Como a gente faz para durar uma relação
Como é que a gente faz durar uma relação? Dessas que comemoram bodas de papel, algodão, madeira, estanho, cristal, porcelana, prata, ouro, diamante, brilhante? (E eu nem sabia que existiam tantas bodas assim!)
A gente sabe, não é fácil. Na verdade, é bem difícil! Hoje em dia as redes sociais enganam muito os corações esperançosos na concretização dos contos de fadas. As fotos bonitas e pensamentos sensatos copiados e compartilhados entre pessoas “maduras e lindas” não demonstram as pessoas reais escondidas atrás das telas de seus computadores e smartphones.
Existe um mundo real acontecendo ali fora das telas e teclados, um mundo que ignoramos na busca idealizada de uma felicidade perfeita que, sabemos, não existe. Por isso amargamos a decepção de relacionamentos falidos, feridos, de famílias separadas pela ilusão de que o que estraga tudo é o casamento.
É com um pouco de tristeza que eu constatei em uma pesquisa recente que a média de duração dos casamentos no Brasil é de 17 anos. Até que é uma boa média, mas eu fui consultar na esperança de encontrar um alto índice de pessoas comemorando suas bodas de prata e ouro. Não foi bem como eu pensei… Mas eles existem!
Eu que sou chegada em uma ficção, outro dia estava lembrando de um filme que talvez você conheça, “Separados Pelo Casamento”, onde uma relação de amor foi golpeada pela rotina. Também me lembrei de um filme que amo demais, “A História de Nós Dois“, quando os 15 anos de casamento revelam o desgaste que as relações naturalmente têm e o quanto isso modifica a pessoa que somos por dentro, talvez afete inclusive nossa concepção de amor e do outro… Mas o que amo nesse segundo filme é que ele retrata aquele sentimento verdadeiro que une duas pessoas apesar de qualquer coisa, e que pode ser recuperado porque está enraizado nas coisas que vamos ignorando pelo caminho.
Não estou querendo te indicar filmes (mentira, estou sim e posso deixar uma relação aqui no final, rs), mas esses aí estão tão relacionados ao casamento e retratando tão bem que o casamento é, sim senhores, uma coisa bem complicada, que acabei lembrando disso ao pensar em como, afinal, as pessoas conseguem levar uma relação longa e aparentemente feliz.
Estou assim tão reflexiva sobre as manobras necessárias para relações duradouras (e felizes), porque hoje duas pessoas que amo muito comemoram suas bodas de porcelana. Vinte anos. VINTE ANOS! Sabe-se lá o que é isso? Queria pensar em algo grandioso a respeito, mas só consigo ficar reflexiva e quis conversar um pouco com você…
Eu tive o privilégio de conviver com eles durante a rotina, muitas vezes. Eu vi, não são só flores. Eu vi, são muitos amores. É bonito de ver, gostoso de sentir, chega a dar inveja (branca, preta, não interessa, inveja é inveja) e eu queria pra mim uma relação assim! Nas muitas conversas que tive com a senhora protagonista dessa relação, eu ressalto a você que as coisas mais bonitas que existem entre os dois são a amizade, a cumplicidade, o respeito e o carinho.
Ele compra frutas toda semana, lava e coloca na geladeira para facilitar o trabalho da família e garantir que eles vão comer. Ela nem sempre come (exceto se forem bananas, rs). Ele fica estressado com o desperdício e encosta na pia, rabugento e reclamão enquanto faz suco para o café da manhã antes que as frutas se percam. Ela ouve aquelas reclamações, o abraça carinhosamente e diz: “Obrigada, meu amor, não sei o que faria sem você”. Talvez ele duvide, sentindo um deboche, mas sorri disfarçadamente enquanto responde: – É né, sei! Não existe mal-estar… Ela sabe como romper as barreiras.
Ela adora um doce que ele compra no caminho para casa quando volta do trabalho. E ele a entope com esse doce toda vez que volta, a ponto de ela agora quase odiar o doce (espero que ele saiba disso), mas ama o gesto de carinho e o fato de ele parar ali só porque estava pensando nela (vinte anos depois). Ela sabe que vai ficar gorda se comer, então às vezes o doce ela repassa, mas o gesto… Fica tatuado no peito. CARINHO.
Eu já os vi discutir. Eu já a vi ser a pimenta da relação com sua maneira calma e serena de discursar e dar sermão. Nunca ouvi discussão tão baixa na minha vida. Já quase pedi “será que vocês podem falar mais alto, por favor, aqui do lado não tô ouvindo nada”. RESPEITO. Ele sabe como amansar aquela leoa, ela sabe como domar aquele leão.
Juntos eles enfrentaram a morte de pessoas amadas, a doença, problemas que não eram deles, passaram juntos por todas essas dificuldades e eu sei, não foram leves nem fáceis de se levar. Para os telefonemas que ele não deu para os pais chamando para o almoço de domingo, lá estava ela ligando e enfatizando que alguém tinha que manter esse elo forte e vivo. Para cada fraqueza dela diante de uma situação extrema, lá estava ele tomando a frente para ela não se sentir sozinha. CUMPLICIDADE.
Eu vi mão na bunda e beijo de língua com a boca amanhecida e o cabelo desgrenhado. Vi abraço no meio do shopping e vi discussão (elegante) no mesmo lugar. Vi um você vai para a direita que eu vou para a esquerda para comprar os presentes de Natal antes que as lojas fechassem e vi a pizza chegando em casa para fazer a felicidade de todo mundo. AMIZADE. Vinte anos…
Uma vez ela me disse que a gente precisa se complementar com o outro. Tudo bem que um seja o organizado enquanto o outro é uma zona total. Que um seja muito romântico para contrabalançar a praticidade do outro. Que um goste de viajar enquanto o outro quer afundar o sofá. Um impulsiona o outro a ser aquilo que é necessário, mas que por si só não aconteceria se não houvesse essa parceria para administrar.
Então, eu te pergunto:
Como é que a gente faz durar uma relação? Dessas que comemoram bodas de papel, algodão, madeira, estanho, cristal, porcelana, prata, ouro, diamante, brilhante?
Não é ignorando que ambos têm uma vida antes da relação, uma individualidade que precisa ser preservada e agora uma união que precisa ser cultivada e dividida. Não é ignorando que existe uma família antes da família deles, os agora sogros, cunhados, sobrinhos e que tudo isso vem no pacote, sim senhores, mas não se sobrepõe à família que nasce daquela união em diante. Não é ignorando as diferenças, nem engessando a necessidade de se modificar, sim, por que não, se existe o desejo genuíno de seguirem pelo mesmo caminho.
Eu vi pequenos gestos… E grandes também… E vinte anos se passaram entre dores, flores, espinhos… e amores. Vinte anos…
Então eu estava aqui refletindo… Sabe… A gente idealiza muito sobre a felicidade. Um dia meu pai me disse que o amor se modifica com o tempo, e fica mais forte. E se você quer saber, o vento continua batendo. Pecamos ao ignorar que esse lar que construímos vai suportar todas as tempestades, só porque um dia batemos os pregos todos com bastante força. Não dá pra descuidar… É preciso reforçar as estruturas diariamente. Com o suco das frutas maduras, com o doce repetido, com as discussões silenciosas, o beijo de língua e a mão na bunda… Mesmo depois de 20 anos.
Existe uma rotina gostosa no casamento, sabe? Umas facilidades que a gente não encontra por aí. A afinidade dos gostos, o reconhecimento da expressão facial, a posição da escova de dente, o respeito pelas manias que cada um tem. As lembranças da primeira febre do filho, das idas ao pediatra, daquele passeio ou aquela viagem, daquela dificuldade financeira superada, daquele olhar de cumplicidade que só duas pessoas que se respeitam e convivem há tempo reconhecem. São detalhes… Os detalhes, o conhecer um ao outro e o cuidado constante para não desabrigar a relação e expô-la ao desgaste do tempo.
– Preciso de dados. Me conta o que quiser sobre vocês…
– Escreve com o olhar que você tem da gente. Não sei o que contar.
Então vou dizer a vocês sobre o olhar que tenho (já que ainda não fiz isso, hahaha).
A gente ama um amigo. Constrói o amor, todos os dias, em uma obra que só acaba na morte. A gente sente vontade de desistir, e talvez existam dias em que dá um arrependimento de estar casado, porque não tem como correr para outro lugar, é preciso encarar. Mas um e outro colocam o amor acima das diferenças e encontram juntos uma saída.
A gente preserva o amor. E eu não estou falando só de coisas que é preciso fazer para alimentar o amor do outro. É para alimentar o amor próprio e não se projetar no outro. É preservar, respeitar, guardar entre os dois as diferenças e não permitir que elas cresçam o suficiente para sufocar a decisão de permanecerem juntos.
A gente mantém a amizade, o respeito, o carinho e a cumplicidade acima de todas as coisas. Depois, amar torna-se uma consequência quase que imperceptível. O amor acontece em união com todas as outras coisas que são necessárias para que ele fique ali e seja sempre um elo.
Como é que eu vejo vocês dois?
A legenda da foto de vocês de hoje dizia:
“Aí, você resolve aceitar o convite pra um “reencontro” e se depara com uma energia maravilhosa, muito amor … Amor que transborda, que contagia, que multiplica, que ensina a amar mais, que te faz casar com a mesma pessoa todos os dias.
Te amo!
A contagem cronológica diz que são 20 anos de casados, mas eu tenho lá minhas dúvidas. “