Amnésia de identidade no amor, quando você esquece quem é

Amar tanto e tão profundamente que você acaba diluído na outra pessoa, a ponto de deixar amigos e até familiares para trás. Isso já aconteceu com você? Explicamos o que é e o que fazer.
Amnésia de identidade no amor, quando você esquece quem é
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 29 dezembro, 2022

Há relações afetivas que ofuscam e afogam ao mesmo tempo. Elas nos arrastam para uma forma de paixão obsessiva na qual a gente esquece de onde vem e para onde vai. Importa apenas orbitar em torno dessa pessoa, nesse universo reduzido entre dois, onde todo o resto é deixado de fora. Em muitos casos, esse tipo de vínculo experimenta o que definimos como “amnésia de identidade”.

Não é que se sofre uma perda total ou parcial de memória. Também não estamos falando de um fenômeno clínico que aparece como tal nos manuais de diagnóstico. No entanto, essa experiência é bastante semelhante àquela lavagem cerebral em que aparece a confusão, a alteração do pensamento e até da vontade.

Existem relacionamentos que nos fazem priorizar tanto o ser amado que podemos perder a relação com a nossa família e amigos. Existem amores que são como buracos negros, engolem cada fibra e cada partícula nossa, apagando nossos valores, diluindo até o caráter para ficar preso no outro. Viver nesse estado de transe não traz boas consequências…

Muitos de nós pensamos que nunca perderemos nossa dignidade por ninguém, muito menos no amor. No entanto, não importa nossa experiência ou situação social, cair em um vínculo tóxico e dependente é muito comum.

Mulher que sofre de amnésia de identidade no amor
Perder a identidade no amor é um fenômeno que se materializa nos estágios iniciais de um relacionamento.

Amnésia de identidade no amor: o que é e por que acontece

Vítimas e vitimizadores abundam no jogo do amor. Ou seja, há pessoas que estão sujeitas à vontade do ser amado, enquanto outras são especialmente hábeis em dominar os outros. Poderíamos pensar que aqueles que se prendem a relacionamentos dolorosos e dependentes são pessoas fracas com pouca personalidade.

No entanto, a realidade é outra: todos somos suscetíveis a cair em uma relação baseada na dominação e na dependência afetiva. Não importa a idade ou a experiência de vida. Há amores que nos cegam e que, aos poucos, acabam apagando nossas vontades e forças em favor do outro. Nessa circunstância é muito fácil esquecer as próprias prioridades e dignidades.

Entendemos a amnésia da identidade no amor como um fenômeno em que nosso “eu” está sujeito a uma vontade alheia. A paixão e a intensidade emocional são tão poderosas que só a pessoa amada importa. Dimensões como trabalho, família ou amizade vêm em segundo lugar. Além disso, eles podem ser deixados para trás a qualquer momento se houver um conflito de interesses.

O casal será sempre uma prioridade em qualquer momento e circunstância. Além disso, a pessoa amada está acima de si mesmo. Nada importa mais do que aquele amor cego que engole tudo.

Às vezes, podemos nos distanciar tanto de nossas essências pessoais por amor, que deixamos de nos reconhecer.

Quando nos tornamos “nós” e o eu se perde

Há relações em que o “nós” é mais relevante que o “eu”. É verdade que ser um casal implica criar um espaço comum para estreitar laços, chegar a acordos, compartilhar valores e objetivos. No entanto, no momento em que as identidades são diluídas e as necessidades individuais não importam, tudo se perde.

Esse fenômeno é explicado pelo que é conhecido como autoestima contingente. Uma pesquisa da Universidade de Houston, por exemplo, diz algo interessante. Às vezes, a autoestima de uma pessoa depende exclusivamente de seu próprio relacionamento afetivo. A pessoa só tem uma visão positiva de si mesma se a pessoa amada a reforçar.

A dependência desse suprimento externo nos sujeita a um eterno sem viver. É ter consciência do que o outro nos diz, do que ele faz ou deixa de fazer. Quando a autoestima não depende de nós, nem da visão que temos de nossa vida social ou profissional, nosso equilíbrio psicológico fica fragmentado. É ser cativo de uma pessoa que nos tem na palma da mão.

Pode-se desfrutar de uma boa autoestima até se apaixonar intensa e obsessivamente. Nesse momento, a própria felicidade é capturada pelo relacionamento e esse vínculo se torna o epicentro absoluto de toda a nossa vida. É quando nossas fortalezas começam a ruir.

Amnésia de identidade e a falsa ilusão de felicidade

Um estudo da Universidade do Sudoeste da China nos lembra desses processos cerebrais que o cérebro experimenta durante o amor romântico. Apaixonar-se intensifica aquelas regiões ligadas aos sistemas de recompensa, a regulação das emoções é alterada e há uma maior motivação voltada exclusivamente para a pessoa amada.

Todos esses mecanismos são muito semelhantes aos experimentados por qualquer adicto. O cérebro só pensa em estar perto do outro, o resto, em certos casos, perde valor e prioridade. A amnésia de identidade é mais um processo dessa forma de dependência afetiva. Implica esquecer quem sou para “ser o outro”. O mais perigoso é assumirmos que esse modo de vida nos oferece felicidade absoluta.

Porém, aos poucos, o amante cego acaba percebendo que viver nessa periferia (excluída de seu próprio ser, de si mesmo e de seus valores e dignidades) o enche de um vazio que o amor não preenche. Porque além de amantes, as pessoas são amigos, familiares, trabalhadores, seres cheios de sonhos e desejos individuais. Quando nos faltam essas últimas dimensões, é difícil encontrar a verdadeira felicidade.

Casal sorrindo sofrendo amnésia de identidade no amor
Ser casal é respeitar e promover a individualidade do outro. Saber que a outra pessoa também deve crescer em outros cenários além do relacionamento.

O que podemos fazer para não nos diluirmos na pessoa amada?

É um fato mais do que óbvio. Nossos cérebros são programados para se apaixonar, para sentir a máxima euforia do romance e da paixão. Somos pessoas que precisam criar laços entre nós para sermos felizes. Mas cuidado, esses vínculos não devem ter grilhões, mas asas para nos permitir crescer em todas as direções: afetiva, pessoal, de trabalho, etc.

Geralmente, a amnésia de identidade no amor geralmente começa nos estágios iniciais de um relacionamento. É aquele momento em que mostramos um excesso para agradar o outro. Queremos ser amados, queremos fazer os outros felizes e isso nos leva a perder nossa individualidade. Quase sem perceber, nos tornamos uma extensão do casal na tentativa de agradar.

Vamos evitá-lo. Se quisermos evitar a codependência e nos tornar um mero chaveiro para a outra pessoa, vamos deixar claro quem somos e o que queremos já nos estágios iniciais do relacionamento. Amar não é agradar o tempo todo. Amor saudável é compartilhar, respeitar as identidades, estimular o crescimento do outro. É também criar um “nós” formado por um “você e um eu” que permanecem livres e independentes.


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