A Família Addams: a beleza do macabro

A família Addams é uma das mais icônicas da televisão. Seu sucesso é tanto que suas histórias foram adaptadas de inúmeras maneiras ao longo de décadas. Quais são as chaves do seu sucesso? Por que gostamos de rir do terror? O que há de bonito no culto à morte? Neste artigo, tentaremos trazer alguma luz em meio a tanta escuridão.
A Família Addams: a beleza do macabro
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

A família Addams é, sem dúvida, uma das mais conhecidas do mundo da televisão e do cinema. Só de ouvir seu nome, queremos estalar nossos dedos ao ritmo de sua música inesquecível.

A família mais peculiar do mundo sempre esteve iluminando nossas noites de Halloween, zombando da morte e nos surpreendendo com o seu gosto pelo macabro.

Quando pensamos em filmes de terror, procuramos filmes que nos surpreendam, que nos façam experimentar a sensação de medo a partir do conforto e tranquilidade da poltrona.

Queremos sentir o terror, mas saber que o que estamos vendo não passa de uma ficção. De alguma forma, sentimos prazer nessas manifestações.

Há pessoas que acham os filmes de terror engraçados pelo fato dos mesmos costumarem ser inverossímeis e por causa do grande número de clichês que contêm. Também há aqueles que nunca veriam um filme do gênero sozinhos.

Fazer um espectador sentir medo é muito mais complicado do que parece, pois entram em cena diferentes emoções e a própria subjetividade. Essa mesma premissa poderia ser aplicada à comédia: fazer as pessoas rirem é uma tarefa muito complicada, ainda mais se quisermos que o riso seja unânime.

E se pegarmos todos esses clichês de terror e os lermos em tom de comédia? É exatamente isso que a Família Addams faz, e é aí que reside a chave do seu sucesso.

Uma revisão da história

Ao longo da história, sempre existiram muitas manifestações artísticas ligadas à morte.

A quantidade de cultos que encontramos desde os nossos primeiros passos no mundo nos lembra enormemente da natureza efêmera da vida. O ser humano sente uma imensa curiosidade pela morte, pelo desconhecido.

Essa inquietação se refletiu em várias manifestações artísticas. Até os cemitérios podem se tornar espaços de arte ao ar livre. Alguns exemplos seriam o Cemitério Monumental de Milão e o Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires.

Além disso, não podemos nos esquecer de todas as manifestações anteriores, como as pirâmides do Egito ou o culto à morte da pré-história refletido nos dólmens.

Em suma, há muitos vestígios do passado que homenageiam a morte. Independentemente da cultura ou da parte do mundo, sempre encontraremos alguma manifestação que nos faça lembrar do tema latino tão popularizado e conhecido como Memento Mori.

Porque se sabemos algo com certeza é que todos vamos morrer, embora nossa maneira de interpretar a morte seja diferente de um lugar para o outro. Este culto, por sua vez, foi envolvido em mistério e, com o tempo, levou ao terror.

Tudo que é desconhecido ou que supõe, de certa forma, uma ameaça à nossa vida produzirá terror. Dessa forma, o gênero se alimentou dos medos, do oculto e, sobretudo, da morte para construir obras (sejam literárias ou cinematográficas) que se conectam com o nosso desejo de permanecer vivos.

A Família Addams

A evolução do terror

É claro que o terror tem evoluído e se adaptado aos diferentes padrões e eras que atravessou. No entanto, ele possui certos elementos estéticos facilmente identificáveis ​​e suscetíveis à comédia.

Na verdade, se há algo mais ousado do que o terror, é justamente rir deste. Assim, os monstros que eram aterrorizantes podem se tornar amigos ou até mesmo objetos risíveis.

No século XIX, a ficção gótica adquiriu uma importância fundamental e, como consequência, derivou em alguns subgêneros.

Neste século, temos um bom exemplo que desenha o que mais tarde será conhecido como “comédia de terror”. Estamos falando de Sleepy Hollow, de Washington Irving. A partir deste momento, inúmeros títulos seguiriam seu rastro.

No cinema e na televisão, destacam-se filmes como Gremlins (Joe Dante, 1984), A Pequena Loja dos Horrores (Frank Oz, 1986), Abracadabra (Kenny Ortega, 1993), Marte Ataca! (Tim Burton, 1996) e Os Fantasmas se Divertem (Tim Burton, 1988).

O cinema, às vezes, nos convida a contornar nossos medos, a rir das absurdas convenções que envolvem nossas vidas.

Mas não há dúvida de que a família que hoje nos ocupa é uma das que melhor riu da morte, sobreviveu intacta ao longo do tempo cativando admiradores de todos os cantos e idades, combinando riso e terror em uma sintonia sem igual.

A família Addams, por razões óbvias, faz parte do imaginário de várias gerações em termos de comédia de terror.

Wandinha Addams

A Família Addams, o riso macabro

O caricaturista americano Charles Addams surpreendeu em 1933 com uma série de caricaturas no The New Yorker. Elas representavam personagens macabros que abraçavam o humor negro e parodiavam a vida cotidiana.

Algumas décadas depois, nos anos 60, aquelas caricaturas acabariam inspirando uma série de televisão bem conhecida: A Família Addams. Mas esta não era a única família que reinava na televisão da época, já que havia uma série de uma família muito parecida, chamada Os Monstros.

O humor negro e a adoção dos clichês do terror para depois parodiá-los serviram de base para uma sátira dos valores da contemporaneidade. De alguma forma, o normal passou a ser o diferente, o estranho, enquanto tudo aquilo que ia além do convencional era venerado.

Essa técnica descreve uma espécie de mundo de cabeça para baixo que entretém o espectador pela estranheza, mas, simultaneamente, o convida a questionar seus próprios valores.

Todos nascemos em uma sociedade que influencia nossas decisões, nos torna capazes de discernir entre o que é certo e o que é errado. Mas esse tipo de gênero nos convida a adotar uma nova perspectiva, um ponto de vista que, a partir do humor, quebra nossos esquemas tradicionais.

O sucesso da Família Addams foi tanto que uma série de televisão não foi suficiente. Sobre ela, surgiram filmes, séries animadas e até mesmo um musical.

O terror na vida cotidiana

Seus personagens são reproduções dos filmes de terror, mas levados para a vida cotidiana. Não são mais aparições fantasmagóricas que devem assustar a vizinhança, mas “vizinhos” peculiares.

De certo modo, tudo isso nos traz de volta à ideia do freak, de todos aqueles indivíduos que, por qualquer razão, não correspondem ao normativo em um dado momento.

Os Addams escapam de todas os convencionalismos, mas têm sua própria moral, suas próprias regras, e olham para o nosso mundo tentando encontrar um significado.

Mortícia Addams

O interessante do elemento risível é ver como é possível romper com os valores convencionais, romper com as regras e questioná-las a partir da ironia. E isso não é algo exclusivo da comédia de terror: podemos aplicá-lo à vida cotidiana.

E se o que é considerado normal fosse exatamente o oposto? Certamente criticaríamos qualquer comportamento que saísse da nossa norma.

Por exemplo, se tivéssemos aprendido, como Mortícia, que as rosas são mais bonitas sem suas flores, isto é, deixando apenas seus espinhos, certamente as cortaríamos e nos deixaríamos levar pela beleza dos espinhos, achando estranhos aqueles que admirassem a flor e suas pétalas.

Afinal, tudo depende do ponto de vista e do que aprendemos na sociedade.

A Família Addams também nos leva a refletir

Este jogo com o contraste, em resumo, produz o riso, mas não deixa de lado o componente reflexivo. Os valores são invertidos, o macabro é tomado como bonito e acaba-se questionando tudo.

Além disso, não devemos esquecer que, para muitas pessoas, a estética do terror pode ser excepcionalmente bela. A beleza, assim como o gosto, é algo totalmente subjetivo.

Nossa vida é efêmera, nossa passagem pelo mundo está profundamente ligada à morte… Por que ter medo? Por que não tirar sarro disso? A família Addams fez isso com sucesso durante décadas e nos deu uma espécie de suspiro, um alívio que torna nossa passagem pela vida (ou morte) mais agradável.

A vida muitas vezes é trágica, é amarga e não é como sonhávamos; por isso, o riso é uma terapia, uma catarse que nos alivia em nossos momentos mais cinzentos.

Desta forma, os Addams conseguiram nos cativar com seu ponto de vista particular sobre a estética, o correto, a moral, o cômico. E nos cativaram tanto que, muitas décadas depois, continuam arrasando nos teatros de nossas cidades.


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