Três casos clínicos que nos ajudaram a entender o funcionamento do cérebro

O cérebro é uma das estruturas mais fascinantes do nosso corpo e as pesquisas para descobrir todos os seus segredos continuam até hoje.
Três casos clínicos que nos ajudaram a entender o funcionamento do cérebro
Sergio De Dios González

Escrito e verificado por o psicólogo Sergio De Dios González.

Última atualização: 12 fevereiro, 2024

A neurociência conseguiu progredir graças a uma árdua pesquisa que inclui casos clínicos comuns, mas também outros realmente surpreendentes. Alguns desses casos ficaram em evidência principalmente porque suas contribuições foram decisivas para entender o funcionamento do cérebro.

O ser humano tem se mostrado resistente a admitir que a chamada “alma” ou o chamado “coração” na verdade correspondem a processos que ocorrem no cérebro. O mais importante desses casos clínicos que se tornaram clássicos é que, de uma maneira ou outra, eles evidenciam a ação e o funcionamento do cérebro no nosso mundo psíquico.

 “Todo homem pode ser, se assim se propuser, escultor do seu próprio cérebro.”
-Santiago Ramón y Cajal-

Nós ainda estamos longe de compreender o cérebro. No entanto, passo a passo avançamos, desvendando alguns mistérios e descobrindo outros. Os três casos clínicos que apresentamos a seguir merecem ser lembrados e levados em consideração pelo que representaram nesse sentido.

Casos que desvendaram mistérios sobre o funcionamento do cérebro

Phineas Gage, um dos casos clínicos mais interessantes

Phineas Gage era um trabalhador ferroviário dos Estados Unidos que sofreu um acidente incomum. Em setembro de 1848, o jovem operário tinha que explodir uma rocha, mas cometeu um erro e a explosão aconteceu antes do esperado. Como resultado desse erro de cálculo, Phineas voou mais de 20 metros. Ele também foi atingido por uma barra de metal que ficou alojada na sua bochecha e atravessou seu crânio, saindo pela testa.

O caso de Phineas Gage

Foi o doutor Harlow quem o atendeu e deixou seu depoimento sobre o ocorrido. O médico se mostrou muito impressionado pelo fato de Phineas ter se mantido consciente depois do acidente e não mostrar sinais de ter perdido o contato com a realidade. Ele passou por uma recuperação que durou apenas 10 semanas e em nenhum momento demonstrou ter perdido sua capacidade cognitiva.

Depois da recuperação, Phineas Gage voltou a realizar seu trabalho normalmente, mas começou a mostrar várias mudanças na sua personalidade. Antes ele era um homem tranquilo e se tornou extremamente irritado. A mesma coisa aconteceu com outras características. Esse é um dos casos clínicos que se tornou clássico porque representa uma evidência de que os padrões de comportamento – ou até mesmo o que chamamos de personalidade – estão relacionados fisicamente com o cérebro.

Apesar disso, alguns estudiosos sugerem que o efeito do trauma e o fato de ter ficado com uma deformação no rosto não foram fatores suficientemente estudados. Na opinião de alguns estudiosos, esses fatores também podem ter tido grande impacto na mudança que Phineas sofreu.

O caso do paciente HM

Esse também é um dos casos clínicos que impactaram o mundo da ciência no que diz respeito ao funcionamento do cérebro. Estamos falando de Henry Molaison, que entrou para a história como o “paciente HM”. Quando tinha 27 anos, ele passou por uma cirurgia na qual foi extraída uma parte do seu cérebro, da qual faziam parte o hipocampo e um pedaço da amígdala. O objetivo era colocar um fim aos ataques de epilepsia que esse homem sofria.

Homem com cabeça aberta e cérebro à mostra

O resultado da cirurgia foi, no mínimo, surpreendente. O paciente HM se tornou incapaz de armazenar novas memórias. Ele se lembrava de tudo que tinha acontecido antes da cirurgia, mas nada além disso. Esse homem viveu para sempre, e literalmente, no presente. Ele se esquecia de tudo logo após acontecer. Por exemplo, se alguém entrava, o cumprimentava e logo em seguida saia, quando minutos depois a mesma pessoa voltava, HM era incapaz de reconhecê-la.

Durante toda sua vida, o paciente HM viveu rodeado por médicos e em meio à terrível tragédia de não conseguir formar novas memórias. Ele morreu em 2008. Como seu caso era um dos casos clínicos mais famosos, a autópsia do seu cérebro foi realizada com transmissão ao vivo pela Internet. Nesse processo se descobriu que a área mais deteriorada do seu cérebro era o “córtex entorrinal”, a mesma que fica comprometida nas fases iniciais do Alzheimer.

O caso Donald

Donald foi um homem que assassinou sua namorada sob efeito de PCP (fenciclidina). Depois ele não se lembrava de nada. Perante esses fatos, foi diagnosticada amnésia orgânica. Após sair de um confinamento psiquiátrico, Donald foi atingido fortemente na cabeça e ficou em coma. Quando ele acordou, uma coisa espantosa começou a acontecer.

Pessoa com problemas psiquiátricos

Donald começou a se lembrar do assassinato, repetidas vezes, até que essa lembrança se tornou incontrolável. Continuamente ele via o assassinato na sua mente e o recriava repetidamente, uma coisa desesperadora para ele. Além disso, Donald apresentava algumas crises e dormência do lado esquerdo do seu corpo.

O caso de Donald é um dos casos clínicos mais misteriosos. A ciência ainda não conseguiu explicar por que uma lembrança perdida retornou. Muito menos sabe por que, quando a lembrança voltou, ela se manifestou de maneira tão conturbada para o paciente, algo que foi mais conturbado que a própria lembrança.

Esses são alguns dos casos clínicos mais relevantes da história. Cada um deles nos permitiu fazer progressos, às vezes às cegas, no campo do conhecimento do funcionamento do cérebro. Lamentavelmente, as pessoas que tornaram possíveis esses progressos sofreram os efeitos de não possuir “um cérebro normal”, mas deixaram um grande presente da humanidade.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.