A Favorita: uma competição pelo poder
O último filme do cineasta grego Yorgos Lanthimos, A Favorita (2018), está repleto de intrigas palacianas, poder e de uma poderosa presença feminina. A opulência e os excessos da realeza do século XVIII são perfeitamente combinados com uma linguagem do século XXI. Uma viagem ao passado para contar a história a seu gosto.
Longe de outros filmes de época com um tom sério – quase mofado –, Lanthimos se atreve com um filme diferente, satírico e não isento de anacronismos quebrados pela trilha sonora com clavicórdio para nos levar de volta ao ambiente palaciano.
Abigail (Emma Stone), Sarah (Rachel Weisz) e a rainha Ana (Olivia Colman) compõem o triângulo central no qual a trama se baseia. Três personagens perfeitamente desenhados, detalhados e envolventes, encarnados por três atrizes que não apenas estão à altura, como também brilham de maneira especial.
A rainha Ana manteve uma amizade especial com Sarah Churchill, duquesa de Marlborough. A duquesa se tornou a mão direita da rainha e conquistou uma grande importância política, mas a rainha e Sarah eram muito mais que boas amigas, eram amantes. Ou, pelo menos, foram amantes até que a prima de Sarah, Abigail Masham, em uma desesperada tentativa de restaurar sua posição social, ocupou o lugar de Sarah.
A partir dessa história baseada em fatos reais, Lanthimos constrói A Favorita imaginando como seria a vida no palácio e a rivalidade dessas duas primas lutando pelo coração – ou pelos favores – da rainha. Vemos um escárnio aos antigos valores, uma sátira picante, que se atreve a falar abertamente e deixar voar a imaginação.
O diretor de Dente Canino (2009) já deixou claro que gosta de brincar com a estranheza e até incomodar o espectador. Em A Favorita não existem personagens cativantes, nem personagens aos quais possamos nos afeiçoar. Há paixões, invejas, mentiras e muita ambição.
A Favorita, uma caricatura do palácio
As imagens são uma forte carga narrativa em A Favorita. O olho de peixe deforma, em parte, os espaços e, consequentemente, a realidade. Ao mesmo tempo, nos permite ter uma visão mais ampla desses salões ostentosos e exagerados.
O figurino e a maquiagem desempenham outro papel fundamental em termos visuais. Os contrastes entre as roupas e os aposentos dos criados com os da realeza servem para reafirmar as desigualdades e nos ajudar a compreender as motivações de seus protagonistas.
Abigail era uma dama, mas perdeu tudo. Por isso, vai ao palácio em busca da ajuda de sua prima Sarah. Ela vai começar bem de baixo e acabará se aproximando bastante da rainha Ana.
A Favorita diz muito com sua estética, tudo funciona perfeitamente em seu conjunto. O roteiro e os jogos de luzes são apoiados, por sua vez, por uma música que intensifica os momentos de tensão, acompanhando a todo momento o que vemos na tela.
Um deleite estético que, de alguma maneira, lembra profundamente o mítico Stanley Kubrick e, especialmente, filmes como Barry Lyndon (Kubrick, 1975). Tudo é detalhadamente medido, da fotografia à maquiagem, todos os elementos são um forte suporte narrativo.
A Favorita não se resume apenas ao puramente visual, pois os personagens foram dotados de uma grande profundidade e têm interpretações à altura da sua complexidade.
Em meio a uma trama de poder e ambição, que vai sendo construída no âmbito de certos conflitos políticos, A Favorita nos presenteia, além disso, com uma comédia. Uma comédia sutil, mas contundente, que satiriza a realeza e aquela imagem excessiva e frívola do século XVIII.
Monarcas absolutamente inúteis e entediantes cujo único entretenimento é assistir uma corrida de patos ou jogar frutas em um homem nu. Os homens, diferentemente de outros filmes de época, ficam relegados a um segundo plano e são apresentados como seres bastante inúteis que vivem das aparências.
A questão é que o artifício da época é incontestável. Roupas e maquiagens bastante ridículas e decorações absolutamente excessivas nos fazem lembrar, várias vezes, quem manda naquele lugar. A vida no palácio atraía artistas de todo tipo que compunham obras – música, pintura ou teatro – com o único objetivo de deleitar a realeza, deixando a arte confinada ao palácio. A Favorita debocha de tudo e utiliza o sarcasmo para ridicularizar as monarquias.
A luta pelo poder
O triângulo amoroso que dá vida ao filme representa, além disso, uma árdua e vil luta pelo poder. Um poder que cai nas mãos de mulheres que não se conformam com o papel que lhes foi designado. Uma história sobre moralidade e corrupção na qual Lanthimos constrói e destrói a imagem que temos dos personagens. Você não se afeiçoa a nenhum, mas também não chega a odiá-los.
A rainha Ana pode parecer a personificação do despotismo, mas, com o tempo, descobrimos que ela está imersa em uma profunda depressão. Nem mesmo o poder e os luxos conseguiram fazer Ana feliz. Vemos uma mulher doente cuja sanidade vai se desfazendo em pedaços. Ela é extremamente infantil e não tem um pingo de autoestima.
A tragédia atingiu a vida de Ana em muitas ocasiões e, de alguma maneira, podemos entender sua atitude – embora seja de uma moralidade questionável.
Sarah é apresentada como a antagonista absoluta, a personagem que temos que odiar desde o início. É interesseira e aproveitadora, absolutamente manipuladora, mas , pouco a pouco, começamos a sentir pena dela.
O oposto acontece com a jovem Abigail que, depois de ter perdido tudo, conhece o mais baixo nível na escala de poder. Sentimos pena e queremos que seus planos sigam em frente, compreendemos que sua situação é injusta, até descobrirmos a profundidade das suas intenções.
O poder corrompe? Até que ponto o ser humano é capaz de chegar para alcançar seus objetivos? A Favorita não nos permite nos posicionar. Quando parece que gostamos de um personagem, somos apresentados a uma face menos agradável dele. Porque, no fim, em um mundo de desigualdades, todos querem estar no topo. Não importa se você é homem ou mulher, a única coisa que parece importar é o poder, o controle.
Lanthimos leva seus personagens ao extremo, a limites inesperados… O espectador tem todas as chaves, pois vai conhecendo detalhadamente os segredos do palácio, descobrindo toda a hipocrisia que se move pelos seus aposentos.
As metáforas se apoderam da cena, tudo é perfeitamente medido e calculado, desde os coelhos até os cavalos. Tudo para que, no final, por meio de uma poderosa cena, A Favorita nos lembre de que sempre haverá alguém acima de nós. No mundo do poder, não há lugar para a moralidade e sempre haverá alguém em quem pisar.
Enquanto uma guerra está se formando para além das fronteiras, entre os muros do palácio uma verdadeira luta pelo poder acontece. Uma guerra de paixões e mentiras. A Favorita triunfou no Festival de Cinema de Veneza e, com 10 indicações ao Oscar, conquistou sua posição como um dos grandes filmes de 2018.
Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone estão magníficas nessa competição pelo poder e pelos favores da rainha, sem desmerecer as interpretações masculinas. Em suma, uma exibição de ostentação, de sátira e de manipulação que compõe um filme que nos prende, que ridiculariza tudo e que mostra o pior da humanidade.
“Sempre há um preço a pagar, e eu estou disposta a pagá-lo”.
–A Favorita–