A Origem: os traumas se infiltram nos nossos sonhos

A Origem: os traumas se infiltram nos nossos sonhos
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 27 janeiro, 2023

‘A Origem’ é um filme de ficção científica dos EUA do ano de 2010, escrito, produzido e dirigido pelo britânico Christopher Nolan, conhecido por tratar de temas de psicologia em seus filmes. Em ‘A Origem’ mergulhamos no mundo dos sonhos, do subconsciente e na projeção que os traumas têm nele. O filme teve uma aceitação muito boa pelo público e despertou inúmeros debates sobre o seu final.

Dom Cobb (Leonardo DiCaprio) é especialista em sonhos, capaz de extrair ideias dos sonhos de outras pessoas. Não se trata de entrar no sonho de outra pessoa, mas de gerar um sonho compartilhado e, dentro do sonho, aplicar um plano. Para isso, várias pessoas são necessárias: o sonhador; o arquiteto, encarregado de projetar o sonho; e o indivíduo de quem você deseja extrair a informação através do seu subconsciente.

Dentro do sonho, também encontramos outras pessoas que nada mais são do que projeções do subconsciente do indivíduo a ser acessado. Essas projeções tentarão se defender contra as mudanças que percebem, podendo se tornar muito violentas, especialmente em indivíduos treinados para impedir que outras pessoas entrem em sua mente. Christopher Nolan não é inspirado por uma teoria particular, não segue nenhuma linha de pesquisa, mas toma diferentes elementos de teorias distintas e estabelece sua própria lógica dos sonhos.

Dom Cobb, além de extrair idéias do subconsciente de uma pessoa, pode implantar uma nova ideia nele, algo que é conhecido como “origem”. No entanto, esta prática é muito mais arriscada e suas conseqüências podem levar à loucura ou obsessão com a pessoa em questão. O problema é que, para conseguir isso, eles têm que avançar através de três níveis diferentes de sono e o indivíduo deve acreditar que essa ideia surgiu de si mesmo, ele nunca pode suspeitar que ela tenha sido implantada.

O filme apresenta esses sonhos como algo falso, algo pré-fabricado. Em ‘A Origem’, não se indaga a natureza do sonho, e sim o fato de que os sonhos são feitos com um fim. Dom Cobb e seus companheiros terão que implantar uma idéia na mente do herdeiro de um império de negócios e, assim, ajudar seu principal concorrente. O filme entra no mundo dos sonhos e nos mergulha em um enredo cheio de ação.

A estrutura dos sonhos em ‘A Origem’

‘A Origem’ nos leva através de vários sonhos induzidos que são compartilhados por várias pessoas, com o objetivo de obter alguma coisa. Para sair desses sonhos, existem três maneiras: o fim do sonho que leva ao despertar; morte no sonho, não na realidade, que fará com que acordem; e, finalmente, o chute, isto é, aquele momento em que sentimos que caímos e acordamos. Em ‘A Origem’, os chutes serão sincronizados e acompanhados pela música ‘Non, je ne regrette rien’.

No filme, existem diferentes níveis de sono, um dentro do outro. Para alcançar a origem, eles devem passar por três espaços de sono diferentes, alcançar o fundo do subconsciente do indivíduo e implantar a ideia. Para atingir esses níveis, eles precisarão de um forte sedativo que os induza a um sono muito profundo. O principal problema é que, nesses níveis de sono, a morte não os fará acordar, mas os levará a um espaço de sonhos conhecido como limbo.

Cena do filme 'A Origem'

No limbo, o tempo passa muito devagar, tanto que, para a pessoa que entra, será infinito. O tempo nos sonhos não é o mesmo de quando estamos acordados, podem passar 10 minutos, mas no sonho parecerão horas. Quando sonhamos, vivemos tudo o que acontece como real. No filme, vemos que a dor está na mente e que todas as sensações experimentadas no sonho são percebidas como reais. Se você for ferido em um sonho, a dor será real no sonho; e se você vive uma vida infinita, a percepção disso será real.

Os indivíduos devem evitar morrer no sonho porque, mesmo que não seja uma morte real, eles passarão para um novo nível de sonho no qual acreditarão que viverão uma vida inteira. A estrutura dos sonhos que ‘A Origem’ representa é semelhante a uma boneca russa, na qual, quanto mais interno o plano do sonho, maior a duração do tempo da natureza do sonho. Em tempo real, eles vão passar dez horas dormindo, mas no tempo dos sonhos eles vão passar uma semana no primeiro nível, seis meses no segundo e dez anos no terceiro. A estrutura desses sonhos é influenciada por Lacan e até por Saussure, autores que propõem uma estrutura linguística na qual os sonhos são sentenças subordinadas, ou seja, uma dentro da outra.

Cobb e sua equipe, para não caírem na loucura e sempre saberem se estão sonhando ou não, têm um totem. Cada um deles tem um objeto pessoal e intransferível, do qual eles conhecem todas as suas características, seu peso, sua textura, sua cor … Desta forma, eles saberão se estão sonhando ou não. Nos sonhos, esses totens podem sofrer modificações, por exemplo, no peso, na maneira como eles caem no chão, etc. É importante que apenas o proprietário conheça todas as características do totem para evitar cair em engano e sempre saiba em que estado se encontra.

Cena do filme 'A Origem'

A projeção dos traumas em A Origem

A palavra trauma vem do grego e significa ferida. Assim, associamos traumas a feridas emocionais que deixaram uma marca no indivíduo. Além disso, em alemão, Traum significa sonho. Freud foi um dos primeiros a investigar como os traumas são representados no inconsciente. De acordo com isso, acessamos o inconsciente através de sonhos, onde os traumas estão disfarçados ou censurados.

Seguindo Freud, esses traumas teriam uma representação simbólica no inconsciente, ou seja, quando aparecem disfarçados, precisam ser interpretados. No entanto, no filme de Nolan vemos que não existem tais símbolos, o inconsciente defende-se de potenciais intrusos, mas não é um lugar onde traumas são “disfarçados”, e sim um lugar onde as idéias do indivíduo são protegidos e as projeções são as que atacam os invasores. Para aprofundar a análise do filme, sou forçado a dar um spoiler, então se você não assistiu, eu recomendo que você pare de ler agora.

Cena do filme 'A Origem'

As projeções são geralmente associadas a pessoas conhecidas pelo indivíduo. No caso de Cobb, vemos que sua falecida esposa aparece constantemente nos sonhos tentando sabotar seus planos. Essa projeção não é apenas a imagem que o protagonista tem da sua esposa, mas o reflexo de uma parte de si mesmo. Cobb tem sentimentos mistos sobre a morte de sua esposa, sente-se culpado, triste, frustrado … e isso é algo que pode se esconder na vida real, mas não em seu inconsciente, por isso não é de se estranhar que sua esposa apareça mesmo em sonhos pré-fabricados.

Nesse ponto, Nolan aproxima-se um pouco da corrente junguiana, nos mostrando que as projeções do inconsciente têm um componente do eu. Cobb não só vê sua esposa, mas sua própria culpa pela morte dela. Ele também aborda Jung na idéia de labirintos, já que a estrutura ou o design do sonho deve se aproximar do labirinto.

Os sonhos eram vistos como algo místico e, mais tarde, receberam uma explicação racional que levou a várias correntes. Nolan bebe de diferentes teorias, estabelece sua própria concepção dos sonhos e a expressa em ‘A Origem’.

“Você cria o mundo do sonho. Nós levamos o sujeito a esse sonho e ele o preenche com seu subconsciente.”
– A Origem – 


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