Edward Mãos de Tesoura, uma história sobre a aceitação
‘Edward Mãos de Tesoura’, dirigido por Tim Burton em 1990 e protagonizado pelos jovens Johnny Deep e Winona Ryder, é, para muitos, a obra prima deste autor. Destaca-se a sua trilha sonora, composta por Danny Elfman, que se transformou em uma referência musical.
A estética do filme do filme ‘Edward Mãos de Tesoura’ chama a atenção a partir dos créditos, com objetos que lembram outras obras do mesmo autor. Ao iniciar o filme, a imagem de uma antiga mansão cheia de pó e, ao mesmo tempo, mágica, já antecipa que estamos diante do mais puro “Universo Burton”.
Em forma de conto, quase uma fábula, misturando a fantasia com o cotidiano, Burton apresenta um filme cheio de emoções e sentimentos. Dá vida a uma história onde se destacam duas mensagens: a importância de aceitar as diferenças e a de deixar os preconceitos de lado.
‘Edward Mãos de Tesoura’ é um relato muito pessoal, em tom autobiográfico, apesar de ser apresentado como uma fantasia. O próprio Burton já falou em várias ocasiões de alguns problemas durante a sua infância; na verdade, ele sempre se definiu como solitário e, inclusive, “estranho”. Até mesmo sua ex-mulher, Helena Bonham Carter, reconheceu nele algumas características da síndrome de Asperger.
Edward Mãos de Tesoura, uma história cheia de contrastes
Burton apresenta o filme como um conto de uma senhora para sua neta e, a partir daí, entramos na fantasia. Tudo começa em um colorido bairro cheio de jardins e residências unifamiliares. Não há um carro, uma porta, uma peça de roupa no bairro que seja preta. Entre todo esse colorido se destaca ao fundo e no alto da colina uma velha mansão, praticamente em ruínas; cinza e preta, com um aspecto que lembra muito o cinema expressionista alemão.
A primeira personagem que conhecemos é Peg, mãe de dois filhos que trabalha para a companhia de cosméticos Avon. Em uma tentativa desesperada de vender os seus produtos, Peg decide entrar na misteriosa mansão. Ao chegar, ela encontra árvores estranhas que foram podadas imitando formas animais e humanas.
A mansão, que parecia escura de longe, exibe um bonito e colorido jardim totalmente inesperado, que funciona como anúncio do extraordinário mundo interior do seu habitante. A música tem um papel fundamental conforme Peg entra na mansão.
Seguramente Peg esperava encontrar algo aterrador, pavoroso; no entanto, ela encontra um ambiente mágico e maravilhoso, com esculturas carregadas de sensibilidade. A mansão está totalmente abandonada no seu interior, cheia de pó e teias de aranha; destacando alguns recortes de jornal colados sobre uma parede onde podemos ler manchetes como “Menino que nasceu sem olhos lê com as mãos”. Um pouco depois, conhecemos Edward, o estranho habitante, que possui uma inusitada peculiaridade: ele tem tesouras no lugar das mãos.
O encontro com o mundo e as relações sociais
Desde o começo, Edward mostra uma inocência admirável. Ele faz isso quando se refere ao seu pai dizendo que “ele não acordou”, em uma clara alusão ao seu desconhecimento do mundo, da vida e da morte. Peg, fascinada pelas cicatrizes causadas pelas tesouras, decide testar nele os seus produtos cosméticos e o convida para sua casa.
A partir desse momento, presenciaremos todos os problemas de Edward para viver em sociedade, distinguir o bem do mal, a profunda rejeição que ele gera, inicialmente, entre os vizinhos, e sua posterior fascinação, quando eles descobrem que podem se aproveitar de suas habilidades como jardineiro e cabeleireiro. As vizinhas representam a malícia em estado puro, apontam um pensamento coletivo e são o fiel reflexo de como essa ideia vai mudando dependendo das circunstâncias, de modo que a opinião delas sobre Edward não é própria, mas coletiva.
Burton mostra como é difícil ser aceito quando você não é igual aos outros. Desperta a curiosidade em alguns e medo em outros. Vemos como as vizinhas ficam comentando tudo o que acontece no bairro, espalham boatos, criticam Peg e seu estranho inquilino.
Edward se adapta muito bem na família de Peg, estabelecendo uma relação ótima com o seu filho caçula e com seu marido. Porém, quando ele conhece Kim, a filha adolescente, ela desperta certos sentimentos em Edward que ele não é capaz de expressar. A relação com Kim é difícil no começo devido aos preconceitos dela, mas com o tempo, ela verá em Edward a pessoa que ele é na realidade e o grande coração que ele tem.
“Kim: – Me abraça!
Edward: – Não posso”.
Edward começa a despertar a admiração entre os vizinhos devido à sua habilidade como cabelereiro e jardineiro, sua popularidade aumenta e eles até se oferecem para montar um salão de beleza para Edward. Edward e Peg vão como convidados a um programa de televisão, onde explicam o caso de Edward e o público comenta e faz perguntas. É curioso como, nesse momento, vemos que aquilo que é diferente se transforma em uma atração, gera uma certa fascinação. Edward já não é diferente, ele é especial.
“Público: – Mas, se você tivesse mãos seria como qualquer outra pessoa.
Edward: – Sim, eu suponho.
Apresentador: – Com certeza você gostaria disso.
Público: – Então ninguém pensaria que você é especial, não apareceria na televisão nem nada disso.
Peg: – Não importa o que aconteça, Edward sempre será especial”.
O que é “diferente” assusta
Os problemas voltam quando Edward aceita ajudar Kim e o seu namorado a realizar um delito; a partir daí, voltamos à degradação do personagem, do que é diferente. A sociedade começa a vê-lo como um monstro, como alguém que deve ser eliminado porque é perigoso. As vizinhas, que tanto admiravam o seu talento, agora têm medo dele, inventam histórias e querem vê-lo morto.
Existe uma cena em que Edward está sendo perseguido pela vizinhança, está sozinho, todos querem matá-lo, etc. Um cachorro se senta ao seu lado, ele corta a franja dele para que possa ver melhor, e o animal agradece. Esse pequeno instante é realmente mágico; aqui, Burton mostra como os preconceitos são algo desconhecido para os animais e, às vezes, eles podem ser muito mais compreensivos do que muitas pessoas.
Burton mostra um personagem sem maldade, com problemas sociais porque viveu isolado durante muito tempo devido à sua condição particular. Poucas pessoas veem em Edward um homem bom e inocente. A mansão é um reflexo dessa personalidade, com uma cerca grande, imponente e escura, que serve de couraça para proteger este jardim mágico cheio de sensibilidade.
Muitas coisas foram comentadas sobre Burton e a síndrome de Asperger, e é difícil saber com certeza como foi a infância e a vida do diretor. No entanto, podemos apreciar certos traços dessa síndrome no personagem de Edward, como sua incapacidade com as mãos, seus problemas para se adaptar e seu profundo mundo interior. Sem dúvida, ‘Edward Mãos de Tesoura’ nos oferece uma maravilhosa lição de aceitação, ensina a não ter medo dos sentimentos e a conhecer melhor o interior das pessoas.