'A Experiência': a natureza humana

'A Experiência': a natureza humana
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 27 janeiro, 2023

A Experiência é um filme alemão de 2001 dirigido por Oliver Hirschbiegel, baseado na obra The Black Box que, por sua vez, é inspirada em uma experiência real realizada em Stanford em 1971. Esta experiência foi infinitamente questionada e, embora o filme esteja distante do que realmente aconteceu, nos leva a perguntar como a natureza humana realmente é: somos bons ou maus? Existem pessoas boas e más? Sem dúvida, é um filme em que filosofia, ética, moral, sociologia e psicologia andam juntas.

O filme começa apresentando Tarek Fahd, um taxista com problemas financeiros que decide ganhar um dinheiro extra participando de uma experiência. Além do dinheiro que a experiência irá fornecer, ele decide colaborar com uma publicação para a qual trabalhou anteriormente e gravar tudo o que acontecer durante a mesma. O dinheiro será o único a mover os participantes a colaborarem como cobaias em um experimento que acabará por destruir suas vidas.

Os participantes são dos mais diversos: um taxista, um funcionário de uma companhia aérea, um executivo, um imitador de Elvis, etc. Todos eles estão em busca de uma nova experiência e, principalmente, de uma compensação financeira. Estes participantes serão submetidos a vários testes psicológicos e muitas entrevistas, que levarão à atribuição de um papel: carcereiro ou prisioneiro. Vemos que alguns participantes mostram inseguranças, outros uma grande autoconfiança… Tudo isso vai ajudar os médicos encarregados do experimento na atribuição das funções específicas.

Nenhum dos participantes esteve na prisão antes, nenhum deles parece ser uma pessoa fora do “normal”. Todos têm uma profissão, uma família… Em suma, uma vida muito comum. Quando se encontram na sala de espera, antes que saibam os papéis que serão atribuídos a eles, todos parecem se envolver em uma conversa agradável e parecem interessados em conhecer uns aos outros. No entanto, o que a princípio parecia um simples jogo acabará se tornando um verdadeiro pesadelo que nos fará reconsiderar algumas questões sobre a natureza humana.

“O homem não deveria intervir na natureza, mas sempre o faz.”
– A Experiência –

A experiência da prisão de Stanford

O experimento que deu origem ao filme foi realizado na Universidade de Stanford (Estados Unidos) em 1971. Coordenado pelo professor Zimbardo, contou com a participação de 24 estudantes, todos eles estáveis psicologicamente. No entanto, a experiência não demorou a sair do controle porque as pessoas que participaram da mesma estavam completamente imersas nos papéis que lhes foram atribuídos.

A experiência foi muito questionada e criticada por ultrapassar os limites éticos, mas os resultados foram tão surpreendentes que nos fazem questionar nosso próprio papel na sociedade. Como é possível que indivíduos totalmente normais e sensatos acabem recorrendo ao sadismo e à violência extrema? O que acontece quando privamos um indivíduo de sua liberdade?

Cena do filme 'A Experiência'

Muitos dos participantes sofreram graves sequelas psicológicas: aqueles que assumiram o papel de prisioneiros, na sequência, mostraram resignação e submissão; enquanto isso, os guardas começaram a abusar de seu poder e a aplicar punições muito cruéis. O filme mostra um pouco desta experiência, mas apresenta algumas diferenças:

  • Os papéis atribuídos na experiência original foram aleatórios; no filme, suas posições foram dadas em resposta a uma série de testes realizados sobre os participantes.
  • Na experiência de Stanford, os prisioneiros foram presos como se tivessem cometido um crime real. Isso não acontece no filme; os papéis são simplesmente atribuídos após o aceite de participação.
  • No filme, a única segurança que observamos é das câmeras de vigilância e dos três médicos que acompanham o experimento sem interferir. Em Stanford, o próprio Zimbardo participou como superintendente, além de existirem dois policiais reais supervisionando o processo.

A experiência e os papéis sociais

A Experiência nos transporta para uma cadeia fictícia. Os cenários são frios, não existem cores quentes em qualquer momento do filme, mesmo antes do início do experimento. Os 20 participantes deverão passar 14 dias em uma prisão fictícia; os carcereiros não recebem ordens, com exceção de uma pequena regulamentação prisional, mas podem agir da forma como acharem conveniente caso um recluso desobedeça, ainda que sejam avisados de que não devem recorrer à violência.

Os presos, por outro lado, são completamente destituídos de sua identidade; passam de ter um nome a serem simples números, devem se desfazer de suas roupas íntimas e vestirem apenas um manto fino, comparado ao uniforme dos guardas. No início, muitos deles tomam a situação como uma piada, acreditam que é apenas um jogo e que em poucos dias poderão voltar para suas casas e retomar suas vidas com normalidade total (e com um dinheiro extra).

“A experiência não é dolorosa, eles sequer tomaram medicação. Trata-se da definição de papéis comportamentais em uma prisão”.
– A Experiência –

No entanto, a partir do momento em que os papéis são atribuídos, vemos que alguns participantes começam a levá-los a sério, tornando-se mais submissos se são prisioneiros, ou mais agressivos e autoritários se são carcereiros. O filme vai adquirindo um tom cada vez mais dramático e claustrofóbico, mostrando-nos o sadismo, o abuso de poder dos carcereiros e o sofrimento dos prisioneiros.

Alguns dos prisioneiros acham mais difícil assumir o seu papel; no entanto, os carcereiros parecem se sentir bastante confortáveis nos seus. A maioria dos carcereiros são pais, têm uma família, um bom trabalho… mas diante de uma situação de poder, agem de uma forma que nunca teriam imaginado, chegando à mais extrema violência e sujeitando os prisioneiros a práticas atrozes.

Cena do filme 'A Experiência'

“Você viu? Eles fazem tudo que dizemos a eles”.
– A Experiência –

À medida que os dias avançam, a situação torna-se mais complicada, os abusos são cada vez maiores, assim como o sofrimento dos prisioneiros. De certa forma, Tarek propicia algumas dessas situações, tentando registrar uma boa história para o seu jornal, embora vejamos que os delírios e ideias de possíveis conspirações vão tomando conta de todos os participantes, fazendo com que atuem de forma mais imprevisível.

Um dos personagens que mais chama a nossa atenção é Berus, um homem que trabalha para uma companhia aérea, algo que nos faz pensar que é psicologicamente estável. No entanto, será o mais cruel dos guardas e líder do grupo de carcereiros; uma liderança que os outros aceitarão sem questionar.

A Experiência apresenta uma sociedade privada de liberdades, onde as pessoas são reduzidas a números, perdendo sua identidade; um papel é atribuído e, consequentemente, as pessoas agirão em conformidade. Mesmo sabendo que não é algo real, os participantes acabam assumindo esse papel.

Cena do filme 'A Experiência'

Mesmo que possamos pensar em milhões de possíveis respostas e nos conhecer perfeitamente, não podemos prever como agiríamos em uma situação que está totalmente fora de controle ou do comum. Parece que muitos assumimos que existem pessoas boas e más; além disso, provavelmente não nos consideramos pessoas más, mas será que realmente conhecemos nossa natureza?

O filme e a própria experiência nos levam a considerar se somos verdadeiramente livres, se possuímos esse livre arbítrio do qual tanto se fala na filosofia, se conhecemos a natureza humana… Agimos com total liberdade? Talvez sejamos simplesmente vítimas de um papel que nos foi atribuído. A Experiência nos convida a levantar inúmeras questões sobre a nossa própria natureza e liberdade.

“Eu tenho livre arbítrio, mas não porque eu o escolhi. Nunca escolhi livremente ter livre arbítrio. Portanto, tenho livre arbítrio; querendo, ou não.”
– Raymond Smullyan –


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