Cegueira à mudança: a superestimação da nossa capacidade visual

Cegueira à mudança: a superestimação da nossa capacidade visual
Sara Clemente

Escrito e verificado por psicóloga e jornalista Sara Clemente.

Última atualização: 05 novembro, 2022

Ao nosso redor acontecem mudanças constantemente. Essas mudanças são relevantes, mas muitas vezes não nos damos conta delas. Por isso, diz-se que as pessoas sofrem de cegueira à mudança, porque temos uma confiança exagerada em nossa habilidade de detectar mudanças visuais.

Para evidenciar este extremo otimismo com respeito a nossas capacidades de observação, vamos visualizar o vídeo abaixo. Você seria capaz de identificar todas as mudanças que ocorreram na cena?

https://www.youtube.com/watch?v=ubNF9QNEQLA

Incrível, não? Você encontrou as 21? A cegueira à mudança é um tema que começou a ser pesquisado nos últimos anos devido ao seu envolvimento em diferentes áreas e disciplinas profissionais.

Velocidade e perspectiva

Essa falta de detecção das mudanças que ocorrem no campo visual foi definida pela primeira vez por Ronald Rensink em 1997. Este psicólogo encontrou diferenças neste fenômeno dependendo de se essas modificações são introduzidas de maneira gradual ou abrupta. Além disso, considera que este efeito é maior quando as mudanças se introduzem durante um corte ou uma imagem panorâmica, como no caso deste outro vídeo. Você conseguiu identificar as mudanças na primeira vez?

Imaginemos que estamos vendo um filme. Mais especificamente, uma cena em que um vendedor e um cliente estão conversando em um balcão. Se o vendedor se agachasse (supostamente para pegar algo) e fosse substituído por outra pessoa, na maioria das ocasiões o espectador não se daria conta desta modificação. Como pode ser? Por que não notamos essa mudança tão relevante?

O porquê da cegueira à mudança

Nosso cérebro é “preguiçoso” por natureza. Estamos programados filogeneticamente para economizar o máximo de recursos cognitivos e energéticos possível. Esta é uma das explicações que se atribuem à cegueira à mudança.

Este órgão não é um gravador que está constantemente registrando e processando todos os detalhes e dados que presencia. Ele tende a se centrar só naqueles que são mais suscetíveis de ser modificados a nível consciente. Uma seleção que, por sua vez, é fruto da experiência e coerência pessoal. (Simons e Levin, 1998).

Por exemplo, no caso anterior, é mais possível que o que mude na cena seja o objeto que está sobre o balcão (colocado pelo vendedor), e não um dos interlocutores. Nosso cérebro assume que se trata da mesma pessoa, porque isso lhe permite poupar energia.

Atenção seletiva

O fenômeno se acentua se as pessoas recebem estímulos que captam mais sua atenção e a mantêm fixa. Isso explicaria por que, se presenciamos um roubo e vemos ao ladrão com uma arma, dificilmente somos capazes de desviar nosso olhar da pistola. De maneira geral, esta imagem esgotaria todos os recursos de atenção que temos e não deixaria espaço para mais detalhes. Trouxemos outro vídeo muito curioso que mede essa capacidade. Você deve contar quantas vezes os jogadores usando camisetas brancas passam a bola de basquete.

E aí? Você tinha visto o gorila inicialmente?

Ilusionistas ou mágicos utilizam de maneira frequente esta técnica e se “aproveitam” da cegueira à mudança. Sabem perfeitamente onde gerar a tensão atencional adequada e como realizar os truques no momento preciso. Movimentar-se com esta espécie de capa da invisibilidade é uma verdadeira arte!

Cegueira à cegueira à mudança

Como mencionamos anteriormente, nosso dia a dia é governado pela mudança. No entanto, em vez de acreditar modestamente que muitas passam completamente despercebidas, estamos convencidos de que somos capazes de apreciar mudanças muito pequenas e graduais. Por isso, com frequência fala-se também que somos cegos à cegueira à mudança.

Não reconhecer as próprias limitações já é uma limitação por si mesma.

Por exemplo, há um caso tão ilustrativo quanto frequente. As pessoas podem fazer durante anos o mesmo caminho para o trabalho e não apreciar as pequenas mudanças que ocorrem de um dia para o outro. Se um muro foi pintado de outra cor, se tiraram uma placa de trânsito, se algum estabelecimento fechou… Até que um dia, ao passar por ali novamente, pensam: desde quando isso está assim? Já aconteceu com você?

Da mesma forma que ocorre em nosso meio, ocorre em nós mesmos. Nós nos olhamos no espelho todos os dias e não apreciamos a evolução e as mudanças que ocorrem em nosso rosto e corpo com a idade. Mas, e se deixássemos de nos ver durante dois meses? Da mesma forma, quando nos encontramos com um amigo que não vemos faz tempo, nos damos conta das pequenas mudanças em sua aparência: magreza, rugas, marcas… No entanto, se o víssemos todos os dias, estes sinais da passagem do tempo não chamariam a nossa atenção.

Nosso cérebro é um universo ainda muito desconhecido. Os fenômenos perceptivos estudados dentro do campo da neurociência e da psicologia cognitiva, como a cegueira à mudança, evidenciam a complexidade deste órgão.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.