Carta aberta ao meu filho com autismo
Sempre sonhei em ser mãe. Imaginava o rosto de meu futuro filho com todos os detalhes: a cor dos olhos do pai, meu sorriso, o cabelo da avó, a altura do avô… A maternidade para mim sempre foi algo tão natural quanto respirar. Mas quando por fim meu sonho se tornou realidade, não aconteceu como eu esperava. Nunca tinha passado pela minha cabeça a ideia de ter um filho com autismo.
Senti vontade de gritar, espernear e amaldiçoar o mundo. Por que eu? O que será dele? Vou vê-lo sofrer? Uma cascata de emoções e de perguntas se amontoavam em meu interior. Então, decidi escrever-lhe esta carta para dizer lhe tudo o que sinto, porque com autismo ou sem ele, meu amor é cada dia maior.
Acreditamos que ensinamos a nossos filhos a viver, mas são eles que nos ensinam o que é a vida.
Bem-vindo a um mundo que não está pronto para você
Querido filho:
Não sei o que irá acontecer agora. Eu sei, eu sei, sou sua mãe e supõe-se que deveria ter tudo mais ou menos planejado. Que já teria feito listas com os colégios mais próximos que poderia procurar e buscar um bom. Não precisava ser o melhor, não sou uma DAQUELAS mães, mas buscaria uma boa educação para você. Teria a câmera de vídeo preparada para cada apresentação que fizesse no colégio e passaria as tardes te ajudando com os projetos de ciências, porque isso é o que as mães carinhosas fazem.
O que isso significa? Sim, sei que você só tem dois anos, mas parece que perdemos o rumo. Quero fazer um bom trabalho como mãe. Quero te dar todas as oportunidades possíveis. Quero que esteja preparado para lutar entre os melhores no mundo tão competitivo no qual vivemos, porque apesar de não ser uma DAQUELAS mães, desejo que siga meus passos e tenha sucesso nos estudos.
Como disse antes, supõe-se que eu deveria saber o que fazer, conhecer cada passo do caminho. Ter pensado nas atividades extracurriculares, os professores particulares, a equipe de futebol, as aulas de piano… Literalmente ter escrito os detalhes de sua criação e educação antes de me encaminhar para o parto. Basicamente, saber o que fazer a cada passo do caminho.
Então, ontem você diagnosticado: tem autismo. Agora sinto como se nós dois juntos estivéssemos horrorizados no mar. Como se uma corrente de ondas nos golpeasse com força em meio a uma tempestade e somente podemos nos deixar levar. Não estou tentando te assustar, mas não tenho nem ideia do que fazer em seguida: não existem muitos manuais sobre a criação de meninos com autismo… e sim muitas perguntas.
Ontem à noite me peguei tentando não chorar. Estava vivendo um luto ao me despedir do médico que nunca chegaria a ser, da estrela de basquete na qual você nunca se transformará. Estava chorando pelas namoradas, os trabalhos ou os sucessos que nunca viverá. Estava sem visão de futuro, porque nenhuma das peças se encaixa.
Mas sabe no que penso agora enquanto escrevo esta carta? Em me despedir de todas essas expectativas: porque elas se quebrariam do mesmo modo, mesmo que mais tarde. E teria que aprender da mesma forma a ser uma boa mãe para você, para suas necessidades e desejos próprios.
Ou seja, já viu essas crianças que se preparam desde a infância para serem médicas? Não te dá vontade de sair correndo antes de imaginar alguém que não sabe expulsar seus próprios gases lhe espetando com uma agulha? Por outro lado, você conhece os temas que alguns deles usam em seus doutorados? Você acredita que precisamos de mais especialistas no mundo sobre “os hábitos de acasalamento dos Pitbulls com certa resistência aos antibióticos”? Imagino que estas perguntas irão desconcertá-lo, já que você tem apenas dois anos.
Me dei conta de que esse plano que eu tinha para você, mesmo que o tenha aceitado (mesmo que tenha cometido esse erro), não seria garantia de nada. Você sabe do que me dei conta também? De que você não é chato. Você é doce, amável e brilhante.
Atravessará o quarto correndo para me dar um beijo e resolverá os problemas à sua maneira. Inclusive pegará o gato para abraçá-lo violentamente quando estiver fugindo de você, o que na verdade é algo que temos que trabalhar, mas que faz com que sua mãe se sinta muito orgulhosa. E sim, você é meu filho com autismo, mas também é único e genuíno. De modo que, por que estou chorando por planos que se foram, quando estes na verdade nunca existiram?
No final do dia, logicamente, seu futuro ainda é desconhecido. Mas, me baseando no pouco que já conheço, começo a pensar que será um adulto feliz, independente e realizado. O diagnóstico não me impediu de enxergar em você a inteligência e a excepcionalidade que me fascinam.
A partir de agora, desta mesma manhã, tenho a esperança que você será tratado como qualquer outra criança volátil, pouco razoável, emocional, reativo, explosivo, raro e com temperamento. Durante os próximos anos, cruzarei os dedos ao invés de me queixar, justo ao lado das mães das crianças neuróticas, quando mudar de opinião sobre seu lanche na pré-escola. Desejarei vê-lo descobrir as lesmas e enterrá-las como um tesouro, inexplicavelmente ainda vivas, assim como fazem os meninos sem autismo.
Ou seja, meu amor, ter autismo não é um obstáculo insuperável para a grandeza, o sucesso ou a normalidade. E antecipo que, conforme for crescendo, continuará sendo assim. Você é carinhoso e genioso; é obstinado, resiliente e decidido. É capaz. Coisas brilhantes te esperam no futuro. E, apesar do que aprendemos ontem, me considero uma pessoa com sorte, porque de todos os recém-nascidos que poderia ter como filho, tenho a você.
Temos a você, meu amor. E juntos descobriremos como seguir em frente.
Ter um filho com autismo é descobrir o mundo de novo
Apesar do dramático que pode ser escutar pela primeira vez que tem um filho com autismo, a realidade do diagnóstico não é tão terrível quanto imaginamos. Ter um filho com autismo simplesmente nos ensina a descobrir o mundo de novo através de seus olhos e de sua forma genuína de se relacionar com ele.
Uma criança autista é como qualquer outra criança, com uma forma diferente de se relacionar com o mundo externo. Se você também é mãe de uma criança autista, rapidamente perceberá que com uma intervenção precoce, poderá levar uma boa vida. Com seu apoio, seu filho com autismo, seja como for, seguirá seu próprio caminho, no qual encontrará, certamente, a felicidade.
Nota da autora: artigo baseado na “An Open Letter to My Newly Diagnosed Austistic Son”, de Shannon Frost Greenstein.