Obediência cega: o experimento Milgram

Obediência cega: o experimento Milgram
Alejandro Sanfeliciano

Escrito e verificado por o psicólogo Alejandro Sanfeliciano.

Última atualização: 29 dezembro, 2022

Por que uma pessoa demonstra uma obediência cega? Até que ponto uma pessoa pode seguir uma ordem que vá contra sua moral? Essas e outras perguntas talvez possam ser respondidas através do experimento de Milgram (1963) ou pelo menos, era essa a intenção desse psicólogo.

Estamos diante de um dos experimentos mais famosos da história da psicologia e também mais transcendentais pela revolução que suas conclusões provocaram na ideia que tínhamos do ser humano até aquele momento. Especialmente, nos deu uma explicação muito poderosa para entender por que as boas pessoas às vezes podem chegar a ser muito cruéis. Você está preparado para conhecer o experimento de Milgram?

O experimento de Milgram sobre a obediência cega

Antes de analisar a obediência, vamos falar sobre como o experimento de Milgram foi realizado. Primeiramente, Milgram publicou um anúncio no jornal recrutando participantes para um estudo psicológico em troca de um salário. Quando as pessoas chegavam ao laboratório da Universidade de Yale, eram informados de que iriam participar de uma investigação sobre o aprendizado.

Além disso, seu papel no estudo lhes era explicado: formular perguntar para outra pessoa sobre uma lista de palavras para avaliar sua memória. No entanto…

Na verdade, essa situação era uma farsa que escondia o experimento real. A pessoa pensava que estava fazendo perguntas para outra, que na verdade era um cúmplice do pesquisador. A missão da pessoa era fazer perguntas ao cúmplice sobre uma lista de palavras que anteriormente tinha memorizado. Caso acertasse, iria para a próxima palavra; caso errasse, nossa pessoa teria que dar um choque elétrico no cúmplice do investigador (na verdade, não se aplicavam os choques, mas a pessoa pensava que sim).

Era explicado para a pessoa que a máquina de descargas consistia de 30 níveis de intensidade. A cada erro que o infiltrado cometesse, ele deveria aumentar a força da descarga em um. Antes de iniciar o experimento, já haviam sido aplicados vários choques menores no cúmplice, que este já simulava como incômodos.

O experimento de Milgram sobre a obediência cega

No início da experiência, o cúmplice vai respondendo as perguntas da pessoa corretamente e sem nenhum problema. Mas à medida que o experimento avança, ele começa a falhar e o sujeito tem que aplicar as descargas. A atuação do cúmplice era a seguinte: quando chegasse ao nível 10 de  intensidade ele tinha que começar a reclamar sobre o experimento e querer sair, ao nível 15 da experiência ele se recusaria a responder as perguntas e mostraria com determinação a oposição a elas. Ao atingir o nível 20 de intensidade, ele iria fingir um desmaio e, portanto, a incapacidade de responder as perguntas.

Em todo momento, o pesquisador pede para que a pessoa continue com o teste; mesmo quando o cúmplice está supostamente desmaiado, considerando a ausência de resposta como um erro. Para que a pessoa não caia na tentação de abandonar o experimento, o pesquisador a lembra de que ela se comprometeu a chegar ao fim e que toda a responsabilidade pelo que acontece é do pesquisador.

Agora, eu lhes faço uma pergunta, quantas pessoas você acredita que chegaram até ao último nível de intensidade (um nível de descarga em que muitas pessoas morreriam)? E quantas chegaram ao nível onde o cúmplice desmaia? Bem, vamos analisar os resultados desses “criminosos obedientes”.

Resultados do experimento de Milgram

Antes de realizar as experiências, Milgram pediu para alguns colegas psiquiátricos que fizessem uma previsão dos resultados. Os psiquiatras pensaram que a maioria das pessoas abandonaria na primeira queixa do cúmplice, cerca de 4% atingiriam o nível em que simula o desmaio, e que apenas algum caso patológico, um em mil, chegaria ao máximo (Milgram, 1974 ).

Esta previsão foi totalmente errada, os experimentos mostraram resultados inesperados. Das 40 pessoas do primeiro experimento, 25 chegaram ao fim. Por outro lado, cerca de 90% dos participantes atingiram pelo menos o nível no qual o cúmplice desmaia (Milgram, 1974). Os participantes obedeciam o pesquisador em tudo; mesmo que alguns deles apresentassem altos níveis de estresse e rejeição, continuaram a obedecer.

O experimento de Milgram sobre a obediência cega

Milgram foi informado de que a amostra poderia ser tendenciosa, mas este estudo foi amplamente replicado com diferentes amostras e planejamentos que podemos consultar no livro de Milgram (2016) e todos eles ofereceram resultados semelhantes. Inclusive um pesquisador em Munique encontrou resultados de que 85 por cento dos indivíduos chegaram ao nível máximo de descargas (Milgram, 2005).

Shanab (1978) e Smith (1998), nos mostram em seus estudos que os resultados são generalizáveis ​​para qualquer país da cultura ocidental. Mesmo assim, devemos ser cuidadosos na hora de pensar que estamos diante de um comportamento social universal: as pesquisas transculturais não mostram resultados conclusivos.

Conclusões do experimento Milgram

A primeira pergunta que nos fazemos depois de ver esses resultados é: por que as pessoas obedecem a esses níveis? Em Milgram (2016) há várias transcrições das conversas dos indivíduos com o pesquisador. Nelas, observamos que a maioria deles se sentia mal por seu comportamento, por isso não pode ser a crueldade que os move. Pode ser que a resposta esteja na “autoridade” do pesquisador, a quem os indivíduos realmente delegam a responsabilidade pelo que acontece.

Através das variações do experimento Milgram, foram extraídos uma série de fatores que afetavam a obediência:

  • O papel do pesquisador: a presença de um pesquisador vestido com um jaleco faz com que as pessoas lhe deem uma autoridade associada ao seu profissionalismo e, portanto, sejam mais obedientes aos pedidos do pesquisador.
  • A responsabilidade percebida: esta é a responsabilidade que a pessoa acredita ter sobre seus atos. Quando o pesquisador lhe diz que ele é o responsável pelo experimento, o sujeito vê sua responsabilidade diluída e é mais fácil obedecer.
  • A consciência de uma hierarquia: aqueles que tinham um forte sentimento em relação à hierarquia eram capazes de se ver acima do cúmplice e abaixo do pesquisador; portanto, eles davam mais importância às ordens de seu “chefe” do que ao bem-estar do cúmplice.
  • O sentimento de compromisso: o fato de os participantes terem se comprometido a realizar o experimento lhes impossibilitava, em certa medida, de se opor ao mesmo.
  • A ruptura da empatia: quando a situação força a despersonalização do cúmplice, vemos como os indivíduos perdem empatia em relação a ele e era mais fácil para eles agir com obediência.

Esses fatores, por si só, não levam uma pessoa a obedecer cegamente a outra, mas a soma deles gera uma situação na qual a obediência é muito provável, independentemente das consequências. O experimento de Milgram nos mostra novamente um exemplo da força da situação da qual Zimbardo (2012) falou. Se não conhecemos a força do nosso contexto, isso pode nos empurrar para nos comportarmos fora de nossos princípios.

As pessoas obedecem cegamente porque a pressão dos fatores acima mencionados supera a pressão que a consciência pessoal pode exercer para sair dessa situação. Isso nos ajuda a explicar muitos eventos históricos, como o grande apoio às ditaduras fascistas do século passado ou eventos mais concretos, como o comportamento e as explicações dos médicos que ajudaram no extermínio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial nos julgamentos de Nuremberg.

Hitler caminhando diante de soldados

O sentido de obediência

Sempre que vemos comportamentos que vão além das nossas expectativas, é interessante perguntar o que os causa. A psicologia nos dá uma explicação muito interessante da obediência. Parte da base de que a decisão tomada por uma autoridade competente com a intenção de favorecer o grupo tem consequências mais adaptativas para o mesmo do que se a decisão tivesse sido o resultado de uma discussão de todo o grupo.

Imagine uma sociedade sob o comando de uma autoridade que não seja questionada frente à uma sociedade em que qualquer autoridade seja julgada. Ao não ter mecanismos de controle, logicamente a primeira será muito mais rápida que a segunda executando decisões: uma variável muito importante que pode determinar a vitória ou a derrota em uma situação de conflito. Isso também está muito relacionado com a teoria da identidade social de Tajfel (1974).

Agora, o que podemos fazer diante da obediência cega? Pode ser que a autoridade e a hierarquia sejam adaptáveis ​​em certos contextos, mas isso não legitima a obediência cega a uma autoridade imoral. Aqui enfrentamos um problema: se conseguirmos uma sociedade em que qualquer autoridade seja questionada, teremos uma comunidade saudável e justa, mas que irá cair diante de outras sociedades com as quais entrar em conflito devido à sua lentidão na hora de tomar decisões.

A nível individual, se queremos evitar cair na obediência cega, é importante ter em mente que qualquer um de nós pode cair diante das pressões da situação. Por esta razão, a melhor defesa que temos diante delas é estar ciente de como os fatores do contexto nos afetam; então, quando estes nos superarem, poderemos tentar retomar o controle e não delegar, por maior que seja a tentação, uma responsabilidade que nos corresponde.

O experimento de Milgram sobre a obediência cega

Experimentos como este nos ajudam muito a refletir sobre o ser humano. Nos permitem ver que os dogmas, como o que o ser humano é bom ou ruim, estão longe de explicar nossa realidade. É necessário esclarecer a complexidade do comportamento humano para assim poder entender as razões do mesmo. Saber isso irá nos ajudar a entender nossa história e a não repetir certas ações.

Referências

Milgram, S. (1963). Estudo comportamental da obediência. Journal of Anormal and Social Psychology, 67, 371-378.

Milgram, S. (1974). Obediência à autoridade: uma visão experimental. Nova Iorque: Harper e Row

Milgram, S. (2005). Os perigos da obediência. POLIS, Revista Latinoamericana.

Milgram, S., Goitia, J. de, & Bruner, J. (2016). Obediência à autoridade: o experimento Milgram. Capitão Swing.

Shanab, M. E., & Yahya, K. A. (1978). Um estudo multicultural da obediência. Boletim da Sociedade Psicônica.

Smith, P. B., & Bond, M. H. (1998). Psicologia social em todas as culturas (2ª edição). Prentice Hall.

Tajfel, H. (1974). Identidade social e comportamento intergrupal. Informação de Ciências Sociais, 13, 65-93.

Zimbardo, P. G. (2012). O efeito de Lúcifer: o porquê da maldade.


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