A síndrome da fome noturna

Você conhece a síndrome da fome noturna? Vamos explicar do que se trata e como é possível tratá-la.
A síndrome da fome noturna
Julia Marquez Arrico

Escrito e verificado por a psicóloga Julia Marquez Arrico.

Última atualização: 05 janeiro, 2023

Para entender esse assunto, podemos considerar a síndrome da fome noturna dentro dos transtornos do sono ou dos transtornos da alimentação, dependendo do estado de consciência da pessoa durante o episódio de fome compulsiva. Em qualquer caso, trata-se de um problema no qual, durante a noite e depois do jantar, a pessoa se levanta e ingere grandes quantidades de comida sem controle, com preferência por alimentos hipercalóricos e ricos em carboidratos.

Estima-se que seja um transtorno que afeta 1,5% da população (Alemanha, 2014) e que tem graves consequências para a saúde (Zwaan, Muller, Allison, Brahler, & Hilbert, 2014). É por isso que neste artigo vamos falar sobre o que é a síndrome da fome noturna, como ela se manifesta, por que ocorre, quais são suas características e como é o tratamento. Porque, embora seja um problema pouco frequente e de certa forma desconhecido, merece a nossa atenção.

A síndrome da fome noturna: o que é e quais são os sintomas

A síndrome da fome noturna foi identificada pelo Dr. Albert Stunkard em 1955 e atualmente é considerada um transtorno do sono, e não um transtorno da alimentação. O manual de classificação de doenças mentais (DSM-5) a classifica como um transtorno do despertar do sono não REM ou como um transtorno da alimentação não especificado de acordo com o estado de consciência do indivíduo durante o episódio. Vamos analisar esses dois casos a seguir.

“A síndrome da fome noturna pode ser analisada dentro dos transtornos do sono ou dos transtornos da alimentação, dependendo do estado de consciência da pessoa durante o episódio de fome compulsiva”.

A síndrome da fome noturna

Quando a ingestão ocorre durante o sono, e a pessoa não está consciente disso, falamos da síndrome da fome noturna como um subtipo de sonambulismo: ocorre na fase IV do sono, que se caracteriza por ondas lentas e um sono muito profundo. O que acontece é que a pessoa se levanta e come de maneira compulsiva sem perceber, visto que não está consciente, mesmo que pareça estar acordada e possa abrir a geladeira, mastigar e engolir. Dessa forma, assim como acontece no sonambulismo, não há consciência dos atos, nem lembranças do que aconteceu na manhã seguinte.

Por outro lado, quando falamos da fome noturna em um período de tempo no qual a pessoa está consciente a todo o momento de que está comendo, fato que gera uma lembrança, falamos de outros transtornos da alimentação não especificados segundo o DSM-5, e recebe o nome de “Síndrome de ingestão noturna de alimentos”.

Nesse caso, também há a ingestão compulsiva, mas há uma certa voluntariedade nesse comportamento e há a lembrança do que aconteceu. Quando a fome noturna ocorre com transtornos do sono, não se observam essas características. Simplesmente há um padrão de alimentação compulsivo e noturno sem consciência.

Quais são os sintomas da síndrome da fome noturna?

Se a fome noturna ocorre como transtorno alimentar, é fácil de diagnosticar porque se observam episódios frequentes de ingestão compulsiva ao se levantar ou antes de dormir. Ou seja, é uma ação que pode ser observada na pessoa como se fosse um vício em comida: embora não queira comer e, inclusive, a pessoa mantenha o propósito de perder peso, ocorre o episódio de compulsão. Embora seja algo difícil de admitir e reconhecer, trata-se de um comportamento observável porque a pessoa está consciente enquanto come à noite de maneira descontrolada.

No entanto, se a fome noturna ocorre como transtorno do sono, os sintomas podem ser muito difíceis de identificar. A maneira mais frequente de detectar a síndrome da fome noturna como transtorno do sono é que a pessoa é encontrada comendo “enquanto dorme” ou começa a ganhar peso sem saber o porquê. Além disso, observa-se que da noite para o dia alguns alimentos que estavam na geladeira desaparecem e ninguém se lembra de tê-los comido. Por se tratar de um problema que ocorre na fase profunda do sono, e acordar nessa fase é muito difícil, é mais complicado que o indivíduo que tem o transtorno seja capaz de perceber o que está acontecendo.

Resumidamente, a síndrome da fome noturna pode ser um transtorno da alimentação ou, também, pode ser um transtorno do sono (como um subtipo de sonambulismo). Em todos os casos, trata-se de um padrão de alimentação exagerado e compulsivo que ocorre durante a noite e depois do jantar, quando a pessoa já se alimentou e está saciada, descartando-se, portanto, problemas psicológicos ou psiquiátricos.

Por que esse problema acontece e quais são as causas?

No caso de se tratar de fome compulsiva como transtorno da alimentação, o problema acontece porque a comida é uma via de escape para a ansiedade e a depressão. Comer se transforma em uma estratégia de enfrentamento do mal-estar e dos problemas. A síndrome se desenvolve como se fosse um vício em comida e é por isso que, na fome noturna, a pessoa sente uma urgência por ingerir alimentos e nada a acalma até comer.

Por outro lado, quando a ingestão de alimentos ocorre durante o sono, estamos diante de uma síndrome que ocorre porque há um “erro” no despertar; a pessoa acorda quando não está preparada para isso e, então, seu sistema motor (do movimento voluntário) é ativado e são colocados em prática “automatismos” ou comportamentos aprendidos, como andar, falar e comer. Por isso, a maioria das pessoas com fome noturna não estão conscientes de seu comportamento e podem acordar enquanto estão comendo sem entender o que estão fazendo e como chegaram até ali.

Em todos os casos, a síndrome da fome noturna é mais comum em pessoas que já têm obesidade e costuma se relacionar com desajustes hormonais (melatonina e hormônios do estresse) e de neurotransmissores, como a serotonina. Por isso, diferentes estudos científicos explicam como a fome noturna pode ser tratada satisfatoriamente com medicamentos, como os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (os ISRS), administração de melatonina (hormônio do sono) e com meditação, que busca a redução da resposta ao estresse (Zapp, Fischer, & Deuschle, 2017).

Em geral, os desajustes no sono e do ritmo circadiano costumam provocar a fome noturna. Embora as causas desse transtorno sejam variadas e pouco conhecidas, hoje em dia se assume que fatores como a ansiedade, o estresse, a obesidade e os desequilíbrios circadianos são as causas mais frequentes. As estratégias de enfrentamento voltadas ao emocional, e não ao problema em si, também se relacionam com a síndrome da fome compulsiva, e é nessas estratégias que a intervenção psicológica deve se focar.

“Comer se transforma em uma estratégia de enfrentamento do mal-estar e dos problemas. A síndrome se desenvolve como se fosse um vício em comida e é por isso que, na fome noturna, a pessoa sente uma urgência por ingerir alimentos e nada a acalma até comer”.

Mulher assaltando a geladeira à noite

Tratamento da síndrome da fome noturna

A intervenção nesse transtorno é multidisciplinar: atuam nutricionistas para ajudar a pessoa a perder peso, psiquiatras para definir a medicação necessária e psicólogos para lidar com o comportamento, além dos aspectos emocionais e cognitivos do paciente e de seu problema. É preciso levar em consideração que não se trata de um transtorno apenas físico e com uma única consequência, como o ganho de peso. Na verdade, estamos falando de pessoas que sentem altos níveis de ansiedade e sintomas depressivos que precisam de tratamento psicológico.

Por outro lado, existe uma série de medidas comportamentais, como fechar a geladeira com cadeado, instalar sistemas que ajudem a pessoa a acordar quando se levanta da cama ou impedir a saída do quarto, entre outras. Ao mesmo tempo, se a fome compulsiva ocorre como transtorno da alimentação, é necessário realizar terapia psicológica para a insônia: ao impedir a pessoa de comer antes de dormir, podem aparecer problemas para conciliar o sono. Em todos os casos de fome noturna, é preciso realizar uma série de mudanças a fim de aumentar a dificuldade de acesso aos alimentos.


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  • de Zwaan M., Muller A., Allison K. C., Brahler E., & Hilbert A. (2014).Prevalence and correlates of night eating in the German general population. PLoS One, 9(5):e97667.
  • Zapp, A. A., Fischer, E. C., & Deuschle, M. (2017). The effect of agomelatine and melatonin on sleep-related eating: a case report.
  • Journal of Medical Case Reports, 11:275.

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