Henko, a mudança sem possibilidade de retorno
Henko ou へんこう é uma palavra japonesa que se refere a uma mudança transformadora no que não há possibilidade de retorno ao seu estado inicial. Muitas vezes representa um avanço muito grande em nosso crescimento pessoal e uma prova de que somos capazes de apostar em nós mesmos, sendo exatamente um reflexo deste ato de coragem. Falamos deste ponto de inflexão que nos eleva acima do medo e das preocupações, transformando nossa atitude vital.
Além do que podemos pensar, poucas palavras possuem conceitos tão básicos, mas ao mesmo tempo tão importantes como o henko. Ter a capacidade de se transformar, de evoluir, de avançar e ampliar o nível de consciência é o segredo para superar obstáculos, dissolver o desânimo e sair fortalecido das situações que são apresentadas a nós. Henko é uma representação do fruto da resiliência.
“Na vida, é assim em todo momento importante: temos que renunciar a uma parte do que somos para conseguir ser o que realmente podemos ser. A mudança não é gratuita, naturalmente, e só nos alimenta se nos levar à transformação.”
– Alex Rovira-
Mudar para avançar
Grande parte das nossas dificuldades seriam resolvidas se introduzíssemos um henko, uma mudança transformadora em nossas vidas. O problema é que, na maioria das vezes, não estamos dispostos, não sabemos como fazer isso ou temos medo do novo.
Sabe-se, por exemplo, que algumas pessoas preferem ficar em sua zona de conforto, continuando com as mesmas estratégias de enfrentamento, mesmo não se sentindo bem. De fato, às vezes essas pessoas fazem verdadeiros esforços porque não ocorrem mudanças que, do contrário, aconteceriam de forma natural.
A verdade é que todos nós temos medo do desconhecido, daquilo que não podemos prever, que foge dos nossos cálculos e, consequentemente, do nosso controle.
Por essa razão, quando lidamos mal com o medo, acabamos sendo consumidos e esgotados emocionalmente. Isso porque optamos por nos acostumar e conservar nossa zona de conforto em vez de abraçar a mudança. Neste sentido, podem existir muitas razões para a transformação, mas todas são irrelevantes caso não exista um elemento na base: o convencimento, o desejo, a motivação.
Assim, o risco está impresso em nosso ser. Por outro lado, precisamos tolerar tal risco em um certo grau para poder avançar: assumir que haverá um momento no qual nenhum dos nossos pés vai tocar o chão.
Entretanto, não podemos nos confundir: nem toda mutação pode nos transformar. Às vezes, mudamos no mesmo nível em que nos encontramos, ou seja, realizamos uma mudança de primeira ordem, por isso em pouco tempo nos encontramos imersos dando voltas na mesma dinâmica.
Para crescer, para iniciar um novo caminho, temos que introduzir uma mudança em nível superior ou uma mudança de segunda ordem, como diria Paul Watzlawick. Mas, o que isso quer dizer?
Os tipos de mudança de acordo com Paul Watzlawick
Os especialistas nas Teorias dos Sistemas consideram que existem duas tendências contrapostas na hora de mudar. A primeira delas teria a ver com mantermos um estado estacionário estável e a segunda com produzir novas formas, ambas derivadas da teoria matemática dos tipos lógicos.
O psicólogo austríaco Paul Watzlawick chamou estas tendências de mudança 1 ou de primeira ordem e mudança 2 ou de segunda ordem, respectivamente. Para explicar as duas tendências, ele utilizou o seguinte exemplo: “Uma pessoa tem um pesadelo, pode fazer muitas coisas dentro do pesadelo: correr, se esconder, gritar, etc., mas nenhuma dessas mudanças de comportamento vai finalizar o pesadelo.”
Assim, esse tipo de mudança é chamada de mudança 1. Ou seja, tratam-se de modificações e estratégias que têm a ver com a mesma dinâmica na qual a pessoa se encontra e que se baseiam na retroalimentação negativa.
Por outro lado, também existe a mudança tipo 2, que é aquela que acontece de forma qualitativa e se baseia em uma retroalimentação positiva. Ou seja, aumenta os desvios e abre caminho para a formação de novas estruturas. Se levarmos em conta o exemplo anterior, seria o despertar do sonho. A única forma de sair do pesadelo seria uma mudança no sonhar, ou seja, uma mudança de realidade, de perspectiva.
Outro exemplo pode ser encontrado em uma consulta: os pais de uma criança pedem ajuda psicológica pois o rendimento escolar de seu filho caiu. Certamente eles já tomaram algumas ações antes de buscar ajuda, como castigar a criança, reduzir as atividades extracurriculares ou as saídas com os amigos.
Estas seriam mudanças tipo 1. O problema é que eles não conseguiram solucionar a situação. Entretanto, o terapeuta, após analisar e entrevistar os diferentes membros da família, observa que tanto a avó quanto a irmã mais velha foram morar na casa deles e isso mudou a dinâmica das relações entre todos os membros. No que consiste a mudança tipo 2? A forma de se relacionar com a família teria que ser modificada para que acontecesse uma adaptação à nova situação.
Talvez possamos entender melhor se pensarmos o seguinte: a pessoa começou a se sentir triste, apática, desmotivada e melancólica. Em sua tentativa de melhorar, decidiu se matricular na academia, sair mais e fazer atividades criativas, ou seja, todas essas mudanças são do tipo 1.
O problema é que, apesar de tudo isso, ela não conseguiu se sentir bem, e sim mais distraída. O que ela pode fazer? Introduzir uma mudança tipo 2: mudar sua perspectiva, sua visão da realidade e lidar com os seus sentimentos. Isso realmente vai possibilitar a ela uma mudança transformadora.
“A mudança é inevitável. A mudança para melhor é um trabalho de dedicação total”.
-Adlai E. Stevenson-
Henko: uma mudança, um novo destino
Como vimos, mudar é um fenômeno de várias dimensões, principalmente se quisermos provocar um henko. Assim, não basta apenas querer mudar e colocar em prática alguma ação diferente, é preciso antes analisar qual é a perspectiva que temos sobre o que está acontecendo.
Podemos pensar que a nossa visão de realidade é a correta e que o mundo deve se curvar e se comportar segundo nossos preceitos. Mas, como podemos ter tanta certeza disso?
Não é verdade que, diante de um mesmo acontecimento, duas pessoas podem observá-lo e explicá-lo de forma distinta? A verdade é que cada um de nós constrói e trabalha com uma realidade própria, particular, individual e dificilmente mutável. Sendo assim, por que não investigar outras visões para solucionar aquilo que nos aflige?
Não é fácil. Isso é verdade. Mas exatamente por sua complexidade, é preciso interpretar o sopro deste conceito com muita calma. Questionar a nossa visão de mundo não é algo que podemos fazer em pouco tempo e, de fato, não estaremos satisfeitos até que estejamos em harmonia com a nossa natureza intrínseca, essa que está livre de preocupações, medos e distorções. Assim, o verdadeiro bem-estar só é possível após superarmos nosso ego.
Uma mudança transformadora, um henko, é um exercício de coragem no qual enfrentamos a nós mesmos, a nossa comunidade, os esquemas que fomos construindo durante anos, as ideias que um dia fizeram a nossa vida mais fácil.
Neste sentido, somos o oponente mais complicado, mas também o que mais ensinamentos pode nos proporcionar e o que nos oferece a possibilidade de nos empoderarmos sem nos deixarmos levar por suas armadilhas e jogos mentais.
Por último, mesmo que a mudança seja uma constante em nosso universo, e que ser conscientes disso sirva para evoluir, o importante é iluminar os caminhos que servem como um crescimento, nos alimentando de aprendizado e ânimo por tudo que temos por descobrir.
Um henko é a oportunidade de renascer através da calma e da força mental.