Depressão infantil: desconhecimento, confusão e esquecimento

A depressão é um transtorno que tem se tornado cada vez mais visível. No entanto, pensamos que as crianças, pelas suas condições, não podem sofrer com esse tipo de distúrbios, por isso tendemos a negligenciar a sua saúde mental.
Depressão infantil: desconhecimento, confusão e esquecimento
Alicia Yagüe Fernández

Escrito e verificado por a psicóloga Alicia Yagüe Fernández.

Última atualização: 12 fevereiro, 2024

A depressão infantil é um transtorno que passa despercebido: é esquecido, desconhecido e confundido com outros distúrbios.

Muitas pessoas consideram impossível que uma criança caia nas garras da depressão“Como as crianças vão ficar deprimidas se elas não têm responsabilidades nem preocupações? Se elas têm tudo…”.

Segundo dados de pesquisas recentes, 1 criança em cada 100 e 1 adolescente em cada 33 sofrem de depressão.

O problema mais grave é que apenas 25% das crianças e dos adolescentes com depressão são diagnosticados e tratados. Uma porcentagem tão baixa é consequência do fato de que, muitas vezes, os adultos menosprezam ou ignoram esse problema ou até mesmo são realizados diagnósticos errados.

Um diagnóstico errado comum é o que acontece quando a criança é diagnosticada com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) em vez de depressão.

A sintomatologia depressiva vem à tona a partir de certas vulnerabilidades pessoais ou se reflete em certas vulnerabilidades pessoais.

Ou seja, por não possuírem algumas habilidades sociais, emocionais ou cognitivas e em situações que podem exigir alto desempenho se levarmos em consideração o nível da pessoa, nesse caso da criança, ela pode se sentir incapaz de responder, bloqueada.

Tudo isso gera uma forte carga de estresse e uma cadeia de emoções de valência negativa, como a tristeza, a falta de sentido, a inutilidade, a fragilidade, o vazio ou o perigo, entre muitas outras.

“A depressão é uma prisão na qual você é tanto o prisioneiro quanto o cruel carcereiro.”
-Dorothy Rowe-

O que caracteriza uma criança deprimida?

Da tristeza ao transtorno depressivo há um amplo espectro. A tristeza, a ansiedade, a hostilidade e a raiva são emoções normais, adaptativas e compreensíveis, necessárias em certos momentos e que podem se refletir em comportamentos.

Por exemplo, o medo é a emoção do perigo e a tristeza é a emoção da perda. Não são emoções prejudiciais em si: elas nos ajudam a nos adaptarmos ao o que acontece ao nosso redor, a ficarmos seguro se sentimos perigo ou a escrever uma história, a nossa história, na qual toda perda acaba recebendo um sentido.

Menina com sintomas de depressão infantil

Não se pode categorizar as emoções como doenças. Todas as crianças e todos os adolescentes ficam tristes em algum momento, inclusive já chegaram a sentir sintomas de depressão, mas um transtorno depressivo é mais do que isso.

É importante saber distinguir entre tristeza e uma possível depressão infantil.

Para isso, deve-se levar em consideração a frequência, a intensidade e a duração dos comportamentos, assim como do mal-estar das crianças, como isso interfere na sua rotina (se é que interfere), se a criança apresenta irritabilidade, pouco apetite, problemas para dormir, agitação e sintomas psicofisiológicos ou motores.

Na depressão infantil são frequentes a raiva e a irritabilidade, ao passo que em adultos costumam aparecer a tristeza e o desconsolo. Outro sintoma diferente nas crianças é a agitação.

No caso dos adultos com depressão ocorre diminuição da velocidade motora e mental, ao passo que nas crianças é comum uma maior ativação (por isso, em certa medida, a confusão no diagnóstico com TDAH).

Devido a essa mudança de sintomatologia, a depressão infantil passa despercebida ou se confunde com outro tipo de problema de comportamento.

Muitas crianças vão a consultas porque não têm vontade de fazer coisas, estão muito irritadas, bravas, apresentam somatizações (dores de cabeça, dores de barriga, vômitos, diarreias, etc.).

A informação mais confiável que podemos obter em relação aos pensamentos e às emoções da criança é através dela mesma. Os adultos do seu meio, em contrapartida, poderão informar melhor sobre comportamentos observáveis e momentos específicos.

Alguns fatores de vulnerabilidade são a falta de habilidades sociais, um déficit na solução de problemas, o isolamento social, um autoconceito negativo, dificuldades interpessoais com familiares ou colegas e atitudes disfuncionais com pensamentos de culpa.

É frequente que o estado emocional no qual estão se alimente da “ruminação” de certos pensamentos, como “Tudo dá errado comigo, eu sou um desastre, a vida não vale a pena, é tudo culpa minha”.

“Lembre-se sempre de que você é maior que as suas circunstâncias, você é mais do que qualquer coisa que possa acontecer com você.”
-Anthony Robbins-

Menino sofrendo de depressão infantil

Teoria do desamparo aprendido e a depressão infantil

Estamos criando crianças indefesas. Um dia são recompensadas e no outro castigadas pelo mesmo comportamento. Acontecem fatos ao seu redor e ninguém lhes explica suas origens. Não são colocados limites nem se ensina a tolerar e a lidar com a frustração.

É muito importante transmitir para as crianças que para conseguir o que gostamos é preciso se esforçar, esperar, dedicar tempo, trabalhar, errar e tentar de novo.

Esse aprendizado se dá através das experiências pessoais, mas se dermos tudo pronto, essas ricas experiências serão reduzidas a sua mínima expressão. É quando surgem os problemas de comportamento, explosões de raiva, instabilidade no estado de espírito, falta de controle de impulsos e um longo etcétera.

Os diferentes elementos (comportamentos, objetos, pessoas…) assumem o valor que damos a eles e esse valor também depende do esforço e do sacrifício que foram realizados para conquistá-los.

Ao longo dos anos, e à medida que crescemos, nós aprendemos a estabelecer relações entre os nossos atos e as consequências que eles têm.

Isso é fundamental porque é o que nos dá a sensação de controle e possibilita a autoeficácia. É claro que nem tudo está nas nossas mãos, mas podemos, sim, fazer muitas coisas para conduzir a nossa vida.

Se as crianças não perceberem essa relação, elas se sentirão desamparadas. Se não aprenderem os possíveis resultados que existem diante dos seus atos e se as consequências forem aleatórias ou difusas, elas se sentirão completamente perdidas.

Nas teorias do desamparo aprendido, foi demonstrado que a coisa mais importante é a percepção, ou seja, perceber que o que nós fazemos tem consequências sobre o que receberemos posteriormente.

Por exemplo, se percebermos que o esforço é uma coisa importante para conquistar os nossos objetivos, então o esforço vai aparecer nos nossos atos, mas se a criança perceber que os resultados dependem da sorte, vai assumir a crença de que agir é inútil e desnecessário, ela vai se tornar um ser vulnerável.

Para prevenir a depressão infantil, as crianças precisam sentir que o que elas fazem tem consequências esperadas para o meio e para elas mesmas.

Crenças disfuncionais na depressão infantil

As crenças disfuncionais são valores sobre os quais a nossa autoestima se apoia. As crianças aprendem distorções nas suas próprias crenças desde pequenas, por exemplo “Se você não for o primeiro, será um perdedor e se você for um perdedor, você não vale nada”.

Dessa maneira, condicionamos a nossa interpretação da realidade e de nós mesmos.

Quando uma criança coloca sua própria autoestima em ideias impossíveis, mais cedo ou mais tarde, está condenada a se sentir frustrada, deprimida, incompetente ou inútil porque sempre haverá alguém mais esperto ou mais bonito, porque os erros são inevitáveis e porque não se pode satisfazer todo mundo.

As crianças precisam aprender desde pequenas a ponderar. Não é preciso ser a perfeição absoluta nem o desastre completo. Não podemos estar cem por cento em todos os momentos, mas também não podemos deixar tudo de lado.

A vida não é em branco e preto, o cinza existe e por isso haverá momentos e áreas da nossa vida nas quais é preciso estabelecer prioridades.

Por exemplo, na época de provas as crianças vão aprender que é o momento de dedicar mais tempo aos estudos e, ao terminar essa época, poderão desfrutar por mais tempo dos seus amigos, da sua família e do ambiente em que vivem.

É importante aprender a priorizar responsabilidades e a lidar com o tempo com base nas próprias decisões e nas suas consequências.

Menina com plantas e animais no cabelo

Suicídio na infância

A depressão é um dos principais fatores que antecipam o suicídio, e acabar com os mitos em relação a esse tema é uma tarefa fundamental para preveni-lo. 72% das crianças e dos adolescentes deprimidos têm ideias suicidas.

No caso das crianças, essas ideias podem existir mesmo que elas não as verbalizem. Muitos desejos infantis não são expressados por meio de palavras, e sim por meio de outras formas de comunicação, como brincadeiras ou desenhos.

Como adultos, é importante aprender a “ler nas entrelinhas” o que as crianças expressam.

A seguir vamos identificar alguns dos mitos que existem em relação à depressão infantil:

  • “O suicídio vem de família” – Em muitos casos, se um dos pais ou algum familiar se suicidou, acredita-se que a criança apresenta mais chances de também tentar tirar a própria vida. É verdade que ela teve um modelo errado de enfrentamento, mas o suicídio não é geneticamente determinado. Será preciso conversar com a criança e principalmente falar de maneira clara. É muito importante não silenciar o acontecimento nem silenciar os desejos e os sentimentos da criança. Será preciso conversar com uma linguagem adaptada à idade dela, utilizando explicações concretas que ela seja capaz de entender. É fundamental encontrar de maneira conjunta soluções para os problemas pelos quais a criança busca a morte como um saída libertadora.
  • “Quem muito fala nunca faz, é para chamar a atenção”Nunca se deve considerar como certo que não existe a possibilidade de consumação do ato. Para os pais, é difícil encarar que seu filho tem o desejo de tirar a própria vida, mas longe de se evitar o problema, o mais urgente é enfrentá-lo. Pensar que não vai acontecer, mas agir como se pudesse acontecer.
  •  “A decisão é irrevogável” Considerar que as ideias de suicídio que a criança tem não podem mudar é outro erro. Os sentimentos são ambivalentes, a insatisfação e o medo estão misturados junto com a avaliação positiva da morte. Por isso é tão importante ficar atento aos sinais verbais e comportamentais que vão nos permitir intervir a tempo.
  •  “Um suicida vai ser um suicida a vida toda” Os desejos são passageiros, na maioria das vezes as crianças se arrependem e inclusive sentem vergonha disso. É preciso dedicar tempo para conversar sobre as emoções e normalizar o fato de ter sentimentos contraditórios. Na vida ocorrem experiências muito difíceis, mas a partir delas é possível obter muitos aprendizados.
  •  “Falar do suicídio leva à sua consumação” Transformar o suicídio em tabu pode ser uma das piores ações. Conversar sobre o tema alivia o mal-estar e permite que a pessoa se expresse. Ter empatia, normalizar e tentar compreender é a prioridade para encontrar soluções.
  •  “Quem se suicida tem um transtorno mental” – Outro erro frequente é pensar que para ter vontade de tirar a própria vida a pessoa necessariamente sofre de algum problema psicológico. Embora a depressão seja um fator de risco para o suicídio, há uma grande porcentagem de suicídios de caráter impulsivo em adolescentes sem transtornos mentais.

O que fazer em caso de depressão infantil?

Nas intervenções psicológicas, o objetivo é abordar os fatores de risco e os comportamentos problemáticos que estão associados à depressão da criança.

A intervenção envolve a criança, a família e o meio em que vivem. Com a criança ou o adolescente são trabalhadas diferentes habilidades de enfrentamento, maneiras de solucionar problemas, e é dada grande importância ao aprendizado de como processar a informação e como lidar com o mal-estar emocional.

A intenção é transformar os pensamentos automáticos negativos e as autoavaliações que a criança pode fazer de si mesma e do mudo que mantenham o estado emocional em que se encontra.

Mãe ajudando filho com depressão infantil

Aos pais são fornecidas orientações para que consigam lidar com o comportamento dos seus filhos, estimular a escuta com empatia, controlar a raiva, evitar o conflito, comunicar as mensagens e os sentimentos de forma efetiva, aprender a tomar decisões e mudar formas de interagir entre os membros da família.

Na prevenção da depressão em crianças é fundamental que a incondicionalidade do amor esteja presente. Nunca devemos condicionar o carinho a uma ação ou a uma característica específica da criança.

É positivo que o amor seja percebido como incondicional, como um vínculo que vai sobreviver a qualquer circunstância que aparecer.

Além disso, é preciso que existam regras sensatas e aplicadas de maneira coerente, o reforço de comportamentos adequados, a espera pelas recompensas, o exercício da motivação intrínseca, a firmeza em relação aos processos de coerção e o estabelecimento de uma boa comunicação.

“Embora o mundo esteja cheio de sofrimento, também está cheio de superação.”
-Helen Keller-


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