Platão e a verdade filosófica como inspiração
Um dos diálogos mais famosos de Platão é Fedro, onde esse pensador explora a natureza do amor, da beleza e da verdade. Embora a filosofia seja frequentemente considerada como um conhecimento puramente racional, nesta obra de Platão é feita uma tentativa de apontar que a inspiração constitui um elemento central na verdade filosófica.
Ele, um dos pensadores mais influentes da história ocidental, deixou um impacto no mundo da filosofia, arte e literatura. A base de sua doutrina é a ideia de que existe um mundo de formas ou ideias eternas e imutáveis, que são mais reais do que o mundo físico que vemos ao nosso redor. Vamos conhecer suas ideias.
Platão, amor, inspiração e loucura
Um dos temas centrais do platonismo é o amor. Em Fedro começa dizendo que os amantes são possuídos pelo deus do desejo, Eros, e por isso agem irracionalmente. A palavra grega usada para se referir a esse estado é “mania”, observa um artigo na Eidos: Magazine of Philosophy.
Quando os gregos falavam de mania, podiam referir-se a um grande número de situações. Embora em nossa língua o termo estivesse associado a certos estados alterados da mente, para os gregos seu significado era muito mais amplo. Tanto a loucura quanto a adivinhação e as profecias eram consideradas uma espécie de mania.
A princípio, afirma-se que o amor é um tipo de loucura que leva os amantes a se entregarem descontroladamente a todo tipo de vícios. Deve-se observar que isso se refere a um relacionamento assimétrico, em que o amante perde sua vontade e se rende aos caprichos do amado. Esse tipo de relacionamento era comum na Grécia antiga, entre jovens e homens adultos.
Os quatro tipos de inspiração segundo Platão
Depois de enumerar diferentes males que os amantes sofrem em sua condição, o diálogo toma um rumo inesperado. Sócrates, por meio de quem Platão falou em suas obras, adverte que seu discurso pode ter ofendido os deuses, já que Eros, o desejo, é um deus.
Assim, ele identifica várias situações em que certas pessoas agem por inspiração ou loucura divina e busca defender os amantes. Para os gregos, os deuses habitavam o mundo constantemente e eram representados tanto nas forças da natureza, quanto nas paixões e atributos humanos.
No diálogo, Sócrates distingue quatro tipos de inspiração ou loucura, cada uma referindo-se a diferentes aspectos da experiência humana e associada a um determinado deus. Dessa forma, tenta-se ressignificar o significado e dar um novo valor à relação de namorados. Vamos explorar as inspirações.
1. Inspiração profética
A inspiração profética está ligada à capacidade de receber conhecimento e sabedoria sobre eventos futuros e verdades divinas. Apolo, o deus grego da profecia, é o símbolo dessa inspiração.
Os que são possuídos por essa loucura ou inspiração profética entram em estado de transe ou êxtase no qual recebem visões, revelações e mensagens de origem divina. Os gregos acreditavam que Apolo concedia esses dons e permitia que eles se comunicassem com o divino para transmitir suas mensagens.
2. Inspiração mística
A inspiração mística é a conexão com o transcendente e o numinoso. Dionísio, o deus do vinho e dos rituais religiosos extáticos, personifica essa inspiração.
Os afetados por essa loucura mística experimentam uma transformação de consciência e uma fusão com o divino por meio de práticas como dança, música, êxtase e adoração religiosa. Essa inspiração é caracterizada pela busca de uma profunda união espiritual e uma experiência direta com o sagrado.
3. Inspiração poética
Está associado à criatividade e à expressão artística. As musas, nove divindades gregas filhas de Zeus e Mnemosyne, são consideradas fontes de inspiração para poetas e artistas. Cada musa tem seu domínio específico, como poesia épica, música, dança, comédia ou tragédia.
Os tocados por essa inspiração experimentam um estado de intensa criatividade e talento, onde podem canalizar e expressar beleza, verdade e significado por meio de diferentes formas de arte.
4. Inspiração erótica
A inspiração erótica está relacionada ao amor e ao desejo, tanto em seu aspecto físico quanto em sua dimensão mais profunda e espiritual. O deus Eros personifica essa inspiração.
Influenciado por essa loucura erótica, sente-se um desejo ardente e uma atração apaixonada por outro ser humano. Segundo Platão, o amor é uma força transformadora que impulsiona os indivíduos em direção à beleza e à virtude, levando ao autodesenvolvimento espiritual. Aqui erótico não é sinônimo de sexual, mas de desejo e atração.
[O filósofo] sempre se afastando das preocupações humanas, é censurado pelos vulgares como se fosse uma pessoa perturbada.
A verdade filosófica de Platão como inspiração
Os amantes, então, participam do erotismo, já que Eros inspira suas ações. Segundo Platão, a beleza que o amante vê refletida em sua amada é a réplica terrena daquela beleza imperecível do mundo das ideias. Essa ideia faz parte de uma certa cosmovisão, onde as almas vivenciam sucessivas encarnações, nas quais se lembram das verdades eternas.
Da mesma forma, o filósofo é inspirado por Eros, mas seu objeto de amor não é outra pessoa, mas a própria verdade. Quem se entrega à filosofia deve deixar-se possuir por Eros, encarnar a loucura dos amantes, mas na busca do conhecimento.
A alma do filósofo se inclina insistentemente para os assuntos divinos; é apaixonado pela verdade e é visto como louco por aqueles que o observam e não entendem sua relação com o amado.
Platão e sua verdade filosófica em nossa era
A verdade filosófica de Platão pode nos resultar estranha no século XXI, devemos saber interpretar seu significado à luz de nossa época. O fato de o pensador estar possuído pelo deus Eros implica que parte do conhecimento não é acessado por meios racionais.
Quando desejamos algo com grande ímpeto, operam em nós paixões que, dificilmente, se reduzem a operações da razão. O conhecimento e a busca pela verdade implicam em uma entrega semelhante à que o amante faz para seu amado.
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