O dia em que meus pais me pediram para terminar com o meu parceiro

Quando meus pais descobriram que meu parceiro tinha transtorno bipolar, eles me pediram para deixar o relacionamento. Naquela época eu ainda morava com eles, estava na universidade e a convivência ficou muito tensa. Aprendi muito com esses momentos.
O dia em que meus pais me pediram para terminar com o meu parceiro

Última atualização: 20 abril, 2023

Meus pais sempre me dizem que tenho um defeito: preciso salvar todo mundo; tanto animais quanto pessoas. Eles me lançaram esse comentário com certo sarcasmo e até com resignação. Como se fazer uma amizade, apaixonar-se ou adotar um animal de estimação fosse um ato de caridade, quando são comportamentos altruístas que as pessoas realizam com o coração e autenticidade.

Essa visão de mim tem origem nos meus anos de faculdade. Eu tinha vinte e poucos anos quando conheci Ismael, um estudante de filosofia que adorava filmes clássicos, romances policiais e que ia ao psiquiatra uma vez por semana. Ele tinha o sorriso mais sincero que já conheci e, mesmo agora, há momentos em que sinto falta do jeito que ele olhava para mim.

Eu me apaixonei por ele lentamente. Não foi uma flechada, mas uma cumplicidade construída trimestre a trimestre através de infinitas conversas no refeitório da faculdade. A única vez que descobri o que ele passou a significar para mim foi quando ele desapareceu por duas semanas seguidas. Pouco tempo depois, soube que ele estava internado na ala psiquiátrica do hospital…

Minha família via a doença mental do meu parceiro como uma ameaça e tentou de todas as formas me convencer a deixar aquele relacionamento.

Menino pensando quando meus pais me pediram para deixar meu parceiro
Meu parceiro da universidade tinha transtorno bipolar e meus pais nunca aceitaram.

O rapaz que não dormia à noite

Ismael tinha 22 anos e foi diagnosticado com transtorno bipolar no ensino médio. Era Natal quando ele me explicou, estávamos na nossa cafeteria habitual e começavam a acender as luzes nas ruas. Lembro-me da sua expressão, estava pálido e debilitado depois daquela internação e mal exibia aquele sorriso contagiante e efusivo que tanto me cativava.

Eu estava estudando psicologia, então de certa forma já sabia o que estava acontecendo com ele. No entanto, uma coisa é ler em livros, manuais e notas o que é um distúrbio psicológico e outra é experimentá-lo. Iniciamos nosso relacionamento naquela mesma semana, com imensa efusividade, como se o mundo fosse acabar amanhã. Era como andar em uma roda-gigante, deixando que o coração batesse mais rápido sem respirar.

Ele raramente dormia, podia passar as noites conversando, lendo, criando, desenhando ou estudando. O desejo de sexo constante era outra característica naqueles tempos de hipomania. Em outros, mal encontrava forças para sair da cama, insistindo que queria largar tudo, sua carreira, nosso relacionamento, até a própria vida. Descobri que amar alguém com transtorno bipolar é como viver com três pessoas.

O companheiro e esse demônio mental que estragava tudo e enchia de escuridão. Porém, o outro desafio que tive que enfrentar foi o da minha família…

Embora alguns pacientes com transtorno bipolar tomem estabilizadores de humor, os altos e baixos podem acontecer.

Meus pais me pediram para deixar meu parceiro

No dia em que meus pais me pediram para deixar meu companheiro, eu estava com Ismael no pronto-socorro. Ele me ligou quando estava em casa depois do jantar porque não conseguia tirar da cabeça a ideia de se machucar. Peguei o carro e fui até a casa dele para levá-lo ao hospital. Ele havia se machucado e coloquei uma toalha em seu braço para estancar o sangramento. Ele ficou internado por alguns dias.

Quando voltei para casa, minha família pediu para eu sentar na sala, e aí começaram aquela conversa que nunca vou conseguir esquecer. Papai nunca foi bom em fazer discursos; ele era mais uma ameaça. Então quem falou primeiro foi a minha mãe. Ela me disse que esse relacionamento era perigoso, que a qualquer momento ele poderia me machucar e que a única coisa que poderia me trazer era infelicidade.

Minha família nem sabia o que era transtorno bipolar, só tinha a experiência da minha avó, que sofria de esquizofrenia. A ideia de que eu também tinha que lidar com uma pessoa com problema de saúde mental era algo que eles não podiam aceitar.

Enquanto eles conversavam, tudo o que pude ver foi uma mancha do sangue de Ismael em meu jeans. Tinha a forma da Austrália. Como era possível que meus pais nem me perguntassem como estava a pessoa que eu amava?

Casal se abraçando e triste representando quando meus pais me pediram para deixar meu parceiro
O estigma social continua a acompanhar muitas pessoas com doenças mentais, algo que piora ainda mais o seu bem-estar.

Amadurecer é saber decidir

Amadurecer é tomar decisões difíceis, e eu tomei a minha. Eu ainda morava com meus pais quando conheci o Ismael, mas quando eles me pediram para terminar com o meu companheiro, tive que sair de casa. Aquela conversa na sala não acabou bem. Quando a família nos decepciona, ficamos mais perdidos do que com raiva. É como se desabassem os alicerces que nos sustentam.

Eu afundei, mas o amor foi minha amarra e meu bote salva-vidas. Dessa forma, embora segundo meus pais a única coisa que eu desejasse fosse ser salva-vidas para um caso sem esperança, continuei com aquela relação. Voltei-me para Ismael como se fosse minha missão pessoal. Li e estudei tudo o que consegui sobre o transtorno bipolar, cuidei para que ele tomasse a medicação e pude até pressentir quando chegaria a hipomania ou a fase depressiva.

Aceitei em nosso relacionamento tudo de bom, de ruim e também de feio. Foram dois anos lindos, mas também duros, de ter que brigar com alguém que preferia me machucar do que me abraçar. Nos amávamos e trabalhávamos nessa relação, até que desisti, até que Ismael, talvez por mero impulso em sua fase maníaca, se relacionou com outra pessoa.

O amor teve prazo de validade, mas lutei por ele até achar conveniente sem me deixar levar pelas condições externas. Meus pais nunca entenderam, mas o mal-entendido deles é algo que não me preocupa. Todos devem lutar pelo que criam com alma, mente e coração. Essa é a minha lei da vida.


Todas as fontes citadas foram minuciosamente revisadas por nossa equipe para garantir sua qualidade, confiabilidade, atualidade e validade. A bibliografia deste artigo foi considerada confiável e precisa academicamente ou cientificamente.


  • Hetrick, S. E., Subasinghe, A., Anglin, K., Hart, L., Morgan, A., & Robinson, J. (2020). Understanding the needs of young people who engage in self-harm: a qualitative investigation. Frontiers in psychology10, 2916.
  • Nurnberger, J. I., Jr, McInnis, M., Reich, W., Kastelic, E., Wilcox, H. C., Glowinski, A., Mitchell, P., Fisher, C., Erpe, M., Gershon, E. S., Berrettini, W., Laite, G., Schweitzer, R., Rhoadarmer, K., Coleman, V. V., Cai, X., Azzouz, F., Liu, H., Kamali, M., Brucksch, C., … Monahan, P. O. (2011). A high-risk study of bipolar disorder. Childhood clinical phenotypes as precursors of major mood disorders. Archives of general psychiatry68(10), 1012–1020. https://doi.org/10.1001/archgenpsychiatry.2011.126

Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.