A criação moderna gera crianças com camisa de força
Carles Capdevila disse, com muito bom senso, que “nossos filhos precisam ser crianças e errar, mas também precisam entender como funciona a vida dos adultos”. Ao contrário, a realidade nos mostra que às vezes os prendemos tanto que transformamos os pequenos em crianças em camisas de força. Um uniforme costurado sob medida por alguns estilos de criação moderna onde o erro é o demônio e a superproteção a regra.
Vejamos. A criação moderna, muitas vezes, procura formar crianças tão felizes e admiráveis que não podem se sentir frustradas, não podem ver o que não lhes corresponde. Precisam ser perfeitas em tudo ou pelo menos aspirar a ser perfeitas, sendo mais prisioneiras desta utopia do que motivadas por ela.
O erro da criação moderna
Estas crianças tão perfeitas e felizes no papel, na verdade, não parecem ser assim. De fato, alguns pais procuram estar tão em cima dos filhos para que não cometam falhas e se frustrem que lhes retiram o direito de errar, e com isso lhes tiram a possibilidade de aprender.
Isto é o que mostra uma pesquisa realizada em 2011. Na mesma, crianças da pré-escola recebiam diferentes brinquedos. Em alguns casos o pesquisador explicava à criança o funcionamento do brinquedo que havia escolhido, em outros não. Depois ia embora, deixando as crianças sozinhas.
Esta pesquisa mostrou que as crianças que sabiam como o brinquedo funcionava brincavam de forma mais repetitiva e limitada, de forma que se entediavam mais rápido.
Por outro lado, as crianças que não recebiam instruções enfrentavam a missão de investigar o funcionamento do brinquedo de forma independente. Este desafio fazia que desenvolvessem a sua criatividade, tentando brincar com o brinquedo de mais formas, portanto, demorando mais para se entediar.
Por isso, a professora de Psicologia da Universidade da Califórnia, Alison Gopnik, considera que a educação infantil atual, demasiadamente direcionada, é um erro. Os pais precisam ajudar as crianças a se desenvolverem com sucesso, mas considerando que a sua intervenção é de ajudar, acompanhar ou facilitar a descoberta. Não enfrentando por elas os desafios que surgirem e que possam superar com a capacidade que têm nesse momento.
O pais da criação moderna
Alison Gopnik define este tipo de pais, defensores da criação moderna, como carpinteiros. Isto por causa da sua constante tentativa de moldar, como se seus filhos fossem um pedaço de madeira a ser trabalhada e modelada. Desta forma, estes tipos de pais se preocupam muito em fazer com que seus filhos adotem suas regras, seus valores e seus sonhos. De fato, são capazes de jogar suas frustrações e desejos nos pequenos. Por isso, se caracterizam da seguinte forma:
- Organizam até o mínimo detalhe da vida dos filhos. Não resta fio solto e controlam totalmente a agenda da criança.
- Qualquer sonho da criança que não coincidir com o seu próprio costuma ser menosprezado e considerado de pouco valor. Sempre têm a última palavra.
- Os valores transmitidos às crianças são definidos em forma de doutrinas, quase dogmas. Não existe liberdade de pensamento, reflexão ou crítica possível. Qualquer tentativa neste sentido é castigada ou ignorada.
- O pai oferece todo tipo de brinquedo educativo e atividades que considere úteis para a criança. Contudo, não costuma considerar a diversão do filho, mas sim o estímulo de suas capacidades. Esta atitude está isenta de observação, não se considera a opinião da criança, somente a do pai.
- Consideram que as crianças têm uma dívida com os pais, de modo que acreditam que têm o direito de manipular, inclusive sendo filhos já adultos.
- Costumam proteger e isolar as crianças do mundo real, já que os consideram possessões de grande valor. Não lhes oferecem ferramentas de desenvolvimento adequadas ao perfil dos seus filhos e dos seus próprios gostos.
Existe outra forma de educar
Por outro lado, Gopnik considera que existe outra forma de educação muito mais positiva, a dos pais jardineiros. Considera os progenitores como adultos que regam flores que crescem sustentadas pelo amor e a atenção.
“Viva de tal forma que quando seus filhos pensarem em justiça, carinho e integridade, pensem em você.”
-H. Jackson Brown-
Isto é, para Alison Gopnik, os pais precisam deixar que seus filhos cresçam, mantendo à risca a tentação de controlá-los e intervir demais. As crianças irão explorar o mundo, errar, tropeçar, aprender a resolver conflitos, com tolerância à frustração e solucionando seus próprios problemas.
Para ela, as opiniões das crianças sempre precisam ser consideradas. A criança precisa explorar e descobrir seus próprios gostos e habilidades. Para isso, é preciso estimulá-la, lhe dar liberdade de pensamento e deixar que reflita e tome suas próprias decisões naqueles assuntos em que está habilitada a tomá-las; normalmente mais do que acreditam os pais que defendem este tipo de educação moderna.
Contudo, nem tudo é tão simples: por medo de controlá-los demais podemos acabar nos afastando demais também. Simplesmente é preciso estar ali para protegê-los e ajudá-los, para resolver suas curiosidades e necessidades, para que não lhes falte nada. É um desafio, mas é um desafio precioso quando vemos como crescem acompanhados do orgulho de ter feito sozinhos o que meses antes não poderiam sequer sonhar. É preciso estar ali, sem superprotegê-los, para acompanhá-los.
É verdade, cairão mil vezes quando aprenderem a andar, mas será melhor que caiam nessa hora, quando o seu corpo está preparado e é de borracha, do que mais tarde. Nosso papel nesse sentido será lhes oferecer a nossa própria mão e motivá-los, para que se levantem novamente.
“Só podemos aspirar deixar dois legados duradouros para nossos filhos: um, raízes; o outro, asas.”
-Hodding Carter-