The last of us: por que gostamos de séries sobre o fim do mundo?

Para muitos, "The last of us" aparece como a melhor adaptação televisiva de um videogame. Sua atmosfera, obscura e apocalíptica, nos revela com frequência os aspectos mais profundos e emocionantes do ser humano, como podem ser o amor ou os traumas psicológicos.
The last of us: por que gostamos de séries sobre o fim do mundo?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 24 junho, 2023

Histórias sobre cenários apocalípticos sempre assombraram nossa imaginação psicológica. Eles nos atraem porque nos colocam em mundos prováveis, em territórios inóspitos, mas de alguma forma factíveis. Um exemplo disso foi o conhecido romance de Cormac MacCarthy, The Road (2006). Este livro ganhou o Prêmio Pulitzer e se tornou um grande best-seller.

O esforço de um pai e seu filho para sobreviver em uma América do Norte carbonizada após um holocausto nuclear, tornou-se uma metáfora perturbadora sobre um futuro possível para o ser humano. Além do mundo literário, esses temas também são muito populares no mundo dos videogames. No entanto, entre o grande número de títulos desse gênero, um em particular se destaca.

The last of us, lançada em 2013 pela americana Naughty Dog e distribuído pela Sony, abre outra metáfora igualmente perturbadora para o fim da humanidade. Nesse caso, a origem não está nas armas nucleares ou em um vírus pandêmico. É uma estirpe do fungo cordyceps , que, devido às alterações climáticas, é capaz de parasitar as pessoas da mesma forma que as formigas ou os artrópodes…

“The last of us” traça um mundo em ruínas e dominado pela violência, onde ainda existem espaços e recantos para que o mais belo da humanidade floresça na sua forma mais pura.

Quadro de The Last of Us
Ellie é a garota que representa a última esperança da raça humana.

The last of us: um espetáculo sombrio e comovente

Pensar em um possível épico apocalíptico dominado por cogumelos parece irônico, mas também assustador. Imaginar a humanidade transformada em criaturas fúngicas e com comportamentos canibais – clickers – é uma reviravolta inovadora. Ainda mais quando o clichê de zumbis e todas as produções como The Walking Dead ficou excessivamente conhecido e o público, ávido por novos conteúdos, exigia outras propostas.

The last of us chegou ao telespectador em plena pós-pandemia e em plena evolução das alterações climáticas. Agora, mais do que nunca, estamos muito mais sensíveis a estes cenários porque parece que os sentimos todos os dias. Esta é uma série que traça um espetáculo que combina o desgarrador com o belo, o trágico com o comovente. E algo assim transcende no espectador.

O sucesso de audiência deve-se a dois elementos nucleares. A série foi adaptada pelo próprio criador do jogo, Neil Druckmann. Consciente de que a televisão permite outras narrativas alternativas ao próprio videogame, decidiu alargar e enriquecer a história dando-lhe maior profundidade emocional. Da mesma forma, também temos Graig Mazin, o showrunner de Chernobyl.

A adaptação do videogame para a televisão é perfeita, mas seu criador decidiu enriquecê-la muito mais. Por outro lado, quem não conhece a história original mergulha facilmente em um roteiro crível, consistente e emocionante.

Dois protagonistas arquetípicos com os quais é fácil se conectar

Os protagonistas de The last of us respondem a esse esquema arquetípico que não nos é difícil reconhecer. Mais uma vez temos o compêndio adulto-criança que Cormac MacCarthy já usava em sua época em A Estrada (2006). Na nova série da HBO, conheceremos Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsay).

O primeiro foi um pedreiro texano que carrega consigo a tragédia de ter perdido a filha e, posteriormente, aquela que era sua companheira. A menina simboliza a esperança, seu corpo é imune à infecção de humanos mutantes e ela é a figura que Joel deve proteger ao longo de uma jornada épica em um mundo em ruínas.

O universo psicológico dos personagens é esculpido com precisão e sutileza. Joel está emocionalmente indisponível em muitos momentos, um personagem estóico lidando com traumas profundos dos quais não quer falar. Nós o conhecemos por suas ações, por aquelas pequenas nuances em que seu calor aparece e, acima de tudo, por seu instinto de proteger a garota.

Ellie, por sua vez, é uma adolescente brilhante, curiosa e inquisitiva que traz aquele halo de calor e luz para um contexto devastador e ameaçador.

Capítulo 3: amor em meio às cinzas

Em The last of us descobrimos que, muitas vezes, a maior ameaça não são os mutantes, mas os próprios homens. Quando o mundo desaba e o caos ou a anarquia dominam, emerge o pior do ser humano. Mas também existem pequenas entradas e saídas para que o melhor surja. Prova disso é o que seus criadores nos apresentaram no terceiro capítulo.

Nele, e desenvolvido ao longo de duas décadas, descobrimos a história de dois personagens: Bill, o clássico preppers misantrópico ou pessoa treinada na sobrevivência em contextos apocalípticos, e Frank, um artista que coincidentemente cai em uma de suas armadilhas. O desvio romântico desse terceiro episódio, que nos revela a história de amor entre dois homens, traça um dos momentos mais bonitos da televisão.

Nos lembra que mesmo que só haja cinzas no mundo, sempre valerá a pena viver nele se você tiver alguém para amar. Por outro lado, importa referir que Long, Long Time, não agradou a todos, sobretudo a certos puritanos do videogame.

No entanto, seu criador, Neil Druckmann, deixou claro. Eles não mudaram nada no jogo em si, apenas decidiram “passar mais tempo” com dois dos personagens que já existiam…

O capítulo 3 de The last of us (Long, long Time) conta uma linda história entre dois homens com a qual entender que o amor de nossas vidas pode aparecer a qualquer momento, até mesmo no mais obscuro.

cena do último de nós
The last of us é orquestrado por espaços físicos e emocionais dominados pela dor da ausência.

Pequenas histórias que escalam grandes emoções

A mais recente e bem-sucedida série da HBO ainda está em sua primeira temporada. Muitos a descrevem como a melhor adaptação televisiva de um videogame. Para quem não conhece as experiências de Joel e Ellie através de um PlayStation, vemos um programa com elementos cativantes. Tanto quanto como para querer seguir os passos de seus protagonistas e fazer parte de sua jornada.

Somos atraídos pelos traumas profundos que se escondem nos rostos de seus personagens. Somos movidos por aquelas pequenas histórias que são contadas em meio às ruínas e à desolação distópica, para nos mostrar que o amor é o que sempre move o ser humano. O amor entre irmãos, entre casais e entre pais e filhos…

Não estamos enfrentando mais uma série de infectados. O poder dos vínculos e nossas emoções são aquelas armas à prova de fogo que nos permitirão sair sem dúvida de qualquer fatalidade e cenário apocalíptico. Com ou sem fungos no meio.


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