Normopatia: o infeliz desejo de ser como os demais

A normopatia é um termo que demonstra que não há nada mais anormal do que uma obsessão por ser normal, por ser exatamente como os demais.
Normopatia: o infeliz desejo de ser como os demais
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

Não somos moldes. Não somos obrigados a ser como os demais, a nos misturarmos na multidão como um torrão de açúcar se dissolve em uma xícara de café. Nossa individualidade nos faz únicos e valiosos. No entanto, nos dias de hoje estamos sendo muitas vezes testemunhas – ou até mesmo vítimas – de uma normopatia muito marcada. Ou seja, uma necessidade quase obsessiva de ser como o resto, fazendo com que frequentemente nos tornemos objetos dentro de uma sociedade claramente material.

Poderíamos dizer que esse fenômeno não é novo. E claramente não é. No entanto, escritores e psicanalistas, entre eles Christopher Bollas, afirmam que o impacto da tecnologia está mudando o nosso pensamento, e inclusive a nossa personalidade. O que vemos na tela do nosso celular ou de um computador, por exemplo, tem um impacto imenso e avassalador em quem somos.

Em seu último trabalho, Bollas, uma referência dentro da teoria psicanalítica moderna, busca nos advertir de um aspecto muito específico. Ao nosso redor habitam um grande número de normopatas. São pessoas que não aprofundaram em nada a sua própria identidade, que não trabalharam nem um pouco em direção ao autoconhecimento e que vivem somente com um objetivo: conseguir validação social.

Essa meta envolve também deixar de lado a própria individualidade e tentar se encaixar, à força, no que os outros entendem como normal. Ou seja, ocorre a tentativa de imitar quase obsessivamente o que as outras pessoas fazem, dizem ou pensam dentro dos seus grupos e das redes sociais, do whatsapp ou de um círculo determinado, frequentemente fechado, de amigos ou de uma comunidade. Se fazem isso, essas pessoas obtêm um pouco de equilíbrio e tranquilidade psicológica.

Sair da norma, não poder se encaixar nesse molde inventado e impossível, traz para quem sofre de normopatia inevitavelmente um grande sofrimento. Além disso, em todo normopata habita também um sentimento perpétuo de melancolia, de vazio existencial. É a marca evidente de uma mente que não se atreveu a cortar o cordão umbilical, que não conseguiu desenvolver sua valiosa personalidade de maneira individual.

“A normopatia é o impulso anormal por uma suposta normalidade.”
-Christopher Bollas-

Máscaras das emoções

A normopatia é um exercício insalubre

Há algo muito curioso. Nós gostamos que digam que somos únicos e especiais. No entanto, na maior parte do tempo tentamos ser como os outros, encaixar no que é normativo, no que é esperado. Caso contrário, se optamos por ter voz própria, por agir de acordo com os nossos desejos e motivações, não demora muito até apontarem para nós.

Albert Ellis, o célebre psicoterapeuta cognitivo, costumava dizer que a chave para a felicidade está em aprender a ser nós mesmos em um mundo quase sempre injusto. De algum modo, queiramos ou não, somos obrigados a lidar com as vozes críticas, com as dificuldades grandes e pequenas e, é claro, com as injustiças.

Quem sofre de normopatia, por sua vez, não lida com nada, assume e se deixa levar. Só imita, obedece e confirma. Porque a normopatia é terrivelmente passiva e chega a racionalizar e concluir que são válidos atos e dimensões que, em muitos casos, são completamente ilógicos. O doutor Christopher Bollas, por exemplo, fala do caso de um jovem que tentou se suicidar só porque não era tão bom no futebol quanto seus amigos.

Vejamos a seguir mais dados que descrevem a normopatia.

Homem segurando quadros repetitivos

O que define a normopatia

O termo normopatia foi cunhado pela psicanalista Joyce McDougall, uma das maiores e mais importantes referências no campo da esquizofrenia infantil. Em seu livro Plea for a Measure of Anormality, introduziu essa palavra para definir, basicamente, o medo da individualidade.

  • São pessoas que buscam a todo momento a aprovação social, deixando de lado sua própria identidade e inclusive a sua dignidade.
  • Quase sem se dar conta, acabam criando um falso eu. É uma entidade focada só no exterior, em viver definida por aquilo que acontece no seu entorno mais próximo: amigos, comunidade, redes sociais…
  • Dessa forma, um estudo realizado por Howard Gardner e Katie Davis afirma que alguns dos jovens fazem uso do que definiram como “mentalidade app” – ou mentalidade de aplicativo.
  • Alguns adolescentes navegam por suas vidas da mesma maneira que navegam em seus aplicativos: com poucas opções, fazendo uso das mesmas ferramentas que os outros utilizam e evitando riscos inesperados.
  • A normopatia é sinônimo de sofrimento. Isso é algo que devemos ter muito claro. O normopata padece, sente-se sempre perdido e vazio. É um iletrado do mundo emocional e não sabe ainda como lidar com a frustração, a decepção, o fracasso…
  • Seu pensamento é operacional. Essa mentalidade app não permite que a pessoa reflita, e ainda menos que saiba como se abre a porta para um interior que não é só descuidado, mas totalmente inexplorado.

O que podemos fazer com a normopatia?

A normopatia é uma doença que se cura com o exercício da individualidade. O normopata é um indivíduo que renega a sua vida interior para se dedicar exclusivamente ao exercício do superficial, do vazio, da mais insensata imitação até se converter em um objeto. Cedo ou tarde chegará o sofrimento, a eterna insatisfação.

É aí que esse tipo de perfil será obrigado a pedir ajuda, a iniciar essa viagem para o interior na qual devemos trabalhar a autoestima, a identidade, os valores e a personalidade. A seguir acontecerá o momento em que enfim será cortado o cordão umbilical, para que a pessoa possa alçar voo como um ser livre, com sua própria direção, sua própria cadência, seu próprio rumo e particularidades.

O normopata pode ser curado, e ele se curará quando tomar plena consciência de que não há nada tão anormal quanto ser obcecado por ser normal.


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  • Bollas, Christopher. (2018). Meaning and Melancholia: Life in the Age of Bewilderment. New York and London: Routledge.

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