Os 8 dharmas mundanos: a arte do desapego e da impermanência

Os 8 dharmas mundanos: a arte do desapego e da impermanência
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

Os 8 dharmas mundanos fazem referência aos bloqueios, preocupações ou apegos que nublam nossa consciência e a capacidade de sermos felizes.

Nesse contexto, o budismo e a psicologia nos recordam que se vivermos tão agarrados a algumas dimensões humanas como o orgulho, o materialismo, o desejo e a ganância, acabaremos criando uma existência repleta de carências e sofrimentos.

Frequentemente, costuma-se dizer que o budismo é uma casa cheia de lindos tesouros. Nós, no entanto, temos uma visão marcadamente ocidental. É comum que em muitas ocasiões não saibamos diferenciar ou apreciar a beleza das riquezas que são valorizadas nesse marco filosófico e espiritual.

Os princípios do budismo e a prática do Dharma não são fáceis de colocar em prática. O motivo disso está na nossa mente, no tipo de cultura dentro da qual nos desenvolvemos e estamos inseridos no nosso dia a dia e que, de algum modo, acaba nos moldando.

“Dharma é a disciplina de viver a verdade, não é conhecer ou ler a verdade, não é comentar ou discutir a verdade, não é sua lógica nem sua razão. É viver”.
-Yogi Bhajan-

Desse modo, são muitos os especialistas nessas correntes de pensamentos que nos recomendam apenas um simples conselho. Não importa se não sabemos nada sobre dos chakras, sobre a meditação ou sobre a suposta energia vital contida na Yoga Kundalini.

Essas práticas que muitos praticam mesmo sem saber quais são seus significados e sentidos não têm nenhuma relevância se primeiro nós não conhecermos os 8 dharmas mundanos.

Porque definir, delimitar e trabalhar esse conjunto de preocupações comuns aos humanos do mundo é, sem dúvida, o primeiro passo para nosso despertar espiritual.

A terra é o umbral do budismo, e poder se desprender de nossos pensamentos obsessivos e desejos sociais para deixar para trás nosso eterno medo da perda é essencial.

Temos que nos livrar dessa fixação na ganância, no apego sem sentido, dessa obsessão por bens materiais que nada nos adicionam espiritualmente.

Liberdade para voar

Os 8 dharmas mundanos

Os 8 dharmas mundanos falam sobre vários conceitos diferentes, mas sobretudo sobre dois: o desapego e a falta de permanência. Essas ideias são, sem dúvida, nossa autêntica Nêmesis, essa sombra que nos persegue e da qual nunca conseguirmos nos livrar.

Isso porque dentro da nossa mentalidade e comportamentos, muitas vezes acabamos orientando nossa existência para certas dimensões, necessidades, pessoas e materiais que consideramos essenciais para nos sentirmos bem.

Vivemos apegados a todas essas dimensões sem compreender, sem intuir que nada nesse mudo pode ser guardado para sempre. No nosso cotidiano construímos algumas certezas, apegos e expectativas do que será, porque tudo isso nos passa uma sensação de controle.

Se há algo que não nos agrada, queremos colocar esse algo sob nosso controle. No entanto, não há nada tão volátil, fluído, impermanente e incontrolável quanto a própria vida.

É por isso que qualquer pequena mudança nos desestabiliza. Toda variação, expectativa falida ou meta não cumprida nos conduz ao sofrimento e ao estresse.

Para o Dharma, enquanto nossa mente segue contaminada por esses princípios mundanos, estamos presos. Jamais seremos livres, nem nobres. Portanto, vejamos exatamente sobre o que falam esses conceitos do budismo.

Primeiro par: o apego a posses materiais/ aversão a não recebê-las ou ser separado delas

Os 8 dharmas mundanos se estabelecem em 4 pares de apego e aversão. Dessa forma, o primeiro deles faz referência algo que será muito familiar para cada um de nós. Falamos da nossa necessidade de possuir e o medo que temos de pensar na distância ou no dano ao que entendemos como nosso.

Mil exemplos podem ilustrar esse conceito: nosso apego à tecnologia e como dependemos do celular, nosso apego a determinadas marcas de roupa, de sapatos, nosso apego ao carro que compramos, etc.

Fica claro que muitas dessas coisas são consideradas essenciais para o nosso dia a dia; elas servem para que possamos trabalhar melhor, e até mesmo para transmitir uma determinada imagem de nós mesmos.

No entanto, o problema está em sentir um sofrimento muito claro quando não temos acesso a esses objetos. Quando eles nos faltam podemos perceber nossa dependência absoluta em relação a eles. Este, sem dúvida, é um dharma mundano muito relevante e no qual temos que trabalhar.

Homem observando chaves enormes

Segundo par: o apego ao reconhecimento, à aprovação e à fama/ aversão à censura ou à rejeição

Todos, de algum modo, precisamos nos sentir valorizados. Precisamos nos sentir reconhecidos e aprovados por aqueles que nos rodeiam. Somos seres sociais e esses laços de segurança nos permitem levar a vida de uma forma mais tranquila.

Agora, o problema, como sempre, aparece quando essa necessidade se torna a prioridade número 1 e algo constante. Quando somos incapazes de viver sem esse reforço externo, sem essa aprovação, sem essa validação, sem esse like em nossas fotos, sem esse reconhecimento por parte de nossas famílias, relacionamentos ou colegas de trabalho.

Não saber ou não poder viver sem esses reforços ou experimentar bloqueios e ansiedade quando alguém nos censura ou nos desaprova é outra fonte de sofrimento. Outro dos pilares dos 8 dharmas mundanos que devemos identificar e mudar.

Terceiro par: o apego a uma boa reputação/ a aversão a uma imagem ruim

O que implica o fato de viver condicionado e obcecado por construir uma boa reputação? Implica basicamente não ser livre, não poder agir, sentir, viver e se desenvolver de acordo com nossos desejos.

Quem depende do que os outros pensam, ou do que os outros podem concluir a respeito de nossa aparência, nossos atos ou palavras, veta por completo o próprio crescimento pessoal. Isso certamente não é adequado.

“Quando você faz aquilo que gosta com paixão, sem receber retribuição alguma e perde a noção do tempo… Quando faz algo pelo simples fato de que é feliz fazendo aquilo, e além disso está também sendo útil para os demais. É aí que você está em Dharma”.
-Yogi Bhajan-

Quarto par: o apego aos prazeres dos cinco sentidos/ a aversão a experiências desagradáveis

Pode ser que esse par dos 8 dharmas mundanos pareça um pouco contraditório. O que há de errado em orientar nossa existência aos 5 sentidos? Em querer sentir a vida em todas as suas formas, cores e sensações? Além disso… Por que não sentir aversão ao que é desagradável ou incômodo?

Para entender essa questão, devemos nos inserir dentro do pensamento budista. Dentro de uma visão na qual o fugaz, o humilde e o justo nutrem a si mesmos através dos comportamentos, e não há espaço para o excesso.

Nessa filosofia, é difícil encaixar as paixões elevadas, a gula, o desejo, a necessidade… O equilíbrio fornece a base para o bem-estar, e é nesse ponto em que não temos necessidade absoluta de nada que a consciência se torna livre do material. É aí que surgem a sabedoria, a compaixão e o verdadeiro progresso espiritual.

“A água não pode se acumular no topo de uma montanha, e o verdadeiro mérito também não se acumula sobre a crista do orgulho”.

Meditação

Para concluir, é muito possível que esses 8 dharmas mundanos pareçam algo muito complicado de delimitar e de transformar. Isso é assim porque dentro de nossa concepção de mundo é muito difícil renunciar à fantasia da permanência e abraçar a ideia de que não temos controle absoluto sobre as coisas que acontecem.

Apesar disso, se conseguirmos buscar a essência desses conceitos, deixar pelo menos que eles nos inspirem para dar forma a uma vida mais autônoma, livre de egoísmos, orgulhos ocos, necessidades vazias e pensamentos que não nos permitem crescer como pessoa, então já estaremos livres.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.