O Sexto Sentido: medo, angústia e superação

O que M. Night Shyamalan queria nos contar com seu imortal 'O Sexto Sentido'? Para este artigo, nós nos propusemos a assistir de novo ao filme para descobrir uma interpretação que vai além do suspense e que se conecta com as emoções mais profundas do ser humano.
O Sexto Sentido: medo, angústia e superação
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 05 novembro, 2022

Em 1999, o cineasta indiano M. Night Shyamalan não era muito conhecido. Assim, o filme O Sexto Sentido foi uma verdadeira surpresa.

Falamos de um filme com um toque de suspense sobrenatural que, ainda hoje, continua ocupando um lugar privilegiado dentro desse gênero. O Sexto Sentido contou com o reconhecimento da crítica especializada e o apoio do público, uma boa recepção que se traduziu em 6 indicações ao Oscar.

Shyamalan surpreendeu com uma história que pode ser lida dentro do gênero do terror, mas também de outros quadros emocionais raros no gênero, como o medo da morte ou a dor diante da perda de um ente querido.

Assim, o filme dá forma a uma história que mantém a expectativa e a tensão para terminar com uma mensagem ou uma moral que apela aos sentimentos.

Um final surpreendente

O filme foi muito exaltado pela sua surpreendente reviravolta final. Shyamalan já tinha nos deixado muitas pistas sobre esse final e era apenas uma questão de brincar com as peças do quebra-cabeça para que tudo se encaixasse.

Para aqueles que estão familiarizados com a filmografia do cineasta, não será uma surpresa encontrar esse fio condutor, com o qual ele continuou experimentando em outros filmes, como A Vila (2004) ou Corpo Fechado (2000).

Esses finais se transformaram quase em uma marca da identidade do diretor e representam um interessante jogo para o espectador.

O Sexto Sentido é um desses filmes facilmente reconhecíveis e populares que, como consequência, foram infinitamente parodiados.

Um exemplo seria a inesquecível frase de Cole (Haley Joel Osment) “Eu vejo gente morta”, que já faz parte do imaginário coletivo, comprovando que o cinema é um elemento fundamental da nossa cultura popular.

Neste artigo, não vamos nos prender tanto a essas questões. Tentaremos, na verdade, nos aprofundar na mensagem latente do filme. Por que o cinema sobrenatural tem tantos seguidores? 

AVISO: Podemos falar de spoilers em relação a um filme tão conhecido? Por precaução, informamos que o artigo está repleto deles.

O Sexto Sentido: uma história muito real

O Sexto Sentido conta uma história paranormal, destacando o fato de que se situa na própria contemporaneidade. Talvez na atualidade o bullying ou o divórcio sejam dois fenômenos reconhecidos, mas não era assim nos anos 90.

Não podemos nos esquecer de que muitos países, até meados do século XX, não contemplavam o divórcio em sua legislação. Desse modo, muitas das crianças que cresceram nos anos 1990 começaram a se acostumar a ter amigos (ou mesmo nós mesmos) com pais divorciados.

O número de divórcios foi aumentando com o tempo. Aquilo que em um momento eram casos isolados, agora faz parte da paisagem cotidiana.

Assim, quando O Sexto Sentido foi lançado, o divórcio, embora já fosse bastante comum, ainda não era tão comum em todas as partes do mundo.

Ao se tratar de algo relativamente recente, ainda não sabíamos quais consequências o divórcio acarretava para os filhos, nem dispúnhamos de muitos retratos desse novo modelo familiar.

No filme, a ideia do divórcio se manifesta, por sua vez, em uma de suas vertentes mais atuais: conciliar a vida profissional com a familiar. É isso que acontece com o Dr. Malcom Crowe, que teme ter perdido sua esposa por dedicar tanto tempo ao trabalho.

No entanto, seu medo não é outro senão a morte, a qual nega para se defender.

Cena do filme 'O Sexto Sentido'

A vida de Cole após o divórcio dos pais

O Sexto Sentido nos mostra o dia a dia de Cole e de sua mãe após a separação de seu pai, os problemas e as dificuldades que enfrentam e como isso afeta a vida escolar do garoto. A mãe de Cole precisa lutar sozinha para criar um filho que parece enfrentar uma infinidade de problemas.

Na escola, Cole sofre bullying, não consegue se enturmar com seus companheiros e é o objeto de todas as gozações. Exploramos a sua relação com os outros colegas e de sua mãe com as mães das outras crianças.

Tudo parece apontar para seus problemas familiares, embora a realidade seja muito diferente.

O tratamento que se dá ao bullying atualmente também não é o mesmo que era dado nos anos 90. Hoje em dia, tanto as escolas quanto as famílias parecem ter mais consciência de sua incidência e suas consequências.

O Sexto Sentido, muito além de sua trama paranormal, nos aproximou de uma realidade ignorada. Igualmente, boa parte da sociedade já não identifica com a loucura as pessoas que procuram um psicólogo.

Assim, nosso olhar da atualidade nos faz acreditar ainda mais no que estamos vendo, nesse suspense e na relação que o pequeno Cole mantém com a morte. Uma relação que fará todos os personagens do filme aprenderem o verdadeiro valor de suas vidas, a importância de se lembrar dos entes queridos e, por sua vez, de deixá-los ir embora.

Com personagens perfeitamente construídos e apoiados por um sólido roteiro, Shyamalan elaborou uma história cujo contexto se nutre da própria realidade, e o suspense mantém a expectativa até o último minuto.

O paranormal como elemento que traz esperança

A crença na vida além da morte, por mais assustadora que pareça, na verdade corresponde a um certo desejo. Se pensarmos, por exemplo, nas religiões, vamos perceber que a ideia da vida eterna está presente de diversas formas, seja como a existência de ‘outro lugar’, seja como a reencarnação, etc.

Essa ideia parece deixar nossa própria vida mais suportável, dificulta menos as despedidas e mantém essa esperança de que, após a morte, nos reencontraremos com nossos entes queridos.

O cinema e também outras manifestações artísticas, como a literatura, procuraram brincar com o terror em relação ao “além”. De alguma maneira, os mortos nos assustam mais do que os vivos porque a morte é o ‘desconhecido’, e o desconhecido sempre assusta.

No entanto, todos esses filmes que alimentam esse medo representam, por sua vez, uma espécie de encontro com a esperança. Sim, existem espíritos malignos que podem nos atormentar, mas essa existência significa que nunca morreremos completamente.

Como acontece em outros filmes de terror, como O Exorcista, o jogo de contrastes alivia nosso medo. A ideia do mal implica a do bem. A ideia da existência de algo além da morte se traduz em esperança.

O Sexto Sentido se nutre desse medo e brinca, ao mesmo tempo, com a esperança. Nem todos os fantasmas que aparecem para Cole são assustadores. Ele também vê, por exemplo, sua avó, embora nunca a vejamos em cena. O mal, às vezes, é apenas uma aparência.

Cole vai enfrentar seu medo e descobrir qual é sua verdadeira missão no mundo: aproveitar seu dom e ajudar o próximo. Ajudar esses fantasmas a encontrar a paz, a seguir seus caminhos no além.

A marca dessa tradição espiritual hindu se apodera de Shyamalan nesse retrato sobre o medo, a angústia e a dor, mas também sobre a esperança.

O discurso brinca com as nossas emoções, nos levando por um caminho de dor e tensão para se conectar com nossos sentimentos mais profundos. Todos nós tememos a morte, todos choramos uma perda e todos temos medo, seja da natureza que for.

Nossa vida não é mais do que um caminho cheio de obstáculos que devemos enfrentar e superar, assim como os personagens do filme.

A produção de Shyamalan é pausada, salvo pelos pequenos sustos que aparecem na tela. Sustos que, posteriormente, descobriremos que não são tão assustadores quanto poderiam parecer.

Cena do filme 'O Sexto Sentido'

O Sexto Sentido: muito além do suspense

A tensão é palpável desde os primeiros minutos do filme. Os males do mundo contemporâneo se apoderam dos personagens.

Fala-se de suicídio, de perda, de culpa, de assédio e, definitivamente, de angústia. Mas muito além de tudo isso, O Sexto Sentido é uma história de amizade, de amor ao próximo e a todos os indivíduos.

Não podemos nos esquecer daqueles que fizeram parte de nossas vidas, mas que não estão mais entre nós. Devemos aceitar a morte deles, deixando-os ir embora e mantendo-os vivos em nossa memória.

Cole e seu psicólogo se ajudarão um ao outro. Os dois vão aprender várias lições e vão acabar desenvolvendo uma grande amizade. O Dr. Crowe vai encontrar seu caminho na morte e Cole na vida.

O final nos surpreende e deixa uma porta aberta ao futuro; a um futuro com mais esperança para ambos, embora em mundos distintos. Os personagens vencem a dor e os obstáculos, e o fazem verbalizando seus conflitos, reconciliando-se com seus entes queridos e consigo mesmos.

Eu me lembro de que, na primeira vez em que assisti ao filme, me deixei levar pelo suspense. Eu me concentrei na história assustadora que perseguia o pequeno Cole.

Anos depois, após assisti-lo novamente e já conhecendo o final, apreciei um sentido muito diferente, mais distante do terror e da angústia.

O passar do tempo não deixou marcas no filme e assisti-lo é um enorme prazer, conhecendo ou não o final. Shyamalan nos presenteou com um despertar, uma história de terror que, ao mesmo tempo, é bonita.


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