Você é livre, mas não sabe
Daqui de cima observo as figueiras que se estiram pelo canteiro central da avenida. Venta forte, talvez chova e, por alguns momentos, me parece mesmo que aquelas árvores de raízes enormes serão levadas como plumas pela brutalidade do vento. Que elas, pesadas e fundas, sairão por aí, contrariando tudo o que se sabe sobre figueiras.
Elas dançam, se curvam, ameaçam, mas não, elas não se vão. Estão há séculos ali, fincadas, fazendo sombra para si próprias, alimentando-se de floquinhos de luz, sendo o que nasceram para ser. Assim também seguimos, ameaçando dar passos que não damos, nos esticando em direção aos nossos sonhos, mas não o suficiente para agarrá-los.
Assim somos, por tantas vezes sem sair do lugar. O que nos prende? É a fundura de nossas raízes ou a rasura de nossos medos? Os amores que nos calharam aceitar; o emprego que paga as contas, mas adoece o peito; os amigos nem tão amigos cuja maldade aprendemos a tolerar; tudo ao que nos acostumamos se torna nossa prisão voluntária.
E as figueiras seguem as mudanças da estação, fingindo que se tornam outras, fingindo-se diferentes, fincadas no canteiro central. Assim, fomos criados para sermos a sombra dos sonhos dos outros. O mundo está aí, sussurrando baixinho.
Contrarie tudo o que se sabe sobre você. Cale as suas próprias ameaças e vá. Ao contrário das figueiras, nossas raízes estão plantadas no solo de nossos corações, mas nossos passos são livres. Perigosamente livres. Gosto de pensar que se não soubessem que são figueiras, o canteiro central agora estaria vazio. Todas soltas por aí.