O enigma da religião é explicado pela nossa mente

Vivemos em um mundo repleto de religião e espiritualidade, mas isso vai além de simplesmente rezar ou orar. Vamos ver quais são suas implicações na sociedade.
O enigma da religião é explicado pela nossa mente
Roberto Muelas Lobato

Escrito e verificado por o psicólogo Roberto Muelas Lobato.

Última atualização: 14 janeiro, 2024

Como desvendar o enigma da religião? Ela surgiu como uma necessidade ancestral, ou pelo menos é o que se acredita, e se manteve até os dias de hoje sem nenhum indício de que vai desaparecer. Se olharmos a história, vamos perceber que a religião – se é que se pode falar no singular – passou por muitas variações. Assim, por exemplo, vimos o nascimento das religiões monoteístas, nas quais se adora um único Deus.

Esses deuses também sofreram mudanças ao longo dos séculos e foram dotados de diferentes nomes e formas. Existem deuses dos quais não se pode fazer representações, assim como outros aos quais se atribuem formas fantásticas, por vezes relacionadas aos animais.

“Entregue-se a Deus com todo o seu coração, pois muitas vezes costuma fazer chover suas misericórdias nos tempos em que as esperanças estão mais secas.”
-Miguel de Cervantes-

A religião também foi institucionalizada e, em seu nome, foram criadas instituições sociais com o propósito de prestar ou melhorar serviços, como a educação e a saúde. A parte negativa é que também ocorreram grandes guerras em seu nome e foram cometidos muitos crimes e injustiças com base nos ditames da fé, muitas vezes mal-interpretados.

Explicações para o enigma da religião

São muitas as explicações que foram apresentadas para tentar explicar o nascimento e o enigma da religião ao longo dos séculos. Uma das mais defendidas é a que definimos no começo – a religião cumpre a função de dar respostas a aquelas questões que não conseguimos responder de outra maneira -, mas essa não é a única explicação dada à religião.

A religião é um enigma que a nossa mente explica

A seguir, vamos expor algumas dessas tentativas de explicar o nascimento, a sobrevivência e o enigma da religião:

  • A religião surgiu como causa do consumo de drogas. As pessoas que consumiam substâncias alucinógenas tinham visões anormais que acabavam por interpretar como mensagens do além. Alguns xamãs e bruxos usavam drogas para ficar mais próximos dos deuses ou para se comunicar com eles na hora de tomar decisões. Também se considera que o consumo dessas drogas não era intencional algumas vezes, por isso são plausíveis as interpretações que introduzem seres divinos.
  • Outra explicação considera que a religião surge para dar explicações de fenômenos que não possuíam interpretação lógica. Alguns fenômenos para os quais não era tão fácil encontrar uma explicação convincente, como a chuva e os trovões, eram interpretados com uma restrição lógica, sendo que a motivação para explicar sua causa levou as pessoas a criarem os deuses. Assim, eram os deuses que provocavam esses fenômenos para os quais não havia explicação racional.
  • O surgimento da religião também aparece como forma de idolatria. Algumas pessoas chegaram a ser idolatradas pelos seus atos e pelas suas palavras. Essa adoração levou à criação de religiões em torno dessa figuras.
  • A última explicação aqui compilada nos diz que a religião aparece como uma adaptação cognitiva. Por cognição são entendidas as funções, os processos e os estados mentais, com foco especial em processos como a compreensão, a inferência, a tomada de decisões, o planejamento e o aprendizado. Essa perspectiva é uma das mais aceitas no âmbito da biologia e da psicologia.

Por que a religião veio para ficar?

“In gods we trust”

Segundo o livro de Scott Atran, “In gods we trust”, a religião tenta mudar genes com predisposição para certos comportamentos, para a seleção de grupo e para o mimetismo ou para a imitação. A partir dessa perspectiva, a religião não é uma doutrina ou uma instituição, nem sequer uma fé. Segundo essa visão, a religião surge como consequência das tarefas comuns da mente humana quando lida com inquietações vitais, como o nascimento, a velhice, a morte, os imprevistos e o amor.

Para entender essa perspectiva, é preciso compreender que a religião tem um custo e que suas doutrinas, muitas vezes, contradizem a intuição. Por exemplo, o significado que se dá aos sacrifícios que algumas religiões propõem. Seguir uma religião ou outra representa um grande custo, em certas épocas podia custar até mesmo a vida. A comparação entre as características positivas e negativas que a religião traz pode apresentar um saldo negativo, o que nos indica que a religião não é escolhida simplesmente com base nos seus benefícios.

“O homem encontra Deus atrás de cada porta que a ciência consegue abrir.”
-Albert Einstein-

Homem dando flores a mulher

Portanto, entende-se que a religião é uma consequência não adaptativa das características adaptativas da cognição humana. Ou seja, a religião é uma adaptação em nível cognitivo que, por si só, não é adaptativa se analisarmos os custos e os benefícios que apresenta. A religião, assim como outros fenômenos culturais, é o resultado de uma confluência entre meios cognitivos, comportamentais, físicos e de limitações ecológicas que habitam a mente.

Faculdades psicológicas que criam a religião

Como já foi afirmado, a religião é desenvolvida por determinadas faculdades psicológicas que servem para nos adaptarmos às condições de vida. Algumas dessas faculdades são:

  • Programas afetivos primários e secundários: as emoções que sentimos e o modo como as interpretamos têm consequências nas interações entre as pessoas. As crenças em uma religião nos fazem ter respostas afetivas com nosso grupo diferentes das que temos com outros grupos, sendo mais afetivas com os membros do próprio grupo. Essa forma de expressar as emoções era evolutiva na medida em que beneficiava o grupo ao qual se pertence.
  • Inteligência social: a vida em grupo deu lugar a diferentes interpretações que serviam para a proteção do grupo. Optar por um deus ou outro é determinado pelo pertencimento a um grupo e essa escolha, por sua vez, cria diferenças com outros grupos. A diferença nessa escolha serve para regular e legitimar as relações que se estabelecem com aqueles grupos que escolheram um deus diferente, o qual beneficia o próprio grupo.
  • Módulos cognitivos: são esquemas mentais que regulam a interpretação das ações e dos rituais que se realizam. Esses módulos são justificados e entendidos com base na religião. Os rituais que são realizados dentro da nossa religião são compreensíveis e aceitos enquanto os que são realizados em outras religiões nos parecem estranhos e incompreensíveis. Através desses esquemas, os rituais e as ações do próprio grupo são perpetuados.

Em resumo, os seres humanos têm uma tendência para identificar o agente, ou a causa de uma ação, onde estes não estão presentes. Por exemplo, a crença no sobrenatural pode ser explicada, em grande medida, pela mesma adaptação cognitiva que fez com que nossos antepassados interpretassem o som do vento fazendo uma árvore se movimentar como a presença de um tigre dentes-de-sabre.

Essa interpretação era útil na medida em que beneficiava a sobrevivência. Assim, os agentes sobrenaturais seriam um subproduto evolutivo provocado pelo esquema de identificação de predadores.

A partir dessa interpretação, a religião seria o instrumento que nossa mente usa para dar interpretações plausíveis para eventos que são indefinidos para nós. Por sua vez, a mente reproduziria esses mecanismos ou esquemas através da evolução para garantir o pertencimento ao grupo, assim como sua sobrevivência.


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