Ser corajoso é juntar seus pedaços quebrados e se tornar mais forte
A vida nem sempre é fácil. Na verdade, quase nunca é simples ou parece ser. O que acontece é que a maior parte do nosso sofrimento está escondido em nosso interior, pois temos sempre a intenção de disfarçá-lo aos olhos dos outros. Só nós sabemos a localização exata de nossas feridas e quão vulneráveis elas nos tornam; somente cada um de nós pode curar a si mesmo, juntando os pedaços quebrados para ser corajoso e se tornar mais forte.
Tudo isso porque, apesar de um momento difícil nos rasgar por dentro, ele também representa uma oportunidade para tomarmos consciência, reestruturarmos a forma como entendemos o mundo e, depois de um tempo, nos reconstruirmos. A questão é: como fazer isso?
O peso do sofrimento
Ninguém está a salvo do sofrimento. Ele é esse estranho inquilino que de vez em quando explode em nossa vida sem anúncio ou convite prévio. E embora na maioria das vezes nós tentemos fugir dele ou escondê-lo no porão mais escuro a fim de ignorar sua presença, isso não o impede de continuar a nos afetar. Mesmo escondido nesse canto escuro ao qual o banimos, ele continua exercendo sua influência. Uma influência que, por outro lado, agora vemos menos, uma vez que a escuridão nos impede de identificar ou antecipar seus movimentos.
Alguns maquiam seus sentimentos negativos com sorrisos falsos, outros farão mil e uma atividades para que não tenham um minuto livre que os deixe pensar, e outros podem mentir para si mesmos com a intenção de corrigir seu desconforto. E dentro desses alguns e desses outros, também estamos nós, de maneira pontual ou como assinantes deste sentimento.
O problema é que, por mais obstáculos que tentemos colocar, o sofrimento cedo ou tarde entrará em cena com a intenção de nos quebrar. Seja através de uma dor física ou emocional.
Queiramos ou não, o sofrimento faz parte da vida. O perigo é quando ele se torna tão pesado e adota tantas formas que acaba por se prolongar no tempo e acaba se tornando um estilo de vida, manchando nosso dia a dia de uma cor cinzenta, quase negra.
Na verdade, a maior parte do sofrimento que sentimos (nem todo) se desenvolveu a partir de uma experiência de dor, o que não deixa de ser a vivência da perda de algo ou de alguém que amamos. Assim, quando não aceitamos essa perda, resistimos e insistimos que, de outra forma, estaríamos cedendo, sem saber, ao sofrimento; um sofrimento que é ao mesmo tempo dor e refúgio, quando chove no meio do luto e a água ensopa de tristeza até os ossos.
A morte de um ente querido, a ruptura de um relacionamento, a decepção com um amigo ou uma demissão são exemplos de perdas que nos prejudicam e que, com o tempo, nos fazem sofrer como se estivessem cravando um punhal diretamente em nosso coração. São feridas que, se não cuidarmos, nunca pararão de sangrar, até nos tornarmos peças quebradas difíceis de colar.
Como é possível ser corajoso nestes momentos e ter forças para seguir em frente?
O amanhecer da resiliência
Embora seja verdade que algumas pessoas desenvolvam distúrbios ou verdadeiras dificuldades como resultado de seu sofrimento, na maioria dos casos não é bem assim. Alguns podem até mesmo ressurgir fortalecidos após uma experiência traumática. Uma experiência que lhes causa dor, mas que também os faz crescer e a partir da qual eles, de alguma, forma tiram benefícios.
Um estudo de Wortman e Silver afirma que existem pessoas que resistem com força insuspeitada às investidas da vida. A razão reside na sua capacidade de resiliência, através da qual conseguem manter um equilíbrio estável sem que a experiência traumática e de dor afete seu desempenho e sua vida diária.
Isso nos leva a pensar que somos mais fortes do que pensamos. Que mesmo quando nossas forças vacilam há um pequeno raio de luz que nos ilumina para que possamos pegar nossos pedaços quebradas e, assim, nos reconstruir. É o amanhecer da nossa resiliência, o momento exato em que nossas dores e o peso do sofrimento dão lugar ao poder de cura de nossa força para resistir e refazer-nos novamente. Isso é ser corajoso.
Portanto, não se trata de ignorar o que sentimos, mas de aceitar o momento de dor como um aprendizado da vida e atravessá-lo com os olhos abertos para que eles se habituem, assim como acontece quando estamos na escuridão. Mesmo quando a vida nos atinge com grande intensidade e é capaz de nos quebrar, nossa capacidade de nos sentirmos fortes nos ajuda a superar o que estamos vivendo e a reconstruir nossa identidade, colando nossas peças quebradas, uma a uma.
Essa é a resiliência, uma das habilidades mais lindas que temos e que deveriam nos ensinar na escola. Aprender a curar nossas feridas, tratá-las com amor e extrair delas sua maior aprendizagem.
Ser corajoso para se reconstruir
Como vimos, florescer depois de uma tempestade de dor é possível, mas não é simples. É um processo complexo e dinâmico que, como o psiquiatra Boris Cyrulnik aponta, implica não apenas a evolução da pessoa, mas também o processo de restruturação de sua própria história de vida. Desta forma, existem alguns fatores que, se forem promovidos, aumentarão nossa capacidade de resiliência e nos ajudarão a recolher nossos pedaços quebrados para nos reconstruir:
- Autoconfiança e nossas habilidades de enfrentamento.
- Aceitar nossas emoções e sentimentos.
- Ter um objetivo significativo de vida.
- Acreditar que pode-se aprender não de só experiências positivas, mas também das negativas.
- Ter apoio social.
Além disso, Calhoun e Tedeschi, dois dos autores que mais pesquisaram sobre crescimento, sofrimento e dor pós-traumáticos, salientam que estas experiências nos causam mudanças não só individualmente, mas também em nossos relacionamentos e em nossa filosofia de vida.
Ser corajoso e enfrentar experiências de dor nos assusta, mas fugir delas só faz prolongar nosso sofrimento, que muda para uma forma mais perigosa. A verdadeira coragem consiste em continuar, apesar do medo, a avançar quando nosso corpo treme e se despedaça por dentro.
Na vida, necessitamos de tempo para assimilar o que aconteceu e estar sozinhos com o nosso sofrimento é uma forma de enfrentá-lo. Nesta solidão nasce a pausa que nos permite compreender, pois o importante é continuar adiante a passos largos, ou até a passos pequenos. Porque não é mais forte a pessoa que cai menos, mas a pessoa capaz de se levantar fortalecida a cada queda.