A história de Neve, o bebê de nossos ancestrais pré-históricos

Neve era uma bebê que morreu 40 dias após o nascimento. A forma como ela foi enterrada, há 10 000 anos, demonstrou grande amor e respeito por esta pequena. Ela foi deixada com conchas e muitos pingentes costurados em suas roupas delicadas.
A história de Neve, o bebê de nossos ancestrais pré-históricos
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 março, 2023

A perda de um bebê é possivelmente uma das experiências mais devastadoras para todo ser humano. Agora ou no passado. Isso é algo que podemos apreciar até em um enterro de mais de 10.000 anos atrás, que acaba de ser descoberto na caverna de Arma Veirana, na Itália. É o túmulo mais antigo da Europa já encontrado e nele está uma criança que morreu 40 dias após seu nascimento.

Os arqueólogos batizaram essa menina de Neve (neve em italiano) a quem nossos ancestrais homenagearam de forma delicada, espiritual e amorosa. A sua família concedeu-lhe um enterro muito especial, revelando não só a dor que esta morte lhes iria causar, como também o reconhecimento dos recém-nascidos como parte integrante do grupo social.

Sua cosmogonia, sua forma de entender a morte, assim como suas práticas fúnebres, já são um vislumbre muito próximo da humanidade atual. Não importava que esta criatura tivesse apenas algumas semanas de vida. Ela era considerada um membro importante da hierarquia social e, portanto, toda uma série de ornamentos e ritos foram orquestrados para ela.

Uma equipe de arqueólogos, liderada pelo explorador da National Geographic Jamie Hodgkins, encontrou o túmulo de criança mais antigo da Europa. Com esta descoberta deduz-se que os nossos antepassados ​​mesolíticos valorizavam igualmente meninos e meninas.

caverna onde Neve estava
Neve foi descoberta em uma caverna na Ligúria (noroeste da Itália).

Neve, a bebê com conchas na roupa

Os restos materiais que encontramos em um sítio arqueológico são como uma janela para entender nosso passado. Eles são uma âncora para entender como tem sido nossa evolução em quase todos os aspectos: desenvolvimento cognitivo, social, tecnológico, biológico, cultural e até espiritual.

A verdade é que esta caverna na Ligúria, na Itália, no noroeste da Itália, é estudada há anos. As escavações começaram a fornecer dados interessantes em 2017, justamente quando se chegou a um trecho muito específico, no qual foram encontradas múltiplas conchas. Elas foram perfuradas e alguns pareciam estar inseridas no que parecia ser uma pequena mortalha…

Aos poucos, os pesquisadores desenterraram pequenos ossos humanos. Era uma bebê envolta em um pano contendo toda uma série de objetos rituais fascinantes. A análise de DNA revelou que ela era uma menina e que pertencia a uma linhagem de mulheres européias conhecida como haplogrupo U5b2b.

Neve estava envolta em um pano enfeitado com conchas. Acredita-se que a menina viajava com a mãe numa espécie de banda da época para carregar os recém-nascidos.

A perda dos caçadores-coletores mesolíticos

O Mesolítico é a fase que se seguiu à última era glacial e na qual a caça e a coleta eram o principal modo de vida. Foi um período difícil, mas também decisivo para a nossa evolução. Não só as técnicas de trabalho em pedra melhoraram, como começaram a aparecer grupos mais sedentários, fenômeno que facilitou a consolidação de grupos sociais e suas hierarquias.

Nossos ancestrais nessa época foram forçados a lidar com temperaturas extremamente baixas, o que muitas vezes dificultava a obtenção de alimentos. Sabemos pelas análises que a mãe de Neve tinha uma alimentação à base de plantas e que já durante a gravidez a menina teve problemas de desenvolvimento.

A causa exata de sua morte não é conhecida, mas sabemos sem dúvida que as duras condições em que viviam tornavam frequentes as mortes neonatais. Tanto que já se viu que, devido ao estresse, a formação de seus dentes sequer ocorreu. Esta família de caçadores-coletores teve que enfrentar sua perda muito cedo.

Um enterro muito especial

Neve foi envolta em uma mortalha e enterrada na parte mais profunda da caverna Arma Veirana. No pano que a cobria havia sessenta conchas que deviam estar presas ao tecido. Além disso, ela tinha vários pingentes com ela e também uma garra de uma coruja de águia. É interessante saber que esse cenário não fica exatamente próximo ao litoral, então essas conchas tiveram que ser recolhidas e guardadas ao longo de suas viagens e deslocamentos como itens preciosos.

O enterro foi minucioso e muito cuidadoso, o que nos faz pensar que exigiu um intenso investimento material e emocional por parte do grupo. As peças estavam furadas, colocadas em forma de colar e delicadamente presas à mortalha que envolvia a bebê. Por outro lado, se deduz que a garra da coruja deve ter simbolizado para eles um elemento de poder ou proteção.

Este enterro remete-nos para aquele momento do passado em que uma família teve de se despedir do mais novo membro. A uma menina a quem dedicaram um lindo enterro para simbolizar o carinho e a importância que deram à sua vida.

Nossos ancestrais nos deixaram uma mensagem pensativa e muito bonita neste enterro na caverna da Ligúria: mesmo uma pequena vida, breve e frágil deve ser reverenciada, amada e cuidada.

família da neve
A descoberta da bebê Neve nos revela que mesmo os membros mais jovens tinham um “eu individual”, valor moral e importância social para o grupo.

Maternidade na pré-história

Não é fácil encontrar sepulturas de  bebês da pré-história. O caso de Neve é ​​único e excepcional, de fato, é o mais antigo encontrado na Europa. A pesquisa sobre essa descoberta revela o quão incomum é o fato de que até mesmo a mortalha em que a menina estava envolvida pôde ser preservada.

Além do mais, os especialistas conseguiram deduzir que Neve viajava em uma espécie de tipoia com sua mãe, e que isso poderia facilitar a coleta e a busca de comida de sua mãe. A maternidade no Mesolítico não era fácil, mas como hoje, buscou-se a todo momento manter os bebês bem próximos, pele a pele se possível.

Não sabemos o que aquela mãe sentiu quando Neve faleceu, mas é fácil adivinhar. Todo o ritual, esmero e dedicação que foi realizado para embelezar e enfeitar a menininha sem vida, denota o carinho de sua família. Desta descoberta aprendemos, mais uma vez, o quão valiosa é a vida humana, por mais breve e frágil que seja…


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