Capitão Fantástico: um filme que apresenta um caminho para a reflexão

Capitão Fantástico: um filme que apresenta um caminho para a reflexão
Roberto Muelas Lobato

Escrito e verificado por o psicólogo Roberto Muelas Lobato.

Última atualização: 27 janeiro, 2023

Há filmes que nos inspiram, e ‘Capitão Fantástico’ é um deles. Independentemente dos gostos pessoais, este filme não deixa ninguém indiferente. Além disso, a sua abordagem não esconde o seu desejo de provocar e nem a sua intenção de que o espectador sinta um terremoto na sua cadeira. Com um olhar audacioso, ele toca em temas tão controversos como a cultura americana e a educação independente. As suas posturas são radicais e críticas, mas também sinceras e abertas à crítica.

Através da psicologia podemos fazer diferentes interpretações do Capitão Fantástico. No entanto, neste artigo vamos nos concentrar em alguns aspectos psicoculturais. Ou seja, descreveremos como alguns comportamentos que aparecem no filme podem parecer estranhos ou excêntricos, quando na realidade são muito comuns em outras culturas.

Se você ainda não assistiu ao filme ‘Capitão Fantástico’, este artigo pode animá-lo. No entanto, queremos enfatizar que o artigo contém alguns SPOILERS. Tentamos colocar o mínimo possível para que o filme não perca a capacidade de surpreender a todos que o assistem pela primeira vez.

Cena do filme 'Capitão Fantástico'

O início do filme é marcado por muito sangue. O mais velho dos irmãos parece caçar sozinho um veado com um facão. Esta imagem pode parecer confusa; quando terminar de assistir ao filme, você pode até não entender o motivo desse início. Para entendê-lo, temos que recorrer a culturas que têm ritos de iniciação na idade adulta.

Muitas culturas têm rituais de iniciação. Estes rituais podem ser muito diferentes e acontecer em diferentes idades em cada cultura. Eles marcam o início da vida como adulto. A realização desses rituais torna as crianças conscientes de que a infância acabou e de que elas devem começar a se comportar como adultos.

Nas sociedades modernas, esses rituais se perderam. Por isso, muitas pessoas ficam confusas e não percebem quando começam a ser adultos. Por exemplo, nos Estados Unidos a maioridade é considerada aos 18 anos. No entanto, nessa idade ainda estão proibidos de consumir bebidas alcoólicas. Eles são considerados responsáveis ​​para algumas coisas, mas não para outras. Isso pode gerar confusão.

Além disso, os rituais, especialmente os mais difíceis, servem para criar uma ligação entre as pessoas. Neste caso, um vínculo mais profundo entre os membros da família. Se os personagens não fossem parentes, o ritual serviria para criar um relacionamento forte entre os participantes, que podemos chamar de “parentesco psicológico”.

Uma educação fantástica

Existe uma máxima na educação que esse pai peculiar pretende passar para os seus filhos: que a verdade sempre prevaleça. Ele nunca mente para eles, por mais controversos que sejam os assuntos ou quando uma pergunta pode levar a outra. É uma educação sem eufemismos. Ele fala sobre a doença e a morte da sua esposa, mãe dos seus filhos, sem nenhum tabu, e fala sobre sexo explicitamente. Em nenhum momento reprime as suas emoções e recebe tratamento semelhante, independentemente do sexo ou da idade.

Nas sociedades ocidentais, e em muitas outras, o sexo e a morte são assuntos tabu. Para explicá-los para as crianças pequenas, mitos e metáforas são usadas ​​para diminuir a sua necessidade de conhecimento. Assim, as crianças são trazidas pela cegonha e, quando morremos, vamos para o céu. Do mesmo modo, as emoções são moldadas para que não consigam se expressar publicamente e apenas se expressarem quando é socialmente correto. Frases como “homens não choram, meninas choram”; “Se demonstrar tristeza, acharão que você é um fraco”; ou “não ria tão alto, você parece vulgar”, são muito comuns neste tipo de sociedades.

No entanto, não é assim em todas as sociedades. Por exemplo, a população do Chile se caracteriza porque se destaca na “feminilidade”. Essas pessoas geralmente expressam mais as suas emoções, porque sempre deixam um espaço e uma oportunidade de expressá-las e dar-lhes um sentido. A causa parece residir no seu passado Quechua-Aymara.

Por outro lado, já foi comprovado que a omissão de informações para as crianças serve apenas para confundi-las. Portanto, dar-lhes respostas mesmo antes que perguntem pode reforçar a sua autoestima: os pequenos se sentem muito importantes quando conseguem entender um assunto que os preocupa. Culturas como a tibetana consideram importante falar abertamente sobre a morte, e países como a Noruega permitem programas de educação sexual muito explícitos para crianças.

Um capitão liberal

No final do filme, o chefe da família, o pai, entende que o seus filhos precisam se integrar na sociedade. Por esta razão, as crianças vão para uma escola normal e têm contato com outras crianças da sua idade. No entanto, o filho mais velho, que tinha sido aceito em algumas das melhores universidades dos Estados Unidos, decide ir para um país africano para trabalhar como voluntário e conhecer o mundo.

Ambas as práticas têm semelhanças com uma prática usual entre os Amish: o rumspringa. O rumspringa é um rito de passagem para os jovens Amish que deixam a comunidade por volta dos 16 anos até que tomem uma decisão: voltar para a sua comunidade e permanecer com eles para sempre ou, pelo contrário, optar por abandoná-la. Não há um tempo definido e eles podem demorar muitos anos para decidir.

Este tipo de prática tem o propósito de mostrar aos jovens que existem outros modos de vida. Os Amish são uma sociedade com muitas restrições, não usam eletricidade e têm regras muito rígidas. Os jovens aproveitam esse período para revelar-se e experimentam outros costumes que são proibidos na sua comunidade. Também serve como um período de namoro durante o qual eles procuram uma esposa. Após o rumspringa, a grande maioria decide retornar à sua comunidade.

Homens e mulheres reunidos

Para saber mais… assistam ‘Capitão Fantástico’

Embora no filme ‘Capitão Fantástico’ apareçam muitas cenas que dariam discussões e comparações interessantes nos diferentes campos da psicologia, nos concentramos apenas em algumas. Talvez a grande questão colocada pelo filme seja se realmente existe uma maneira diferente de educar e, portanto, um modo diferente de viver. Além disso, caso exista, nos lembra de que, como um projeto de inspiração humana, sempre seria imperfeito e passível de mudanças; teria virtudes, mas também arestas.

Convidamos nossos leitores a assistir ao filme se estiverem interessados no assunto e se estiverem dispostos a olhar por um momento para o mundo a partir de uma perspectiva diferente. Talvez você ache mais ou menos atraente o que está escondido atrás da porta que se abre, mas não temos dúvida que você vai se divertir.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.