Agenciar, a arte de sermos donos de nossas próprias vidas
Quando nos referimos à sensação de estarmos no controle de nossas vidas, empregamos o termo ‘agenciar’. Ser agentes da nossa vida significa saber onde estamos, saber contar o que está acontecendo conosco, sentir a capacidade de moldar as circunstâncias…
As agências físicas, como as agências de viagens, se encarregam de oferecer serviços que ajudem as pessoas a satisfazer determinadas necessidades, e por isso procuramos sua assessoria. Nós também temos necessidades internas dos mais variados tipos, que só podem ser atendidas por nossa própria agência, mesmo que outras ajudas ou serviços também possam estar envolvidos. Daí a importância de que nossa agência funcione da melhor maneira possível.
Agenciar começa com a interocepção
A interocepção é a percepção que cada pessoa possui sobre o interior de seu organismo; uma informação que nos ajuda a manter o equilíbrio corporal (homeostase). Corpo, mente e cérebro se encontram intimamente relacionados, por isso a interocepção não é algo meramente fisiológico, também está ligada com as sensações subjetivas, como as emoções.
Quanto maior for nosso conhecimento a nível interoceptivo, mais capacidade e potencial teremos para controlar nossas vidas. Quer dizer, se formos conscientes das mudanças que ocorrem em nosso entorno, exterior e interior, poderemos nos adaptar melhor.
Os efeitos de não saber agenciar
O maravilhoso livro “The body takes the score” (Bessel van der Kolk, M.D.) descreve a perda da capacidade de agenciar que ocorre em muitos soldados veteranos da guerra. Vários desses homens ficaram presos ao passado, apegados de alguma forma a um meio em que aprenderam a se desenvolver baseados em determinadas normas, que somente funcionam em um contexto de conflito.
Além disso, por diferentes motivos, as pessoas podem se sentir inseguras dentro de seu próprio corpo. Por exemplo, recordando constantemente de um passado incômodo. Pensemos que somos seres de costumes e muitas pessoas aprendem a ignorar seus instintos e adormecer a consciência sobre seu interior. Nesse sentido, ignorar nosso interior aumenta a perda de controle.
Muitos problemas de saúde, como dores crônicas, cansaço, dores de cabeça e enxaquecas, são exemplos de avisos internos que necessitam de atenção urgente e que podem ser a consequência de ignorar o nosso sábio interior. Realmente, não sermos agentes de nossa própria vida tem seu preço: ignorar ou não detectar o que é realmente perigoso ou prejudicial para nós, ou mesmo não detectar o que é seguro ou revigorante.
Como podemos agenciar melhor nossa própria vida?
O córtex pré-frontal de nosso cérebro, conhecido metaforicamente como “a torre de vigilância”, é o encarregado de supervisionar nossas sensações corporais. Atualmente sabemos que a meditação consciente e a ioga podem nos ajudar a ser mais conscientes de nossas sensações corporais e, portanto, controlar com energia o leme de nossas vidas.
Hoje em dia está comprovado o efeito do trabalho somático ou corporal sobre a liberação da energia, especialmente naquelas pessoas que se encontram de alguma maneira bloqueadas, como os soldados veteranos da guerra atados ao terror pelo qual passaram.
Trabalhar a interocepção através do exercício físico é um bom treinamento para compreender melhor as mensagens que o nosso organismo nos envia sobre nossas necessidades.
Definitivamente, falar em agenciar é falar em conhecer e confiar no que nos dizem nossos pressentimentos, nosso corpo, nossos sentimentos , nosso “eu” interior. Essa agência entende que tomar as rédeas de nossas vidas – frente a outras forças que querem controlá-las – não é uma tarefa fácil e começa por conhecermos, aceitarmos e compreendermos a nós mesmos. A partir daí, devemos elaborar um projeto pessoal de vida.
Algumas perguntas podem ser de grande utilidade para refletir sobre nossa capacidade de agenciar: O que você espera da sua vida? Quais são seus sonhos e aspirações? O que ou quem pode ajudá-lo a promover uma pequena mudança na sua posição atual?
Referencias bibliográficas
- Quirós, P., Grzib, G. & Conde, P. (2000). Bases neurofisiologicas de la interocepción. Revista de Psicolo. Gral. y Aplic., 53 (1): 109-129
- Van der Kolk, B. A. (1994). The body keeps the score: Memory and the evolving psychobiology of posttraumatic stress. Harvard review of psychiatry, 1(5), 72-73.