A que se deve o sucesso de audiência da série Jeffrey Dahmer?

Um portal da internet está leiloando os óculos originais de Jeffrey Dahmer por 150 mil dólares. Fruto da série da Netflix, a figura desse terrível assassino voltou a adquirir uma notoriedade que os familiares das vítimas lamentam e denunciam.
A que se deve o sucesso de audiência da série Jeffrey Dahmer?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 26 outubro, 2022

Ted Bundy, John Wayne Gacy, Richard Ramírez, Charles Manson… A história da criminologia nos deu os nomes e personalidades mais aterrorizantes. Muitos deles, como bem sabemos, foram objeto de algum programa bem-sucedido de Crime Verdadeiro. No entanto, nos últimos dias estamos testemunhando um fenômeno televisivo que é tão impressionante quanto interessante.

Neftlix estreou a série Monstro: a história de Jeffrey Dahmer. Fez isso com quase nenhuma promoção, aparecendo na grade da plataforma quase de imrpoviso e inesperadamente. No entanto, vendo quem eram seu criador, Ryan Murphy, e seu protagonista, Evan Peters, apenas a proposta já antecipava que o resultado poderia ser brilhante. E foi assim.

No entanto, nem todos previram o sucesso de audiência dessa minissérie sobre o temido açougueiro de Milwaukee. Os dados falam por si. A produção atualmente tem 196,2 milhões de horas de visualização, quase se aproximando da última temporada de Stranger Things.

Pois bem, além da indiscutível conquista midiática, há o fascínio que o próprio assassino (que morreu em 1994) está gerando. Se durante seu julgamento surgiu toda uma legião de fãs capazes de fazer quadrinhos, camisetas e até músicas sobre ele, hoje, aquela atração inexplicável parece estar ressurgindo novamente… Mas por quê?

O mal perturba e inflama a curiosidade do ser humano. Nossas mentes lutam para entender por que algumas pessoas podem ser capazes de atos hediondos, como os cometidos pelo canibal de Milwaukee.

Série de Jeffrey Dahmer
Entre 1978 e 1991, Jeffrey Dahmer assassinou 17 homens, chegando a canibalizar alguns desses corpos.

Chaves para o sucesso da série Jeffrey Dahmer

Apenas alguns dias atrás, descobrimos que páginas como Cult Collectibles leiloam itens relacionados a Jeffrey Dahmers a preços exorbitantes. No momento, já existe um valor inicial para a venda de seus óculos icônicos: 150.000 dólares. Se esse tipo de marketing sádico é marcante, é ainda mais desconcertante pensar que existem pessoas dispostas a pagar por tais objetos.

Além disso, outro exemplo desse interesse horrendo no personagem está em Milwaukee. Dezenas de turistas acorreram a essa cidade na esperança de visitar o edifício onde Dahmer cometeu vários dos crimes. Aquele bloco de apartamentos foi demolido, mas os curiosos não hesitam em perguntar aos vizinhos se alguém o conheceu.

Um dos assassinos mais infames e perturbadores da história da criminologia voltou aos holofotes 28 anos após sua morte. O poder da mídia e da televisão pode ressuscitar figuras do passado e transformá-las em ícones pop temporários. Isso é o que aconteceu com a série de Jeffrey Dahmer, e muitos se perguntam por quê. Vamos tentar explicar.

A série sobre o assassino de Milwaukee conseguiu estar no Top 10 de streamers em 92 países.

1. Uma produção polêmica

O canibal de Milwaukee assassinou 17 jovens (a maioria homossexuais, negros, asiáticos ou latinos), com total impunidade entre 1978 e 1991. A série tem como contribuição inovadora não focar exclusivamente no próprio assassino. O objetivo de seus idealizadores era mostrar o ponto de vista das vítimas e os antecedentes de racismo e homofobia que a polícia evidenciou.

Essa ideia de investigar a violência sistêmica da sociedade e o andaime de um assassino psicopata acabou dando lugar à polêmica. Os familiares das vítimas denunciam a Netflix por não os ter contactado em momento algum. Também por revelar fatos assustadores sobre os crimes que desconheciam.

Além disso, outra peculiaridade foi adicionada. A plataforma incluiu a tag LGTBI para a série de Jeffrey Dahmer, juntamente com as de “sinistro, psicológico, horror, crime antigo e sombrio”. Após as críticas, teve que retirá-la.

2. O fascínio pelo mal e nossa tentativa de compreendê-lo

Barris com torsos sem cabeça, polaroids com imagens de cadáveres, canibalismo, fetichismo… Como milhões de pessoas puderam ver uma produção com cenas tão perturbadoras? A resposta é simples: o mal inquieta e perturba, mas ao mesmo tempo nos atrai porque tentamos entendê-lo, dar-lhe alguma explicação.

Como explica o criminologista Vicente Garrido em seu livro True Crime, la fascinación del mal, a mente criminosa é um dos maiores mistérios do ser humano. É desconcertante, mas ansiamos por dar um significado compreensível a qualquer ato violento e totalmente irracional. Durante os julgamentos de Dahmer, juízes, psicólogos e psiquiatras tentaram descobrir de que tipo de transtorno ele sofria.

Sadismo, necrofilia ou esplancnofilia podem ser integrados a um transtorno de personalidade esquizotípica; no entanto, nunca foi totalmente claro. Sua infância poderia, segundo muitos, ser a chave para tudo.

“É difícil para mim acreditar que um ser humano poderia ter feito o que eu fiz, mas eu sei que fiz.”

3. A série de Jeffrey Dahmer fascina porque mostra perfeitamente o serial killer

Evan Peters executa com maestria o canibal de Milwaukee. Cada gesto, movimento, silêncio e olhar delineia em profundidade a figura do psicopata. Nós o vemos se mover por espaços sórdidos e  cinzentos, amarelados e marrons que evocam seus traumas e demônios interiores. O roteiro é impiedoso e cru, e não hesita em nos mostrar todas as suas afiliações. Incluindo seus gostos culinários.

Como novidade, as vítimas não são mulheres e essa narrativa também é atraente por ser nova para o espectador. Ele é um homem matando homens, um homem que anseia por companhia e recolhe os restos mortais de seus amantes. Ryan Murphy, seu criador, é assíduo em nos mostrar essas rugas e farrapos de nossa sociedade em matéria de homofobia.

E aqui ele transforma o  True Crime em denúncia e também em arte pela perfeição em cada elemento: direção, fotografia… A série Jeffrey Dahmer fascina com seu retrato absorvente de um dos assassinos mais lúgubres da história. Mas cultuá-lo é cruzar outra linha menos lógica, menos ética e orquestrada, basicamente pela morbidez e pelo canto de sereia das redes sociais.


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  • Backderf, Derf (2012). My Friend Dahmer. Abrams Comic Arts.
  • Davis, Donald (1991). The Jeffrey Dahmer Story: An American Nightmare.  Macmillan. ISBN 978-0-312-92840-7.
  • Masters, Brian (1993). The Shrine of Jeffrey Dahmer, Hodder & Stoughton. ISBN 978-0-340-59194-9.

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