A identidade e o navio de Teseu
Nós tendemos a pensar que a nossa identidade é única e imutável, que é sempre igual. No entanto, a verdade é que a nossa identidade é mais frágil do que parece. Para entender isso melhor, o paradoxo do navio de Teseu pode servir como exemplo.
Tal paradoxo diz que: “No curso de suas viagens, a madeira se rompia ou apodrecia, e tinha que ser substituída. Quando Teseu voltou para casa, o navio que atracou no porto não tinha mais nenhuma peça do navio que tinha, um dia, saído dali. Mesmo assim, a tripulação não duvidada de que se tratava da mesma embarcação.”
A história do navio de Teseu é um paradoxo da substituição. Se um objeto tiver todas as suas partes substituídas, continua sendo o mesmo objeto? Esse paradoxo também pode ser aplicado a nós, às pessoas. Nós continuamos sendo os mesmos se o nosso físico mudar? E se o que mudar for a nossa personalidade?
A lenda do navio de Teseu
Teseu foi, segundo a lenda grega, o rei fundador de Atenas. Outras lendas destacam que ele foi o próprio Poseidon. Em uma das histórias de Teseu, relata-se a viagem de um navio de Creta até Atenas. O barco usado foi conservado durante 300 anos, o que fez com que diferentes peças fossem substituídas. No fim, depois de tanto tempo, o barco já não se parecia com o original. Nenhuma das peças do barco correspondia com as primeiras que tinham sido usadas para a sua construção.
A questão que surge é: se um barco de 30 remos tiver apenas um remo substituído, ele vai continuar sendo o mesmo barco? E se 15 remos forem substituídos? E se todos os remos forem substituídos? E se, em vez dos remos, as tábuas que quebrarem forem substituídas? E se, no final, todas as tábuas do barco forem substituídas? O problema, e o que transforma isso num paradoxo, é que é muito difícil saber exatamente em que ponto uma coisa passa a ser outra coisa diferente se suas partes forem substituídas.
O barco de Teseu na filosofia
O filósofo Thomas Hobbes foi além desse paradoxo. Ele dizia que cada pedaço de madeira substituído deveria ser guardado. Deste modo, quando todas as peças tivessem sido substituídas, poderia ser feita a construção de um novo barco com as peças velhas. A partir dessa história, Hobbes fazia as seguintes perguntas: qual dos dois é o verdadeiro barco de Teseu? O que foi feito com o material original, pode-se dizer. Mas Teseu não pensa dessa forma, ele acredita que seu barco foi renovado, não substituído.
O mesmo paradoxo pode ser aplicado à identidade. Nós temos uma identidade estável ou ela pode mudar? O filósofo Heráclito se posicionou com sua famosa declaração: “Nenhum homem pode cruzar o mesmo rio duas vezes, pois nem o homem nem a água serão os mesmos”. Diante disso, surge a dúvida de se a identidade se renova ou muda, continua sendo a mesma ou passa a ser outra.
As mudanças na identidade
No caso das pessoas, este paradoxo é mais simples quando se trata do âmbito físico. Mesmo que existam transplantes de vários órgãos, nunca poderão ser feitas todas as mudanças no corpo para substituí-lo por completo. Portanto, entende-se que a pessoa continua sendo a mesma. Por outro lado, parece existir um consenso de que as pessoas são seu cérebro.
No entanto, há um problema nisso… à medida em que a ciência avança, chegamos cada vez mais perto do ponto no qual podemos dizer que o cérebro é um órgão como outro qualquer e, portanto, também pode ser substituído. O que aconteceria, então, se pudéssemos tecnicamente transferir nossos pensamentos, lembranças e planos para outro cérebro ou para um sistema que se comporte como ele? Continuaríamos sendo a mesma pessoa?
Quando nos olhamos no espelho ao longo dos anos, não vemos a mesma pessoa. Nossa aparência física muda, assim como a nossa personalidade. No entanto, as pessoas não são apenas o físico e a personalidade. As pessoas também são seus relacionamentos com os demais, suas ações sobre o que está a sua volta, seus planos, suas obras, etc. Elas também são suas identidades sociais.
Enquanto tudo estiver igual, mesmo que o que está a sua volta mude, a pessoa vai continuar sendo a mesma, não? Como todo paradoxo, o do navio de Teseu continua sem encontrar uma única resposta. No entanto, pensar sobre isso pode nos ajudar a compreender e aceitar melhor as mudanças.