The Handmaid’s Tale: distopia e feminismo

The Handmaid’s Tale: distopia e feminismo
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

O livro The Handmaid’s tale (O Conto da Aia) é um romance publicado em 1985 pela escritora canadense Margaret Atwood. Apesar de ser um trabalho dos anos 80, a popularidade de The Handmaid’s Tale cresceu recentemente graças à série homônima da HBO. Além disso, série e livro apresentam algumas diferenças, mas não vou me concentrar nelas. Na verdade, vamos focar no que essa obra pretende transmitir, nas reflexões que surgem tanto da leitura do livro, quanto após assistir a série.

A série e o livro nos levam a um futuro não muito distante em que os direitos das mulheres foram completamente eliminados. Nesse contexto, houve um retrocesso em direção aos valores tradicionais, levando-os ao extremo. Assim, Margaret Atwood nos mergulha num futuro aterrador, especialmente para as mulheres. Ou seja, poderíamos alcançar esse futuro se nos deixássemos guiar pelo medo. Um futuro que apresenta algumas semelhanças com o presente e com os tempos passados. Dessa forma, a obra permite incorporar um filtro crítico aos nossos olhos.

A sociedade em The Handmaid’s Tale

A sociedade, inteiramente patriarcal, está profundamente enraizada na religião. Por isso, acabam tomando passagens do Antigo Testamento de uma maneira muito literal. Essa sociedade não nasce da noite para o dia. Na verdade, cresce progressivamente como uma reação a um sistema no qual o medo se espalhou. Guerras, infertilidade e uma situação limite farão com que o medo tome a população. Como consequência, os mais conservadores adquirem poder e transformam a sociedade.

Esse revés faz com que as mulheres percam todos os seus direitos, sua única função é se reproduzir. No topo da pirâmide dessa sociedade encontramos os homens, em particular comandantes. Eles terão três mulheres à sua disposição: a esposa, cuja única função é servir ao marido. Uma martha , mulheres que se dedicam exclusivamente ao trabalho doméstico. E, finalmente, uma aia, uma mulher encarregada de gerar os filhos do casamento.

Essas aias vestem vermelho, símbolo de fertilidade. Elas perdem seu nome, que passa a ser “Of” (de, em português) + nome do comandante que elas servem. Dessa forma, fica explícita sua condição de objeto e propriedade. As aias nem sequer cumprem a função das mães. São as esposas que se responsabilizam pela criação dos filhos. As aias são apenas um útero fértil.

Cena de 'The Handmaid’s Tale'

A função das mulheres em The Handmaid’s Tale

Offred é a protagonista e narradora dessa história. Através de  flashbacks, ela nos apresenta seu presente e seu passado. Ela é quem nos apresenta essa sociedade e explica como as coisas funcionam. O Estado não quer que as mulheres pensem ou sejam livres, só quer que perpetuem a espécie. Dessa forma, assegura-se o poder no futuro. Offred não pode escolher nada em relação a sua vida, suas roupas e seu corpo. Tudo depende da família que ela serve como aia.

As aias só podem ter relações sexuais com o comandante por meio de um tipo de ritual conhecido como “a cerimônia”. Nessa cerimônia, a esposa do comandante também participa. Ela deve segurar a aia e colocar-se de uma certa maneira para que pareça que está sendo fertilizada. As cenas são muito visuais, muito desconfortáveis e realmente perturbadoras.

As mulheres não podem pensar, falar, ler, sair, decidir. Elas perderam tudo, até mesmo seus nomes.  The Handmaid’s Tale nos apresenta uma realidade realmente dura e desagradável. Uma sociedade totalmente hermética e aterrorizante, mas que não é nem remota nem improvável.

Cena de 'The Handmaid’s Tale'

Por que uma distopia?

Nos últimos anos, o termo distopia parece estar ganhando terreno no mundo do cinema e da literatura. Afinal, o que é uma distopia? De modo geral, poderíamos dizer que é o oposto de uma utopia. Ou seja, algo que nos mostra a pior face possível de uma sociedade inexistente. Obras da primeira metade do século XX, como 1984, de George Orwell ou Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, são algumas das referências do gênero distópico.

Esse gênero, muitas vezes visto dentro do quadro da ficção científica, tem suas raízes na atualidade. Ou seja, ele é inspirado por possíveis consequências negativas de comportamentos ou tendências atuais. Uma distopia é, portanto, levar uma situação a um extremo tão horrível quanto possível. Assim é possível satirizar ou criticar algo contemporâneo. O fato é que, ao encararmos um trabalho distópico, nosso olhar se torna crítico em relação ao presente e a nossa realidade cotidiana.

As distopias se tornaram populares, alcançando o mundo dos quadrinhos com obras como “V de Vingança”, séries como Black Mirror e filmes. A verdade é que, longe de nos incomodar, parece que gostamos cada vez mais dessas obras. Esses panoramas de futuro irreal e assustador, onde os direitos das pessoas foram completamente eliminados, nos fazem repensar a nossa situação atual. Dessa forma, podemos ficar atentos para “despertar” e continuar lutando por nossos direitos.

Cena de 'The Handmaid’s Tale'

A distopia em The Handmaid’s Tale

The Handmaid’s Tale desmonta a ideia de que o patriarcado nunca poderia ter sucesso. Partindo da distopia, a obra nos apresenta um futuro extremamente assustador. Hoje, a ideia de ditadura pode parecer distante em muitos países, mas a história de The Handmaid’s Tale ataca essa ideia. Ela denuncia que, mesmo no país mais desenvolvido, nunca estamos a salvo de um retrocesso. Além disso, sempre podemos acabar caindo mais uma vez em uma ditadura.

medo faz com que as pessoas reajam a um evento. Nesse contexto, talvez decidam apoiar aqueles que prometem garantir a proteção e paz. Apesar disso, algumas das liberdades mais fundamentais podem ser entregues. Afinal, isso não é algo que vemos apenas na distopia, a história já mostrou, em muitas ocasiões, que é possível.

sociedade em O Conto da Aia é totalmente controlada. Ou seja, oprimidos e sem imprensa livre, não há liberdade de expressão ou de pensamento. Sendo assim, quem se atreve a revelar algo sofre consequências terríveis. Margaret Atwood não precisou imaginar criaturas fantásticas, máquinas assustadoras ou elementos incomuns para capturar em seu trabalho um futuro mais obscuro. Afinal, nada mais assustador do que pensar no acontecimento de algo terrível assim. Por essa razão, ela usa a distopia para nos desenhar um mundo que não é tão distante e impossível. Assim, talvez possamos abrir nossos olhos.

Cena de 'The Handmaid’s Tale'

Feminismo em The Handmaid’s Tale

feminismo surge como busca da igualdade entre homem e mulher. É a oposição a uma hierarquia enraizada que dá benefícios e superioridade ao homem diante da mulher. The Handmaid’s Tale apresenta um mundo no qual o feminismo não existe mais. Um mundo completamente oposto a essas ideias. Lá, os homens não estão apenas acima das mulheres, mas também são a única autoridade.

Sendo um trabalho distópico, podemos dizer que The Handmaid’s Tale é um lembrança do feminismo. Uma maneira de lembrar sua importância e o valor da igualdade entre homens e mulheres. Depois de muitos anos lutando pela independência das mulheres e por seus direitos, as mulheres de The Handmaid’s Tale se tornam escravas. Vivem em um mundo que elas nunca acreditaram que poderia vir a existir.

Um regime autoritário nos levará à servidão, à perda de nossos direitos. Uma sociedade patriarcal, um mundo desigual. The Handmaid’s Tale nos mostra tudo o que não queremos ser. Um lugar que nunca queremos alcançar. Assim, podemos ficar conscientes de quão necessária a luta pela igualdade ainda é hoje.

“Vivíamos, como era normal, fazendo pouco caso de tudo. Fazer pouco caso não é o mesmo que ignorar, é preciso trabalhar para isso”.
-The Handmaid’s Tale-


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