Misofonia: quando alguns sons são insuportáveis

Misofonia: quando alguns sons são insuportáveis
Francisco Pérez

Escrito e verificado por o psicólogo Francisco Pérez.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Para conhecer a misofonia e o que ela significa, vejamos esse relato: “Passei toda a minha vida assim, é terrível. Qualquer meio de transporte me enlouquecia por completo. Se não tenho tampão para os ouvidos ou fone para ouvir música, fico muito nervosa e irritada. Escutar o barulho do teclado do computador, pessoas mascando chiclete, que mordem o metal do garfo ao comer ou sugam canudos barulhentos… um sem fim de ruídos me incomoda. Sonho em algum dia poder estar tranquila e não ter que estar sozinha com meus fones, em não reprovar ou olhar feio para as pessoas que fazem os sons… Não consigo ter uma relação estável, é normal acabar odiando uma pessoa como eu”.

O que você acaba de ler é um relato real de uma pessoa que sofre de misofonia. Mas então, o que é a misofonia? Basicamente, a doença é definida como uma grande sensibilidade, ou hipersensibilidade a um determinado tipo de som.

“A reação é a raiva na maior parte das vezes, e não tristeza. A emoção dominante é a raiva. Parece uma resposta normal, mas logo ocorre de forma exagerada.”
-Doctor Sukhbinder Kumar. Universidad de Newcastle-

Trata-se de uma das condições que implicam baixa tolerância ao som, em conjunto com a hiperacusia e a fonofobia. Nas pessoas que sofrem de misofonia o corpo reage de certo modo quando exposto a determinados estímulos sonoros.

A palavra misofonia foi cunhada pelos médios Pawel Jastreboff e Margaret Jastreboff nos anos 2000. Esse termo deriva do grego “misos”, que significa aversão, e “foné”, que significa som. Desse modo, a misofonia também pode ser definida como “sensibilidade seletiva ao som”.

Mulher com misofonia

O que realmente é a misofonia?

Conforme já falamos, a misofonia é uma diminuição da tolerância a certos sons. Quem sofre da condição não tolera escutar alguns sons específicos. O que para a maioria das pessoas são sons de fundo, para outros são sons profundamente desagradáveis.

Ruídos como o mastigar, o tilintar de alguns talhares, ou o tamborilar dos dedos, parecem insuportáveis para as pessoas que sofrem de misofonia. Alguns dos sons que provocam o mal-estar têm uma intensidade relativamente baixa, da ordem de 40 a 50 decibéis.

Essa aversão aos sons é amplificada se as pessoas que os produzem têm laços sentimentais com a pessoa que tem a doença. Por exemplo, se pertencerem à mesma família ou se são amigos íntimos, a irritação é maior. Uma professora de uma escola primária de Baltimore, Meredith Rosol, diagnosticada com a misofonia, afirma que não consegue sequer fazer uma refeição com seus pais. Só come junto a eles se coloca um tampão em seus ouvidos.

Um dos problemas que são enfrentados pelos pacientes é que essa doença tem um diagnóstico difícil. Por isso, também são complicadas as possibilidades de um tratamento efetivo: até pouco tempo atrás a condição não havia sequer sido catalogada como uma doença.

A misofonia é um transtorno psicológico?

Há quem argumente que a misofonia não é um transtorno psicológico, não é uma fobia. Seria o caso então de uma condição neurológica. Esse transtorno neurológico provavelmente está localizado em determinadas estruturas do sistema nervoso central.

Da onde exatamente surge essa reação tão visceral ainda é uma incógnita. Poderia ter algo a ver com um dano no córtex pré-frontal medial, similar ao que produz uma outra condição médica chamada tinnitus. O tinnitus é um timbre fantasma, ou um outro ruído no ouvido. É uma percepção comumente causada pelas células ciliadas localizadas na cóclea do ouvido.

Mulher afetada pela misofonia

Sintomas da misofonia

As pessoas que sofrem desse transtorno ou doença sentem mal-estar, raiva, ira, pânico, temor… Podem inclusive chegar a imaginar atacar a pessoa ou coisa que produz os sons. Estes podem ser sons bastante comuns e normais como os produzidos ao comer, beber, sugar, respirar, tossir, etc.

Essas pessoas também podem chegar a sentir incômodos por outros sons repetitivos, como mascar chiclete, estourar bolas com ele, o estalar dos ossos, etc. Os diagnosticados com a doença manifestam ansiedade e condutas para evitar as pessoas que produzem os barulhos. Em alguns casos muito graves, a pessoa pode se tornar tão intolerante que acaba apresentando comportamentos violentos para com o objeto, indivíduo ou animal envolvido.

Pode se desenvolver então uma verdadeira obsessão em relação aos sons. A hiperssensibilidade, desse modo, estende-se, e surge uma intolerância até às pessoas ou situações em que os barulhos estarão presentes.

Problemas psicológicos que se derivam da misofonia

As pessoas que sofrem de misofonia podem desenvolver graves problemas a nível psicológico. Podem se tornar agressivas ou tomar decisões de evitar as situações que precedem ou motivam seu mal-estar. Desse modo, podem chegar a se isolar ou sentir uma profunda solidão.

Devido ao fato de existirem poucos recursos para tratar a doença, não há muita solução para a integração social. A única possibilidade disponível é usar tampões nos ouvidos, ou fones para ouvir música. Ou seja, com o objetivo de não escutar os sons que causam o mal-estar, não escutam mais nada. Não é a melhor solução mas corta o mal pela raiz.

Quão comum é a misofonia?

Desconhecemos a taxa de prevalência da misofonia na população. As pessoas que sofrem sugerem que é mais comum do que se imagina. Em pacientes com tinnitus, é reportada uma taxa de até 60% de diagnosticados.

Os problemas de audição são mais comuns do que pensamos. Muitas vezes existe um tratamento adequado, mas outras vezes é mais difícil realizar um tratamento efetivo, sobretudo quando o problema é a hipersensibilidade a certos sons. Isso se deve ao fato de que fatores físicos e psicológicos interagem para gerar esse tipo de problema.

Jovem com fones de ouvido

Como se trata a misofonia?

Não há atualmente uma cura para a misofonia. Alguns pacientes já obtiveram alguma melhora com a terapia cognitivo-comportamental e a terapia de recapacitação do tinnitus. Em outros casos, essas intervenções não foram nada efetivas. Muitos médicos desconhecem a existência desse transtorno porque foi reconhecido faz pouco tempo. Isso implica que em muitos casos a condição não seja nem diagnosticada.

Existem alguns tratamentos psicológicos e hipnóticos que também trouxeram resultados eficazes para alguns pacientes. No entanto, em geral, não se pode afirmar que exista uma cura para a condição. Enquanto estão à espera de um tratamento mais adequado e universal, as pessoas afetadas seguem condenadas a viver em um estado de ansiedade ou isolamento constante se optarem por evitar os sons que lhes são insuportáveis.

Referências bibliográficas:

Herráiz C. (2005). Mecanismos fisiopatológicos en la génesis y cronificación del acúfeno. Acta Otorrinolaringol Esp 2005; 56(8):335-42.

Herráiz Puchol C, Hernández Calvín FJ. (2002) Acúfenos: actualización. Barcelona: Ars Médica.


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