Coringa, o vilão perfeito
O Coringa é um dos vilões mais reconhecidos e amados pelo público. Sua popularidade é tanta que não precisa mais do Batman para ser reconhecido. Atualmente, há um novo filme em produção cujo roteiro girará em torno de sua figura e terá Joaquin Phoenix como protagonista.
São vários os atores que deram vida e este vilão em particular, mas destaca-se especialmente o Coringa de Heath Ledger, cuja interpretação lhe rendeu o Oscar póstumo e transformou tanto o personagem quanto o ator em ícones do cinema, sem menosprezar outras interpretações de grande qualidade, como a de Jack Nicholson. O cinema contribuiu, em grande parte, para que a imagem do Coringa se mitificasse, para que fosse associado a um eterno vilão.
“As pessoas, quando estão prestes a morrer, mostram como realmente são. Assim, de certa forma, eu conheci seus amigos melhor do que você.”
-Coringa-
A evolução do Coringa
Até os anos 1940, Batman pertencia à Detective Comics e, a partir deste momento, o personagem passaria a ser independente, virando o protagonista de uma história em quadrinhos que levava seu próprio nome. Como todo bom super-herói, ele precisava de um rival. Desta forma, começou a surgir a figura do Coringa, cuja autoria foi bastante disputada.
Este primeiro Coringa se assemelhava à figura do palhaço do baralho de pôquer que leva o mesmo nome; suas intervenções eram menos elaboradas e era apresentado com um típico vilão.
Com o passar do tempo, sua popularidade foi aumentando e parecia uma figura essencial nas histórias em quadrinhos de Batman , quase como se ambos os personagens fossem duas caras da mesma moeda: o bem e o mal, inseparáveis, indissolúveis.
Foi essa a ideia que o aclamado roteirista britânico Alan Moore tentou transmitir em A Piada Mortal: heróis e vilões não são tão distintos; a bondade do Batman não é tão pura, tampouco a maldade do Coringa. A Piada Mortal surge em uma situação de crise, em um momento em que as velhas regras editoriais já não funcionam, em que o velho começa a ser cansativo e as piadas do Coringa estão perdendo a graça.
Moore conseguiu dar uma virada radical, fazendo com que o Coringa adquirisse sua verdadeira personalidade, sem ser um personagem raso e superficial, mas sem perder sua essência de vilão. Graças a Moore, o Coringa deixou de ser um personagem secundário que, embora apresentasse tramas interessantes, era sempre relegado ao segundo plano e, como consequência disso, era um complemento do protagonista, Batman.
A partir deste momento, aumenta o interesse pelo vilão, por descobrir seu passado confuso e obscuro do qual pouco ou nada sabemos, por ver se a natureza do vilão sempre esteve ali ou, pelo contrário, é fruto de um dia ruim. Moore conseguiu encaixar as peças que faltavam no quebra-cabeças e traçou as principais características da verdadeira personalidade do Coringa, do motivo de sua loucura.
Quem é o Coringa?
Sua aparência física é um verdadeiro escárnio a Batman, personagem sério, obscuro e de passado trágico, que contrasta com o aspecto circense, excêntrico e colorido do Coringa.
Sua aparência física, explicada de diversas maneiras ao longo das histórias em quadrinhos, é decorrente de uma queda em um tanque que continha resíduos químicos que desfiguraram seu rosto e modificaram sua pele. Alguns autores costumam acrescentar maquiagem, outros explicam que a cor dos seus lábios é devido ao contato com os resíduos.
- Em A Piada Mortal, o Coringa recorda seu passado de diversas formas; vemos alguns flashbacks, mas não sabemos se são reais ou não.
- Em Mad Love, o Coringa explica a Arlequina um triste passado em que teve problemas com seu pai. No entanto, também descobrimos que ele havia contado outra versão semelhante ao Batman, mas com algumas variantes.
- No filme Batman (1989), dirigido por Tim Burton e com Jack Nicholson no papel de Coringa, vemos que ele recebe um nome: Jack Napier, e assistimos a sua transformação em Coringa no tanque de produtos químicos.
- O Coringa de Heath Ledger apresentava um tom mais realista, mais próximo ao de um criminoso, um serial killer que deixa sempre o seu sinal de identidade ao lado de sua vítima, seguindo um pouco o rastro das origens que vimos nos primeiros quadrinhos.
Desta forma, não temos um passado claro nem definido do personagem, mas diversas versões que desenham diferentes possibilidades e, em quase todas, o passado está borrado. O Coringa costuma inventar suas histórias e manipulá-las com a intenção de alcançar um objetivo, como ocorre em Mad Love.
Não sabemos o que é real e o que é mentira, mas podemos intuir um passado sombrio, um passado talvez não tão diferente do de Batman que, junto com seu sadismo, construiu o personagem que conhecemos hoje.
Sádico, zombador, extremamente inteligente, louco, manipulador – este é o Coringa, não importa a versão. A loucura parece estar intimamente ligada ao personagem e ele consegue transmiti-la a quem o rodeia, tal como acontece com Arlequina: apesar de ser sua psiquiatra, ela se apaixona por ele e por sua loucura. Isso porque o Coringa tem algo de encantador, tem uma aura narcisista, egocêntrica e cruel, mas não podemos evitar cair nessa armadilha.
Seu gosto por piadas, por rir do que ninguém acharia graça, sua zombaria em relação à vida e à morte, seus planos retorcidos, mas inteligentes e elaborados, fazem dele o vilão perfeito. O vilão absoluto, tão perfeito em seu arquétipo, que consegue nos apaixonar.
O vilão
Ao não conhecer seu passado e embora Moore tentasse associar o bem com o mal, a verdade é que o Coringa é o psicopata perfeito, o vilão literário ou cinematográfico sem nenhuma causa externa que o levasse a tomar esse caminho. Há muitas versões e as propostas são diferentes, mas todas concordam em nos trazer um sociopata sem escrúpulos cujo único objetivo é semear o caos.
Tentaram ver o vilão como tudo aquilo que o herói não é ou não pode ser: se o Batman é ordem, o Coringa é caos; se o Batman é o bom, o Coringa é o mau… No entanto, a figura do vilão é muito mais complexa e foi estudada em diversas áreas; existem muitos tipos de vilões e não é fácil fazer uma classificação dos mesmos.
O arquétipo do vilão pode ser encontrado em manifestações artísticas de caráter muito diverso; o vilão nem sempre é um personagem, pode ser também uma instituição, um grupo, etc. Costumamos vinculá-lo a histórias, à tradição popular, lugar onde os arquétipos são bastante claros, os personagens se formam e se configuram dentro dele.
Vladimir Propp realizou um estudo profundo sobre a morfologia do conto. Nele, ele falou de uma série de 31 pontos comuns ou recorrentes em todos os contos de fadas e, é claro, se referiu ao vilão e à sua relação com o herói. Essas funções serviram para a construção de histórias, para o estudo da narratologia, e não só as vemos em contos de fadas, mas também podemos encontrá-las em obras mais extensas, inclusive no mundo dos quadrinhos ou do cinema.
A figura do herói parece ser essencial na morfologia do conto de Propp e, da mesma forma, todo herói precisa de um vilão, um personagem que tente sabotar o herói, que fira a sua família, que destrua seus planos e que contribua para a construção e mitificação do próprio herói.
“Só é preciso um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático; essa é a distância entre o mundo e eu… apenas um dia ruim.”
-Coringa-
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Propp, V., (1985): Morfología del cuento. Madrid, Akal.