As armaduras se rompem ao acariciar a alma

As armaduras se rompem ao acariciar a alma
Gema Sánchez Cuevas

Escrito e verificado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

As armaduras são o símbolo das pessoas que sofreram muito. A proteção que escolheram para evitar se machucar de novo e terminar se quebrando. São seu mecanismo de segurança, sua salvação momentânea. Como podemos acariciar a alma destas pessoas?

Viver com uma armadura não é simples porque, por trás dela, se esconde o medo de ser ferido. Este é um dos medos mais paralisantes que uma pessoa pode ter e que a impulsiona a criar muros, deter seu coração e viver anestesiada. A vida cansa e esgota até chegar ao ponto em que preferem se proteger e deixar de sentir o máximo possível ao invés de se arriscarem a reviver o ardor de suas feridas.

“Sem dúvidas, sua armadura o protege das pessoas que querem destruí-lo. No entanto, se você não a deixar cair, ela vai isolá-lo das pessoas que podem amá-lo.”
– Richard Bach –

O desgaste que o sofrimento provoca

A vida não é um caminho que nos garante a felicidade. A incerteza, a instabilidade e o sofrimento são condições de seu percurso, e os enfrentaremos melhor se formos capazes de antecipá-los e de estar preparados. Ninguém é imune ao sofrimento, por isso é essencial aprendermos a geri-lo. Do contrário, a escuridão pode nos devorar.

Viver é enfrentar riscos, aceitar que nem sempre tudo acontecerá como desejamos, abraçar os momentos de felicidade, mas também aceitar que o sofrimento baterá em nossa porta de vez em quando e nos colocará à prova.

Mulher chorando

Lidar com os golpes e cicatrizar feridas não é uma tarefa fácil. Nem sempre contamos com o melhor apoio, recursos ou estratégias e, mesmo quando as temos, às vezes não sabemos usá-las. Há quem enfrente melhor as decepções e os imprevistos, quem deixe que estes se apoderem de seu humor e quem decida se proteger pra pôr um limite em seu sofrimento. O método escolhido influenciará de uma ou outra forma o seu dia a dia.

Independentemente da forma como enfrentamos o sofrimento, quando ele decide ficar ao nosso lado, gera uma série de consequências tanto físicas quanto emocionais. Por um lado, nos prende em sua relutância, na falta de motivação e de prazer absoluta (anedonia), que se não for avaliada, pode mudar nosso caminho rumo à depressão ou à ansiedade. Por outro lado, nos desgasta fisicamente, nos esgota, acabando com toda a energia que temos. De fato, a níveis profundos, diminui a liberação de serotonina e aumenta a quantidade de cortisol.

A falsa proteção das armaduras

Cada um de nós tem sua própria armadura, seu mecanismo de defesa, seu escudo pessoal para se blindar contra a dor. É normal. De algum modo, temos que manter nossa parte mais delicada a salvo e nos tornar fortes frente às ameaças e aos contratempos.

O problema surge quando estas armaduras não podem ser destruídas. Ou seja, elas assumem o controle de nossas vidas e terminamos transformando-as em um filtro muito conservador através do qual observar o mundo. Muros que se levantam e nos isolam, não só do sofrimento e da incerteza, mas também do afeto e de qualquer experiência social.

Em uma tentativa de nos proteger, acabamos nos boicotando de tal forma que nos bloqueamos a nível emocional. Esse não sentir, para não sofrer, é uma estratégia errada que repetimos porque em algum momento assegurou a nossa sobrevivência.

Cuidado, porque quando a usamos, pagamos um preço alto: ficamos vazios por dentro. Essas são aquelas letras pequenas do contrato que nem sempre lemos.

Por outro lado, esse vazio se traduz na ausência de emoções, da capacidade de se sentir vivo e se conectar. Assim, não é raro que em um curto espaço de tempo terminemos sendo presas daquilo que tanto temíamos: o próprio sofrimento.

As armaduras são armadilhas inconscientes que nos prendem ao mal-estar, disfarçadas de sentimentos de proteção e segurança. Por isso é tão importante identificar e refletir sobre quais são nossos mecanismos de defesa.

“É preciso mais coragem para enfrentar o sofrimento do que para morrer”.
– Marlene Dietrich –

Mulher vendada encostada em coração

A arte de acariciar a alma

Frequentemente, quem se esconde debaixo de uma armadura costuma abusar de uma atitude defensiva que acaba por distanciar os outros. Seu medo de se ferir é tão grande que, ainda que não desejem, afastam todos aqueles que se aproximam sem nenhuma intenção além de conhecê-los e, em alguns casos, amá-los. Isso acontece porque quem se protege tão duramente também é vítima de uma fissura no amor, gerada por alguma experiência passada.

Assim, para evitar reviver o ardor de suas feridas, mostram-se furiosos como certos animais quando protegem o seu território. O outro, qualquer outro, se transforma em seu inimigo.

Qual é o antídoto para reverter tanto dano? Que remédio existe para quebrar as armaduras de quem suportou tanto sofrimento? Como podemos ajudá-los a se desfazer de tal feitiço? Antes de nada, é importante dizer que as armaduras são derrubadas pouco a pouco. É um processo que precisa de uma dose de amor, compreensão, paciência, aceitação e, é claro, esforço.

Como vimos, não há soluções mágicas, apenas a profundidade de conexão com outra pessoa e consigo mesmo. Assim, quem se relaciona com uma pessoa protegida por uma couraça deve compreender que na maioria das vezes não é ela a que fala, mas sim seu medo, aquele monstro imenso que a possui e a faz acreditar que se anestesiar é a melhor forma de enfrentar a vida para acabar com o sofrimento.

Compreender seus medos é uma parte muito importante da relação, além de demonstrar afeto e abandonar as atitudes de exigência para melhorar. Ou seja, é preciso aprender a acariciar a alma, tocar sua sensibilidade e fazê-la se sentir acolhida.

Mulher em telhado segurando coração

Agora, o maior esforço vem por parte de quem construiu a armadura. Essa pessoa é a que tem que entender que evitar o sofrimento a médio e longo prazo faz com que ela sofra ainda mais. Apesar de a vida não ser sempre fácil, o sofrimento é um capítulo a mais que devemos integrar em nossa história. Para isso, é preciso se libertar da culpa e dessa atitude dura e rígida para abraçar e dar um passo rumo ao amor. Porque não há nada mais curativo do que acolher a nós mesmos quando estamos feridos.

“As pessoas arrumam o cabelo todos os dias. Por que não arrumam o coração?”
– Provérbio chinês –


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.