A surpreendente carta que uma mãe encontrou na gaveta de sua filha adolescente
Sim, em algumas de minhas manias eu sou típica. A típica adolescente. Tenho quinze anos e escrevo um diário. Hoje o que você lê é apenas uma parte dele, que, naturalmente, tem um cadeado que está escondido em um lugar que você nunca vai encontrar. Pelo menos é o que espero e que esta oportunidade não surja quando você for arrumar minhas coisas, achando que está pondo ordem no meu quarto, que é justo quando me sinto mais perdida.
Se você o encontrasse seria uma boa razão, certamente a melhor forma de você se tornar uma mãe nefasta. Superprotetora, metida e insuportável em apenas uma palavra. Além disso, acho que isso só iria alimentar seus medos, aqueles temores que já te fazem ficar acordada algumas noites ou esperando por mim. Porque sim, na minha cabeça eu vejo opções que você descartaria.
Quando eu era pequena perguntava sobre o que estava fora, o que era, para que servia. Agora, para uma adolescente como eu, as perguntas são mais incertas, têm a ver com o meu íntimo e eu parei de te perguntar porque acho que você não tem as respostas, pelo menos as minhas respostas. Por isso prefiro minhas amigas neste ponto, com elas posso compartilhar a cumplicidade de não saber e a emoção de cada nova descoberta. Se você voltar trinta anos no tempo vai entender o que quero dizer.
Quando crescemos, esquecemos
É algo que me espanta nos idosos. O quão rápido eles esquecem que também fizeram travessuras, se apaixonaram pela primeira vez, fingiram estar doentes para faltar aula ou deram uma de desentendidos para chegar mais tarde.
A batalha travada pela independência, para resolver o confronto entre o que as pessoas esperavam e o que queriam, e o preço que qualquer um tinha que pagar por qualquer uma das duas opções, a curto ou a longo prazo. Como você era quando era adolescente?
Além disso, se os genes que contêm esta tendência sobreviveram, é provável que o costume tenha algo de adaptativo, que facilite que cada um desempenhe seu papel. Que você tenha suas expectativas e que eu esteja aqui para quebrá-las, talvez seja o primeiro exercício de outros mais difíceis que certamente virão e que terei de enfrentar. Acho que se nos explicassem a teoria de Darwin assim haveria menos pessoas no mundo se perguntando o que diabos esse homem disse de tão importante.
Sabe, quando pequena, nesse exercício de egocentrismo que todas as crianças fazem, eu pensava que o mundo era um grande teatro e que as pessoas, quando não as via, estavam todas preparando o papel que iam representar diante de mim. Para comprovar essa teoria, eu tentava muitas vezes ser imprevisível. Mesmo querendo muito um doce gostoso, eu o rejeitava para ver como os outros se comportavam quando eu agia de forma imprevisível. Minha intenção era que esse tipo de “Big Brother” terminasse confessando tudo diante do desespero de ver quebrados todos os seus esquemas.
Neste jogo de coerência e incoerência eu acabava me perdendo muitas vezes, mais de uma por dia. Daí as mudanças de meu humor adolescente, minhas resistências e aceitações, de tentar relativizar tudo e de me sentir sem peso contra essa sensação de que nada é certo e de que não há onde me segurar. Nada é infalível, nem quem tem o controle completo de tudo, porque as melhores amigas podem falhar e você pode ser reprovada nas provas para as quais você mais estudou. Você pode buscar a sorte, mas ela é mais caprichosa do que as gotas que caem de um céu sem nuvens.
O que eu tenho que fazer para ser boa o suficiente?
Mas a tarefa mais difícil ao crescer tem a ver com uma questão que envolve a impotência das minhas amigas e a minha também. Eu não sei o que mais eu tenho que fazer para ser boa, aceita. Para me sentir amada e respeitada. Era uma pergunta que vi como transformava minhas amigas e como me transformava. Talvez o primeiro requisito seja ter um corpo perfeito, quando este se desenvolve de maneira anárquica e faz basicamente o que quer e bem entende. Você pode querer ser alta e para isso se encher de iogurtes, mas se a genética decidiu que não é isso, não será de forma alguma. Ou seja, é aí quando você começa a entender a tortura infernal dos saltos altos.
Você começa a ver como é mais complicado ganhar o respeito de alguém quando você é baixinha, assim como quando seus colegas decidem que você tem sobrepeso ou que te faltam quilos. Uma abordagem que se encaixa perfeitamente nas curvas das mulheres que aparecem nos anúncios: nem muitas, nem poucas, a quantidade certa.
Pessoas que antes te conheciam e te reconheciam agora começam a te tratar como se algo em você fedesse e eles o fazem tão radicalmente e tantas vezes que você começar a acreditar nisso, que há algo em você que não está bem, que não funciona. Além disso, tudo o que você faz para corrigir isso parece chamar mais atenção. A verdade: você é um pouco desajeitada e Deus não te fez para usar saltos altos.
Você gostaria de perguntar se alguém sabe como compensar o que a natureza não lhe deu, ou deu demais, mas você já viu como suas amigas falharam, e naquele momento o que menos suportaria na vida seria se mostrar mais vulnerável, dar qualquer indício de que suas provocações têm algum tipo de efeito sobre você. Se algo ainda te resta é dar uma sensação de segurança. É outra das atitudes que você tem que ter para ser bom, não só para se sentir seguro, mas também parecê-lo. Desta forma, você acaba dando a impressão de que não se importa com nada.
Neste perfil que se exige do adolescente para “entrar na vida”, percebi também que tinha que tirar boas notas. Aí sim, você estaria feliz. Também tive que fazer parecer que isso me custou muito esforço. Mas não muito. Trabalhadora sim, mas também esperta.
No colégio as pessoas também não gostam daquelas que não tiram boas notas, a não ser que o grupo interprete que foi por iniciativa própria e não por falta de capacidade. Se interpretarem o segundo, você está perdida. Passará a fazer parte do mundo dos zeros à esquerda, um lugar fácil de entrar e muito complicado de sair.
Nesse sentido, o 7 e o 8 são as melhores notas, e não se deve levantar muito a mão ou responder de forma sucinta cada pergunta do professor. Além disso, antes de responder, vale a pena arriscar e dizer alguma coisa engraçada para os companheiros que ditam tendência, os Influencers, como se chamam.
Uma vez, em uma aula, nos ensinaram a distribuição normal. Supõe-se que muitas das distribuições naturais se encaixem nesta curva, de modo que há uma maior densidade em torno do meio e uma inferior nas extremidades.
Eu achei muito natural, porque estar nos extremos é sempre muito perigoso. Não expressar emoções ou expressá-las muito, nunca ficar com raiva ou mostrá-la para sempre. Então, se você quer ser um adolescente e viver em paz, o melhor a fazer é ficar no meio desta curva, onde camuflar-se entre muitos é mais fácil. Uma camuflagem, como disse antes, onde fazer o gênero de quem não se importa com nada cai muito bem.
Aqui se acabam as folhas deste meu diário que eu perdi por acaso, claro. Dizer tudo isso me daria vergonha e é por isso que te deixei escrito no meio das minhas meias. Como uma folha perdida no meio da ordem que você tenta me impor, para que você entenda um pouco a minha luta para encontrar a minha própria ordem. Uma tarefa que não é fácil, mas que ao mesmo tempo é apaixonante.
E, claro, eu te amo, coisa que não te digo nunca…