O sofrimento de não querer sofrer

O sofrimento de não querer sofrer
Gema Sánchez Cuevas

Escrito e verificado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Última atualização: 14 agosto, 2020

Pode parecer incrível, mas durante as últimas décadas foi sendo imposto, pouco a pouco, um mandato social que nos obriga a ser felizes acima de tudo. Não querer sofrer se transformou em uma ordem, à qual muitas pessoas aderem sem perceber aquilo que ela implica.

Atualmente muitos já falam na “ditadura da felicidade”, ou indicam, como diz a analista Ima Sanchís, que “a felicidade se transformou em um instrumento de tortura”. Paradoxalmente, a depressão nunca foi tão comum. De um modo ou de outro, não querer sofrer se tornou uma enorme fonte de sofrimento.

São muitos aqueles que sentem uma sincera aversão ao que chamamos de “negativo”. Não querem que ninguém possa falar sobre o seu sofrimento, que ninguém lamente ou mostre traços de pessimismo.

É como se todos nós estivéssemos em uma grande peça de teatro em que a dor fosse proibida. Como se, de repente, nós tivéssemos deixado de ser humanos. De certa forma, não querer sofrer é não querer viver.

“Talvez o sofrimento e o amor tenham uma capacidade de redenção que os homens tenham esquecido ou, ao menos, abandonado”.
– Martin Luther King –

A prisão de não querer sofrer

Poucas pessoas diriam, de forma consciente, que desejam sentir dor. Outra coisa acontece no plano inconsciente. O homem é o único ser que tropeça mil vezes na mesma pedra e caminha cego para situações que lhe causam sofrimento. Mas essa é uma outra história.

O ponto a ser tratado aqui é essa tendência de negação. A dor não é algo escolhido, faz parte intrínseca da vida. Tentar negar, fugir ou ignorar esse fato não vai nos tornar mais felizes. Ao contrário: pode ser o começo de uma dor muito mais difícil de superar.

O mais desconcertante desse atual desejo de não querer sofrer é que se trata de uma espécie de convite à simulação. Se perguntam “Tudo bem?” e você está mal, é obrigado a mentir. Sua resposta deve ser sempre “Muito bem”.

Alguns dizem que talvez assim você acabe se convencendo de que está bem, apesar de se sentir mal. No entanto, se você responder: “Mal. Eu estou sofrendo”, muitas pessoas vão se afastar de você como se estivesse com a peste.

Mulher em quarto cheio de água

A felicidade postiça

O psicanalista Luis Hornstein diz que muitas pessoas chegam ao seu consultório com padrões similares de sofrimento. A dependência excessiva dos outros, uma grave confusão de valores, altos e baixos significativos na autoestima, dificuldade de estabelecer relacionamentos saudáveis, etc.

Nós não estamos mais na época de Freud, quando chegavam ao consultório pessoas com doenças exóticas e bastante peculiares. Até mesmo o sofrimento se padronizou no mundo atual.

Também se padronizou o desejo de não querer sofrer. Por isso, muitas pessoas vão ao consultório para deixar de sofrer, e não para entender o sentido do seu sofrimento e aprender a lidar com ele.

Por isso, ao não conseguirem aquilo que é impossível, acabam renunciando à psicoterapia e mergulham em um amor cego, uma obsessão invasiva ou um cinismo evasivo.

Homem minúsculo em avião

Não podemos esquecer que todos nós precisamos do sofrimento para crescer. A dor emocional é aquilo que nos permite colocar no lugar as fantasias impossíveis e aprender a lidar com as limitações e as perdas.

Tanto as limitações quanto as perdas são constantes a partir do momento em que nascemos até a nossa morte. Aprendemos a nos superar quando enfrentamos o sofrimento, e não quando fugimos dele.

Aprendendo a ser felizes

A felicidade é algo que vai muito além de uma conquista pontual ou um instante de euforia. Também é muito mais do que aquelas pequenas frases positivas feitas para cada ocasião.

Conseguimos ser felizes quando aprendemos a extrair o melhor de cada uma de nossas experiências vividas. Quando aprendemos a confiar naquilo que vamos ser capazes de enfrentar, com nossos altos e baixos.

A maior felicidade reside em ser, não em parecer. Distingue-se pela atitude que a acompanha. É uma atitude serena, que fala de paz interior, de equilíbrio. Não é um fato constante, mas um trabalho permanente que adota uma perspectiva mais construtiva.

Nós somos um pouco mais felizes quando aceitamos que também somos seres vulneráveis, expostos à incerteza e submetidos à limitação. Não querer sofrer é o contrário de estar em condição de ser felizes.

Negar o sofrimento é negar a nós mesmos e renunciar ao crescimento que cada dor traz consigo para nos ensinar a sermos cada vez melhores.


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  • Allouch, J. (2006). Erótica del duelo en tiempos de la muerte seca. El cuenco de plata.


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