A vida acontece off-line
Eu sei! Você está saturado (a) de ler e ouvir que a vida acontece off-line. Para ser sincera, eu também. Mas esse final de semana estava aproveitando um solzinho generoso depois de dias de chuva e fui estender umas roupas no sol sem pressa, pensando na vida enquanto ajeitava pacientemente as peças de roupa no varal. De repente me dei conta de quanto tempo fazia que eu não ia até o quintal para fazer coisas tão triviais, sempre acelerada, comprando tempo, arrumando recursos para me tirar os trabalhos manuais.
Quando me apresentaram uma benção maldita chamada WhatsApp, lembro de ter recebido um áudio de alguém dando um “depoimento” sobre a libertação que recebeu quando deixou de usar o aplicativo. O teor era em tom de piada, “livramento de Jesus”, mas honestamente, acho que esse áudio deveria voltar a circular em tom de utilidade pública, rs.
Não tem como viver em dois mundos paralelos simultaneamente. Portanto, sim, quando estamos sempre conectados nas redes sociais, aplicativos, jogos online e etc, estamos desconectados da vida real, do mundo onde a vida acontece de verdade.
A vida acontece fora das telas
É fora da tela que você sente o toque, o cheiro, que percebe a expressão dos olhares que muito dizem sem palavra dizer. Fora da tela está a lição de casa dos filhos que a gente nem sempre confere porque não deu tempo, está o bolo no forno que a gente não faz, porque fica todo o tempo compartilhando receitas de coisas que nunca cozinhamos, como se a nutrição viesse online também.
Fora da tela está o carinho, o amor, a raiva, os sentimentos e sensações reais. As pessoas reais. Eu sei, é online que nossas vidas têm acontecido (ou pelo menos de uma grande maioria). Grandes amizades virtuais, relacionamentos cheios de intensidade e promessas esperançosas de “um dia vamos nos encontrar”. Mas a vida pulsante… Continua sendo fora da tela…
Hoje não vou me estender nas muitas palavras que gosto de escrever… Seria mais do mesmo, chover no molhado, enxugar gelo e qualquer outro ditado que te venha à memória para dizer que não adianta falar aquilo que todo mundo já sabe, como se eu tivesse tido uma inspiração divina para mudar o mundo.
É só que… Enquanto estendia as roupas no varal, dei uma olhada pela porta e vi todo mundo desconectado por um tempo, brinquedos no chão da sala, o cachorro cochilando na porta de entrada, conversas soltas sobre não me lembro o que, até que minha imersão foi interrompida por um “você vai querer tomar um sorvete quando acabar aí?”
E eu fui à sorveteria. Não tirei uma selfie do meu cascão de abacaxi. Não fiz check-in. Mergulhei numa conversa sobre alguma coisa rotineira da vida real e lembro que o Facebook surgiu no assunto, feito uma amante inconveniente interferindo na intimidade. O que andava acontecendo no Facebook? “Não vejo mais nada, não curto mais nada de ninguém, não sei mais de nada que está acontecendo”.
Enquanto isso meu dedo indicador se movimentava na minha direção e do meu interlocutor e eu dizia: é porque isso aqui é que é a vida acontecendo de verdade. Essa aqui é que a vida real, pela qual vivemos implorando e postando coisas que nos remetam a ela. E quando a gente vive a vida real, sobra quase nada de tempo para viver o irrealismo do mundo virtual.
Eu sei… Estou chovendo no molhado. Só queria mesmo te contar que quando me dei conta do quão alienada estou dos assuntos virtuais, foi que percebi que havia voltado a viver no mundo real, de sensações e pessoas reais, que a gente vai deixando passar despercebido, porque posta sorrisos e lágrimas, e deixa de enxergar essas mesmas coisas do lado de cá, onde a vida está acontecendo, de verdade. E quando você vive de verdade, não sobre muito tempo para realidades virtuais.
O inverso é redundante e realisticamente real… Não se vive em mundos paralelos, simultaneamente. Quando você está vivendo um, fatalmente se ausentou de outro.
E como tudo na vida, onde você vai viver é, também, uma questão de escolha…