'Azul é a Cor Mais Quente': as duas caras do amor

'Azul é a Cor Mais Quente': as duas caras do amor

Última atualização: 25 março, 2017

Adele é uma adolescente que procura o seu lugar. Em plena efervescência juvenil, ela conhece Emma e sofre uma fascinação até então desconhecida. Descobre o seu primeiro amor. Como ele, chegam os primeiros beijos, a paixão, as primeiras carícias. O compromisso, o convívio. Mas com o tempo também começam a aparecer as primeiras discussões, os primeiros martírios da rotina e as primeiras complicações. Até chegar ao inevitável desfecho: a primeira perda amorosa.

O filme ‘Azul é a Cor Mais Quente’ fala do mesmo jeito das duas faces do amor. De um jeito tão real quanto a forma de Adele de comer espaguete. Além de ser um filme de conscientização sobre a diversidade sexual, é um canto ao amor em todas as suas versões. Ao amor universal, capaz do melhor e do pior.

Ao amor como motor da vida, como energia, pulsação, fonte inesgotável de emoções e atitudes. Ao ver o filme ele fica palpável, capaz se ser sentido no próprio estômago, quase dá para cheirá-lo. As emoções saem da tela e estalam nos nossos olhos, fazendo-nos sentir nosso primeiro amor. Revivendo, para o bem e para o mal, emoções adormecidas, esquecidas talvez.

Os personagens principais

Majestosas ambas as atrizes, críveis em todo momento. Seu cabelo, seu jeito de olhar, seus gestos. Ambas as personagens são tão bem interpretadas que por um momento você pode sentir que está assistindo a um tipo de espionagem real, como aquelas que veem a vida através de um olho mágico.

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Por um lado a jovem Adele, com seu rabo de cavalo sempre improvisado e despenteado, é inocente na vida, emotiva, apaixonada, bruta, sensual, insegura e forte em partes iguais. Do outro lado Emma, com seu cabelo azul que parece falar da criatividade, originalidade, da vida intelectual e culta, da frieza, da análise, da tranquilidade e da coerência.

Estas duas metades colidem, se fundem por um tempo tingindo tudo de azul, até que novamente se separam. Uma separação que deixa em cada uma delas uma conseqüência, uma marca.

O que é o amor?

“O amor é uma das emoções mais intensas. As pessoas podem mentir, trair e mesmo matar em seu nome, desejando mesmo a morte quando o perdem. Ele pode desconcertar qualquer um, em qualquer idade.”

Existe uma teoria psicológica potente que explica o amor, sua gênese, seus componentes e suas diversas formas: a Teoria Triangular do Amor. No seu livro ‘O triângulo do amor: Intimidade, Paixão e Compromisso’, Robert Sternberg sugere que para que o verdadeiro amor exista precisam existir três fatores:

  1. Intimidade: necessidade de estar perto do outro, tanto a nível físico quanto a nível emocional.
  2. Paixão: desejo sexual ou romântico acentuado.
  3. Compromisso: vontade de manter o vínculo estabelecido com a outra pessoa e atitudes de responsabilidade a respeito.

Os três elementos aparecem no filme, e inclusive podem ser vistos em ascensão. Primeiro Adele sente a necessidade de se encontrar novamente com Emma, de vê-la novamente, de conhecê-la melhor. O desejo de intimidade começa a se ativar. Com ele, uma vez vencidas as próprias fronteiras, vemos a paixão, o desejo sexual.

Este ângulo é forte e notável no relacionamento que elas têm e possui um papel muito importante na decisão de assumir um relacionamento amoroso. Vemos como com o compromisso aparecem as complicações reais, e será o ângulo que colocará em cheque a própria estabilidade do relacionamento que elas têm.

Segundo o próprio autor da teoria, é mais provável que um relacionamento que combine os três elementos perdure durante mais tempo do que aquele que combina simplesmente dois ou um só elemento isolado. Existem 7 combinações possíveis que determinam 7 tipos de amor, segundo Sternberg:

  1. Carinho: intimidade
  2. Amor romântico: intimidade + paixão
  3. Fascinação: paixão
  4. Amor pretensioso: paixão + compromisso
  5. Amor vazio: compromisso
  6. Amor sociável: intimidade + compromisso
  7. Amor consumado: intimidade + paixão + compromisso

O primeiro amor

Seguindo esta mesma lógica, podemos dizer que o primeiro amor seria a primeira vez na história de uma pessoa em que ela sente algum tipo dos que falamos anteriormente. É comum que, como no caso de Adele, isto aconteça durante a adolescência: por isso quando se fala em primeiro amor, costumamos situá-lo nessa época. Embora seja verdade que nem sempre isto acontece durante esta fase da vida: existem pessoas que relatam amores muito mais cedo e outros muito mais tardios.

Do ponto de vista da Psicologia, parece que o primeiro amor é muito determinado pelo tipo de vínculo que tiver sido desenvolvido durante a mais tenra infância com a primeira figura de apego (normalmente a mãe).

Por sua vez, o primeiro amor será determinante para as futuras relações que a pessoa venha a ter. Não deixa de ser uma fonte inesgotável de novas experiências com as quais aprendemos muito, tanto do que queremos quanto do que não queremos.

A primeira decepção

“É tão curto o amor e tão longo o esquecimento.”
-Pablo Neruda-

Na parte final, vemos uma Adele estraçalhada de dor e desolação porque sofreu a perda do seu primeiro grande amor. Belo e dilacerante é o reencontro que elas têm, um tempo depois da ruptura, onde Emma lhe enfatiza que já não gosta mais dela, mas que sente uma ternura infinita por ela.

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Se voltarmos ao triângulo de Sternberg, é possível identificar essa ternura como o desejo de intimidade com ausência de paixão e de compromisso. Contudo, apesar das palavras de Emma, vemos como a paixão está ali e permanece de ambas partes. Isso acontece em muitos relacionamentos que se quebram, onde a paixão ou o desejo sexual para com a outra pessoa continua se mantendo.

Quando falamos da primeira decepção, fazemos referência à primeira grande perda amorosa, pela qual a gente sofre, se deprime, aprende e cresce. Se falamos de processos psicológicos, a primeira perda amorosa poderia também ser definida como um processo de luto e, portanto, existe uma série de passos pelos quais é preciso passar antes de aceitar a perda.

Curiosidades e fechamento

O filme é a adaptação da história em quadrinhos “Blue is the warmest color“, de Julie Maroh, elaborada na gama cromática dos azuis. É por isso que no próprio filme tudo está impregnado de azul, desde o cabelo de Emma até a roupa de Adele. Este tratamento cromático lembra ligeiramente a maravilhosa trilogia ‘Três cores’, especialmente a Azul com Juliette Binoche, onde o azul não significa amor, mas sim liberdade.


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