A representação do drama do feminicídio em uma cidade mexicana
‘Mulheres de Areia’ é uma obra de teatro do dramaturgo Humberto Robles. A proposta é expor o testemunho de diversas mulheres que falam do horror e da tortura que é a crise de feminicídio que ocorre na vida real em Ciudad Juárez, uma cidade no México. ‘Mulheres de Areia’ coloca em cena de forma latente as declaração em forma de denúncia, com um profundo sentimento humano. A iniciativa tenta apoiar o movimento dos familiares das mulheres assassinadas.
Humberto Robles é escritor, roteirista e ativista pelos direitos humanos no México. Em 2007, a imprensa escreveu sobre ele: “Atualmente ele talvez seja um dos dramaturgos mexicanos mais representados nos teatros da comunidade hispanoamericana”. Disse também que ele “é um dos autores que traz mais promessas para a criação teatral contemporânea no México, tendo estreado também textos muito comprometidos com a divulgação das duras condições de vida das mulheres de seu país”.
Na sua obra ‘Mulheres de Areia’, ele abre o palco falando sobre os múltiplos assassinatos e desaparecimentos de cidadãs mexicanas por meio da fala de quatro mulheres. Uma mãe, uma prima, uma irmã e uma jovem assassinada que contam as histórias de Natalia, Micaela, Lilia Alejandra e Eréndira. Todas elas foram vítimas de feminicídio, tão comum em Ciudad Juárez. Esses testemunhos são intercalados com poesias e estatísticas, cifras que revelam a falta de interesse do governo mexicano em solucionar e acabar com esses crimes.
O número total que somam as desaparecidas e assassinadas é desolador. O clima de violência continua crescendo sem que em nenhum momento tenham sido tomadas ações para esclarecer os casos diante de dados tão altos de feminicídio. Esse termo faz referência aos crimes de ódio e assassinato de mulheres pelo simples fato das vítimas serem do sexo feminino. São crimes de máxima gravidade, que ocorrem em um contexto de discriminação e violência de gênero, contra mulheres e meninas submetidas a uma desumanização forçada.
“A princípio, o fácil é fazer desaparecer uma pessoa viva. A questão é fazer desaparecer um morto. Um cadáver se enterra, um fantasma, não. Matar! E depois? Para que fechar a parte para o vivo durante o dia, se o morto há de vir a cada noite se sentar na beira da cama?”.
-Barret-
Mulheres de Areia: as vítimas do feminicídio em Ciudad Juárez
A grande maioria das vítimas têm características semelhantes: a idade – são jovens e adolescentes entre os 15 e 25 anos de idade e os poucos recursos econômicos de que dispõem. Desde uma idade muito jovem essas mulheres precisam correr atrás de condições de vida, e por isso geralmente a única saída é procurar emprego em fábricas ou exportadoras.
A exportadora é também uma fábrica, mas produz ou fabrica produtos para exportação. A maioria dos pedidos que as exportadores mexicanas recebem têm como destino os Estados Unidos, e as empresas são muitas vezes filiais de companhias americanas que se instalam no México para conseguir uma mão de obra mais barata.
Essas jovens trabalham em turnos de mais de 12 horas, por um salário mínimo e com condições de trabalho muito precárias. Faltam direitos de trabalho, condições apropriadas, e é por isso que o desaparecimento de uma mulher não chama tanto a atenção das autoridades. É normal o abandono do emprego. O aterrador é que quase todas as empregadas nesse tipo de indústria conhecem algum caso de uma jovem desaparecida.
Cruzes rosas: emblemas das desaparecidas
Já se passaram mais de 20 anos desde que foi denunciado o primeiro caso de desaparecimento. O primeiro feminicídio documentado foi o de Alma Chavira Farel, de 13 anos de idade. Seu corpo foi achado em 23 de janeiro de 1993, depois de ser atacada sexualmente e estrangulada. Com ela, teve início o horror e o símbolo das cruzes rosas.
Em todos os lugares em que se registra um desaparecimento, os familiares das vítimas pintam, colocam ou enterram cruzes rosas com fundo preto como símbolo de protesto contra os feminicídios. Mas as autoridades costumam apagar ou, de algum modo, sumir com o símbolo para reprimir as denúncias, tornando-as invisíveis à população.
As manifestações populares repudiando os fatos também estão repletas de cruzes rosas que representam parentes, amigos e simpatizantes da causa, contra o assassinato e desaparecimento de mulheres em Ciudad Juárez. Conforme andam pelas ruas, carregam as cruzes com mensagens em que se podem ler frases como “Estado feminicida” ou “Nem uma a menos”. Em cada banco, muro, espaço vazio, colocam cruzes.
A impunidade se mostra presente cada vez que alguém fala sobre o feminicídio em Ciudad Juárez. A má gestão pública, a corrupção e a desimportância das autoridades mexicanas levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos a proferir uma condenação história. O México foi condenado pela primeira vez por feminicídio no ano de 2009. Desde lá até os dias de hoje, no entanto, o governo não soube dar nenhuma resposta nem enfrentar esse tipo de abuso e assassinato que segue fazendo vítimas todos os dias.
Para os familiares das vítimas dos crimes, o reconhecimento do delito é o primeiro passo para frear esse calvário pelo qual todos estão passando. Sua voz é sua principal e única arma.
“O crepúsculo do desaparecimento banha tudo com a brisa da nostalgia.”
-Milan Kundera-