A tríade de pensamentos negativos na depressão: como desativá-la?
“Ninguém nunca mais vai me amar”, “não valho nada”, “minha vida está uma bagunça”, “só sirvo para decepcionar todo mundo”, “as coisas nunca vão mudar”. Boa parte dos pensamentos que produzimos no dia a dia tem uma valência negativa capaz e, além disso, são traiçoeiros: areia movediça em que estamos afundando.
Embora seja verdade que o desenvolvimento da depressão depende de múltiplos fatores, o foco mental desempenha um papel fundamental. Tanto é assim que figuras como Aaron Beck entenderam e explicaram esse distúrbio psicológico de uma perspectiva cognitiva. Ou seja, o mundo interno da pessoa e suas crenças subjetivas é que causam tal sofrimento.
Essa mesma estrutura é o que Beck usou para formular a teoria conhecida como “tríade cognitiva da depressão”. Esse conceito não deixa de ter um grande valor, porque ninguém nega o fato de que, em um transtorno de humor, o que dizemos a nós mesmos importa. A maneira como você processa sua realidade e se percebe pode ser uma aliança ou uma maldição.
“Se nosso pensamento está atolado por significados simbólicos distorcidos, raciocínio ilógico e má interpretação, nos tornamos, de fato, cegos e surdos.”
-Aaron T. Beck-
Qual é a tríade de pensamentos negativos na depressão?
Quando conversamos com uma pessoa que está lidando com a depressão há algum tempo, percebemos um fator. A desesperança pesa sobre ela, a ideia de que certos aspectos de sua existência não fazem mais sentido. Da mesma forma, percebemos ideias muito desgastantes, crenças das quais nem sempre temos consciência, que aniquilam o ânimo e a motivação.
A tríade de pensamentos negativos na depressão nos diz que esta condição é construída a partir de três componentes. Após muitos anos de pesquisa e psicoterapia, Aaron Beck identificou os processos cognitivos inerentes que moldam esse distúrbio. Deve-se notar também que seu modelo teórico tem grande relevância e aceitação.
Estudos como o do Dr. Ernest Edward Beckham, da Universidade de Oklahoma, destacam a utilidade da aplicação de um instrumento que detecte e avalie esse tipo de pensamento. Saber como é a arquitetura mental de um paciente facilita muito mais a abordagem terapêutica. Vejamos agora os três pilares que sustentam essa teoria.
Pensamentos e padrões distorcidos de como nos percebemos podem moldar a base da depressão.
1. Vieses cognitivos
Vieses cognitivos são processos de pensamento distorcidos e autodestrutivos. São eles os responsáveis por nos fazer enxergar o mundo e a realidade que nos cercam de forma adversa, negativa e sem esperança. Assim, em geral, essas distorções são baseadas em alguns dos raciocínios listados abaixo:
- Os “deveria” e “tenho que”.
- Supergeneralização (tudo vai dar errado).
- Personalização (se minha mãe está triste, tenho certeza que a responsabilidade é minha).
- Pensamento dicotômico ou pensamento preto ou branco (as coisas são boas ou ruins).
- Rotulagem com base em determinados resultados (errei nessa tarefa, portanto sou um fracassado).
- Inferência arbitrária ou tirar conclusões precipitadas (se meu parceiro não me ligou, significa que ele me deixou).
2. Autoesquemas negativos
Um esquema de pensamento é como um pacote de ideias que integramos em alguma dimensão. Muitos de nossos esquemas autorreferenciais (a maneira como nos vemos) se originam na infância. A maneira como nossos pais, professores e figuras do meio se dirigem a nós pode traçar uma série de ideias muito negativas sobre nosso próprio ser.
O problema é que, muitas vezes, não temos consciência de como esses esquemas internos nos condicionam e mediam nosso desconforto.
3. Erros na lógica (processamento de informações defeituoso)
O último fator da tríade de pensamentos negativos na depressão é definido pela nossa maneira ilógica de processar cada situação. A esse componente juntam-se os dois anteriores, ou seja, tanto os vieses cognitivos como os esquemas internos sobre como nos percebemos a nós mesmos.
Esses dois elementos criam um filtro altamente falho que nos fará encarar cada experiência de uma forma muito debilitante. Qualquer pequeno problema será visto como uma paliçada. Qualquer interação, objetivo ou obrigação será tratada com os piores recursos. Primeiro, porque os vieses cognitivos nos tiram do foco; segundo, porque somos cheios de inseguranças.
De acordo com Aaron Beck, as pessoas deprimidas integram um esquema negativo do mundo e de si mesmas desde cedo. Torná-los visíveis, fazer com que a pessoa seja consciente deles é um primeiro passo.
Como desabilitar esses componentes?
A tríade de pensamentos negativos na depressão deve ser abordada por meio de um processo terapêutico bem estruturado. Algo que o psicólogo formado em terapia cognitiva sabe é que a pessoa com depressão reforça diariamente uma série de pensamentos negativos sobre si, o mundo e o que o futuro pode trazer.
O objetivo, portanto, será substituir o pensamento disfuncional por um mais saudável. Os mecanismos para realizá-lo serão os seguintes:
Identificar os processos cognitivos subjacentes
O psicólogo terá que identificar esses preconceitos, crenças e esquemas disfuncionais que reforçam a depressão. Muitas vezes, o universo mental de uma pessoa é como um paradigma científico. Deve-se descobrir quais são essas variáveis que criam uma versão tão alterada e problemática da realidade.
Educar o paciente sobre seu distúrbio
A pessoa deve ser um agente ativo de mudança e responsável por tomar consciência de como pensa e interpreta cada circunstância. Para desativar a tríade de pensamentos negativos na depressão, é pertinente educar o paciente sobre seu distúrbio psicológico. Isso implica dar a conhecer o efeito dos vieses cognitivos, até a obrigação de revisar certas crenças.
Desafio cognitivo através do diálogo socrático
O diálogo socrático é uma ferramenta poderosa em ambientes de terapia cognitiva. Através de uma série de perguntas bem específicas, facilita a reflexão da pessoa sobre certas realidades internas. São desafios dialéticos que simplificam um reenquadramento de certas perspectivas e concepções.
Fazer com que a pessoa se questione e consiga moldar um foco mental mais saudável e esperançoso é o objetivo final. Isso é alcançado por meio do aprendizado guiado, à medida que se explora cada viés, cada esquema e crença.
Neutralizar a influência do processamento automático
Como observamos, muitas crenças e processos de pensamento se originam na infância. A pessoa está tão acostumada a processar a realidade automaticamente que não está ciente desses componentes adversos que distorcem sua realidade. Outra finalidade terapêutica será fazer com que um pensamento mais deliberado e reflexivo tome forma.
Esse pensamento automático de valência negativa é muito comum em estados depressivos. Assumir o controle da mente evitando esse raciocínio errático e a filtragem negativa é essencial. Só assim poderão substituir, pouco a pouco, abordagens incapacitantes, por perspectivas mentais mais saudáveis.
Conclusão
Muitas vezes, as pessoas são o produto de um compêndio de profecias autorrealizáveis, ideias tendenciosas e pensamentos irracionais. Todos nós coletamos mais de um desses itens autodestrutivos. A chave é não dar poder a eles, estar ciente de que eles estão lá e priorizar perspectivas mentais mais resilientes, reflexivas e motivadoras.
É verdade que, às vezes, o desânimo nos vence. Talvez, em determinado momento, o emaranhado de pensamentos negativos não deixe espaço para a esperança. Essa será a oportunidade de pedir ajuda especializada; não duvidemos.
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