Memória coletiva: as histórias dos nossos avós

Memória coletiva: as histórias dos nossos avós
Roberto Muelas Lobato

Escrito e verificado por o psicólogo Roberto Muelas Lobato.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Existem histórias que merecem ser compartilhadas. Muitas delas são transmitidas de geração em geração. A tradição oral serve para essa finalidade, para compartilhar as lembranças e interpretações de eventos passados. A transmissão dessas histórias vai constituir o que chamamos de ‘memória coletiva’, lembranças que várias gerações compartilham para que elas não sejam perdidas.

O que são as histórias? As histórias são representações do passado que estão reunidas em narrativas. Estas histórias que falam sobre um tema determinado apresentam uma trama com um início e um final bem definidos, possuem coerência sequencial e causal. Além disso, na narrativa aparecem os eventos considerados mais importantes. Quando uma narração é adotada por um grupo, como a interpretação do passado, ela se transforma em parte da sua memória coletiva.

Senhor lendo um livro

Distorções na memória coletiva

A memória coletiva não representa um relato objetivo ou neutro dos acontecimentos do passado. Estas narrativas compartilhadas são seletivas, elas lembram o que querem lembrar, e estão distorcidas, prevalecendo, em muitos casos, aquilo que é útil na realidade.

A memória coletiva pode servir para justificar as ações do presente. Partindo da tradição oral da memória coletiva, cada geração que a compartilha vai distorcendo mais a história inicial, adaptando-a às pretensões do presente.

Quando os avós falam das guerras passadas, eles contam os eventos dos quais mais se lembram, que deixaram uma marca mais profunda. Estes eventos relatados vão se moldar conforme a sua ideologia.

O partido da sua preferência, provavelmente, é o das vítimas, enquanto o outro partido vai ser da maioria dos opressores, dos culpados. As “batalhas dos avós” vão servir para explicar por que hoje temos algumas políticas ou comportamentos específicos.

Casal observando o mar

Tipos de memória coletiva

Apesar de destacar a transmissão das narrativas pela tradição oral, existem diferentes formas de transmissão. Elas correspondem a diferentes tipos de memória que formam a memória coletiva, que são as seguintes:

  • A memória popular: são as representações do passado transmitidas pelos membros da sociedade que se manifestam diretamente nas pesquisas de opinião pública.
  • A memória oficial: são as representações do passado adotadas pelas instituições formais. Esta memória se manifesta, por exemplo, nas publicações do exército, exposições em museus nacionais e livros de textos aprovados para o uso no sistema educativo.
  • A memória autobiográfica: é a das pessoas que experimentaram diretamente os acontecimentos relacionados com a história, tipicamente demonstrados através das lembranças e histórias orais. Esta memória é uma fonte primária de conhecimento sobre o passado.
  • A memória histórica: é a forma como a comunidade científica explica o passado com seus estudos.
  • A memória cultural: é a forma como a sociedade vê o seu passado através dos artigos dos jornais, as comemorações, os monumentos, os filmes e os edifícios, entre outros.

Os últimos quatro tipos de memória são os que mais influenciam a memória popular, enquanto a memória oficial, que representa as nações no âmbito internacional, influi nas relações exteriores.

Pessoas idosas

A memória coletiva dos conflitos

Quando falamos de um conflito, as narrações abordam os principais acontecimentos que iniciaram o conflito e que se desenvolveram durante o seu curso. Estas narrações vão ser coletivas e distorcidas. Elas vão proporcionar uma visão egoísta e simplista do conflito.

Geralmente, estas narrativas tratam de, pelo menos, quatro temas principais:

  • A deslegitimação do rival.
  • A imagem positiva do próprio grupo.
  • A apresentação do próprio grupo como a única ou principal vítima.
  • A justificativa do início do conflito.

Estas narrativas desempenham dois papéis importantes no conflito. O primeiro é interno. Quando um grupo adota tais narrativas, elas se transformam em parte da memória popular de seus membros. Como resultado, as narrativas influem nas reações psicológicas dos membros do grupo e, consequentemente, em suas ações.

Com uma alta probabilidade, estas narrativas vão ser negativas para o rival e positivas para eles mesmos. O segundo papel é externo, pois as narrativas apresentam o próprio grupo de forma positiva diante da comunidade internacional, na qual ele busca apoio.

Senhora tirando fotos

Consequências da memória coletiva

As narrativas que compõem a memória coletiva de um conflito muitas vezes inibem a resolução pacífica do conflito e a reconciliação entre as partes. Por um lado, os membros do grupo ficam desmotivados para assinar a paz com um rival que percebem de maneira negativa e como alguém pouco digno de confiança. Por outro lado, as narrativas distorcidas desanimam o rival a negociar com o outro grupo.

Como diz um provérbio árabe: “Se Deus nos criou com duas orelhas, dois olhos e uma única boca, é porque temos que escutar e ver duas vezes antes de falar. Não abra os lábios se não tem certeza do que vai dizer; o silêncio é mais bonito”.

A memória coletiva, na maioria dos casos, é egoísta e distorcida. Por isso, devemos levar todas as perspectivas em consideração. Conhecer todas as narrativas, inclusive as que são contrárias à memória coletiva, vai ajudar a compreender melhor os eventos passados. Também ajudará a entender qual é a função das narrativas e quais são os elementos que limitam ou impedem os acordos de paz.


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