Equívocos sobre os traumas, feridas que nos acompanham

Equívocos sobre os traumas, feridas que nos acompanham
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 16 fevereiro, 2022

Até hoje, ainda mantemos equívocos sobre os traumas. O ser humano é vulnerável, mas às vezes esquecemos o quão resistentes podemos nos tornar. Assim, como Viktor Frankl disse uma vez, ter uma reação anormal a uma situação anormal é algo perfeitamente normal, uma resposta natural que em algum momento nos permitirá mostrar o lado mais forte e mais resistente de nós mesmos.

Algo que muitos psicólogos e psiquiatras que são especialistas em lidar com eventos traumáticos nos lembram é que todos nós, em algum momento de nossas vidas, sofreremos algum evento adverso de maior ou menor gravidade para o qual não estaremos preparados. Pode ser a perda de um ente querido, um acidente, presenciar algo chocante, um assalto, um desastre natural ou uma emergência médica.

São situações que geram um forte impacto no nosso cérebro. Elas estimulam as áreas relacionadas ao medo e à sensação de atenção, e logo tudo começa a se fragmentar ao nosso redor. O córtex pré-frontal, a estrutura que nos ajuda a pensar e a raciocinar, perde força, perde a agilidade e nosso foco mental torna-se mais opaco, mais turvo. Mergulhamos em um estado muito característico de angústia.

Sendo assim, é muito possível que diversos de nossos leitores estejam familiarizados com a experiência dessa situação. É importante entender que, quando isso acontece, e sempre dependendo da gravidade desse impacto traumático, nosso cérebro não se recupera de um dia para o outro, nem mesmo de um mês para o outro. Curar um cérebro ferido, mergulhado em um estado de estresse pós-traumático, exige tempo. Requer esforço e estratégias de enfrentamento adequadas.

Para conseguir isso, será útil saber em primeiro lugar que existem equívocos sobre os traumas. É necessário se livrar deles para iniciar uma abordagem mais adequada para essa situação. Vamos ver abaixo.

Os equívocos mais comuns sobre os traumas

Principais equívocos sobre os traumas

1. Um evento traumático destrói a sua vida

Pensemos em quando um terapeuta começa a trabalhar com a vítima de um abuso, com uma pessoa que sofreu uma agressão, ou a perda de um ente querido, etc. Muitas vezes ele ouve a seguinte frase de seu paciente: “Eu sei que nunca mais conseguirei ser feliz . ”

No início, é muito complicado que essa pessoa entenda o seguinte: na realidade, o trauma tem uma natureza dupla. Por um lado, apresenta uma capacidade destrutiva inegável. Entretanto, o paradoxo é que ele também consegue transformar a pessoa para recuperá-la com maior tenacidade, com melhores capacidades pessoais.

O sofrimento na própria pele não nos condena à dor eterna, à prisão perpétua. Se procurarmos recursos, apoio e combinarmos vontade e esforço, o cérebro pode ser reprogramado. A ferida não desaparecerá, mas vai magoar menos e podemos levar uma boa vida.

2. O trauma aparece após um evento ameaçador

Se recorrermos à definição de trauma no “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais”, veremos que ele aparece como “o que surge após a experiência de uma morte de um ente querido, uma ameaça real, uma lesão grave, como assalto, desastres , abusos ou doenças que ameaçam a própria vida.”

Na realidade, muitas nuances podem ser introduzidas nessa definição. Em primeiro lugar, um trauma não aparece como uma “reação” a esses eventos adversos como tal, mas sim como resultado do “efeito emocional e psicológico” que eles têm sobre a pessoa em particular. Além disso, às vezes, o mesmo evento pode causar traumas em algumas pessoas, mas não em outras.

Além disso, quando ocorre algo chocante, a reação não é imediata, a ferida nunca é instantânea. Ocorre mais tarde, quando a pessoa começa a questionar sua própria vida, sua própria realidade e aquilo que envolve as duas coisas.

Por exemplo, pense em uma pessoa que acaba de ser diagnosticada com câncer. Talvez, à primeira vista, as notícias sejam suficientes para a pessoa se sentir derrotada e traumatizada. No entanto, para muitas pessoas, o mais marcante nem sempre é a própria doença, mas sim não ter o apoio do companheiro ou daquelas pessoas que, nos momentos mais complexos, costumam se afastar de nós.

Cicatriz coberta de flores

3. Um trauma é uma doença mental

Outro dos equívocos sobre os traumas é vê-los ou compreendê-los exclusivamente como “doenças mentais”. Na verdade, são algo muito mais profundo. Atualmente, muitos especialistas no campo, como o psicólogo Richard Tedeschi, da Universidade da Carolina do Norte, preferem se concentrar no transtorno de estresse pós-traumático de outra maneira.

Se o trauma significa “ferida”, então estamos diante de algo que está “quebrado”. Por exemplo, quando alguém sofre uma queda ou uma pancada, você pode sofrer a quebra de um ou mais ossos. Portanto, quando alguém sofre um trauma psicológico também aparece uma ruptura, uma lesão mental. Ela torna impossível para essa pessoa ser a mesma coisa que antes. Quem sofre um trauma fica “psicologicamente ferido”, e essas lesões podem ser morais ou emocionais.

4. Se você é forte, pode enfrentar o trauma sozinho

Ainda vivemos numa sociedade que entende que quem pede ajuda é fraco. Esse é mais um dos equívocos sobre os traumas. Muitos acreditam que quem busca apoio médico está louco e que quem é forte nunca cai. No entanto, devemos olhar os dados: as taxas de suicídio são alarmantes. Aparentemente, muitos daqueles que pareciam poder aguentar tudo e ainda ter forças, no final não conseguiram suportar nem mesmo a própria vida. Nós dissemos isso um momento atrás, os traumas nos quebram e ninguém, absolutamente ninguém, pode seguir por muito tempo com a alma quebrada, a mente em pedaços e o coração partido.

Este é, sem dúvida, outro dos equívocos sobre os traumas mais comuns: acreditar que o tempo cura tudo, que é melhor esquecer do que enfrentar, que uma atitude forte irá fazer desaparecer toda a dor… Não será assim, evite acreditar nessas ideias, já que podem nos levar por uma rua sem saída.

Mulher com nuvens baixas

Para concluir, os traumas não precisam nos tornar pessoas que não queremos ser. Podemos parar de nos sentir cativos. Merecemos uma existência mais digna e mais livre daqueles pesos do passado que afetam nosso presente. Devemos procurar ajuda e trabalhar ativamente na realidade interior que ainda está ferida. Assim, teremos a oportunidade de nos transformar, curar e viver plenamente.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.