houve um passado não muito distante no qual a quantidade de conhecimento era o que mais contava, por exemplo, para uma empresa na hora de nos contratar. Então, parecer ignorante não era uma boa ideia.

O que as crianças fazem? Elas perguntam, perguntam, perguntam. Seja o tema delicado, interessante ou trivial. Elas querem saber como, por quê, para quê, de onde vem e que consequências terá. Elas assumem, assim como nós lá no fundo, que não sabem muito, mas ao contrário de nós, elas não entendem como o ato de perguntar pode distorcer sua imagem. Para elas, antes da aparência existe um fascínio pelo conhecimento. Um fascínio que costuma fazer parte das lições que esquecemos com o tempo.

Nós nos esquecemos de dizer o que pensamos

São nove horas. Estou prestes a chegar e minhas pernas estão tremendo um pouco. Como será que eles são? Será que eles vão gostar de mim? Eu deveria ter colocado menos roupa. Respira. Um, dois, três…

A porta se abre e a mãe da minha namorada abre a porta. Ela sorri para nós, nós sorrimos de volta. Ela nos convida a entrar e eu tento não tropeçar no tapete. Algumas perguntas de cortesia e antes de perceber, depois de passar por uma ou outra pergunta, me vejo diante de um prato de que não gosto. Na verdade, detesto. No entanto, quem é que vai dizer que não quando é a “especialidade da casa”? Ela é muito boa cozinheira. Eu fecho os olhos e como.

Segunda visita, repetimos a situação. Dessa vez o prato é duas vezes maior. E, assim como essa, há muitas situações na vida em que realmente é difícil não parecer indelicado por medo de ofender.

Uma criança dificilmente suporta uma situação da qual não gosta nada, dificilmente relega o que pensa à gaveta do esquecimento. A evolução natural dessa criança na vida adulta seria expressar isso mesmo, mas com um autocontrole maior – possível graças à evolução do córtex frontal e da assimilação de determinadas normas sociais -, ou seja, tomando cuidado para não ofender ninguém.

Mulher com folhas verdes no corpo

Nós nos esquecemos de ir atrás de novas experiências

Se existe algo que caracteriza a infância, é o fato de ser a época dos descobrimentos. A primeira vez que jogamos um objeto no chão e observamos o que acontece a seguir, a primeira vez que andamos sozinhos ou a primeira vez que dormimos na casa de um amigo sem a vigilância de nossos pais.

Essas primeiras vezes não só proporcionam a emoção de vivê-las, como também alimentam a imaginação ao fantasiar antes de elas acontecerem. Raramente vemos uma criança desperdiçar a oportunidade de tentar porque está cansada. Sua curiosidade é muito mais poderosa do que pode ser o conforto de permanecer no que já conhecem. Além disso, é verdade que eles têm medo de mudanças, mas também é verdade que elas vivem com paixão e que em raras ocasiões acontece algo pior.

O valioso baú do esquecimento

Neste sentido, também nos esquecemos de que para o bem, é melhor hoje do que amanhã. Esta é uma ideia que geralmente lembramos quando a consciência da finitude da vida nos atinge no rosto. Nós vemos isso nas pessoas que estão prestes a morrer: vemos como elas se tornam muito crianças nesse sentido. Elas recuperam essa urgência não só pelas obrigações, mas também pelos sonhos.

Além disso, podemos dizer que as crianças são boas para falar abertamente sobre o que admiram nos outros. Elas não têm problemas para reconhecer que não são capazes de fazer algo ou de admitir que alguém faz algo melhor do que elas. Isso, claro, antecipando seu crescimento e dizendo que no futuro elas também vão melhorar seu desempenho. Finalmente, podemos dizer que a maioria das crianças tem uma fé inesgotável em suas possibilidades. Elas não encontram razões para deixar de pensar que podem se transformar em quem admiram nem para renunciar a aquilo que desejam.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.