Como interpretar o desenho da família feito por uma criança

Você certamente já ouviu falar de o famoso teste psicológico em que a criança desenha uma família. Este teste gera muito interesse, mas é uma ferramenta válida por si só? O que ele pode nos dizer?
Como interpretar o desenho da família feito por uma criança
María Vélez

Escrito e verificado por a psicóloga María Vélez.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Um dos instrumentos de avaliação psicológica infantil que mais despertou o interesse tem sido o desenho da família. Com este simples recurso a criança projeta sua situação no núcleo familiar, seus apegos e seus ciúmes. Agora, como interpretar o desenho da família nos pequenos?

Bem, a primeira coisa a entender é o seguinte: um simples desenho nunca será definitivo para fazer um diagnóstico. Em primeiro lugar, porque algo assim só pode ser feito por profissionais e especialistas em psicologia infantil. Em segundo lugar, porque para chegar a uma conclusão objetiva, muitos mais testes clínicos e outras ferramentas são necessários. O desenho da família é uma técnica projetiva complementar, interessante, mas nunca conclusiva por si só.

O desenho da família pode revelar possíveis conflitos dentro de casa ou como a criança se sente em relação aos seus pais.

Por outro lado, deve-se destacar que este teste é, antes de tudo, útil para ter uma visão geral das dimensões emocionais da criança. Podemos intuir seus valores, seus medos, seus apegos, sua afetividade em geral. No entanto, não podemos tomá-lo como referência para avaliar seu desenvolvimento intelectual.

Aspectos importantes do desenho infantil

Assim como a criança evolui em todos os aspectos, o desenho também mostra uma evolução à medida que o próprio pequeno amadurece motora e emocionalmente. Agora, um aspecto conhecido e validado desde o início do século 20 é o fato de que os desenhos infantis fornecem muitos indicadores sobre seus universos emocionais.

Desse modo, estudos como o publicado no Journal of Clinical Psychology pela Dra. Elizabeth Munstenberg, nos lembram que pedir a uma criança que desenhe figuras humanas é, sem dúvida, uma forma muito adequada de explorar os diversos processos afetivos nelas presentes.

Crianças desenhando a família

Da mesma forma, é importante saber em que momento evolutivo é mais correto aplicar testes projetivos como o desenho da própria família:

  • Até três anos, poderíamos falar de uma fase de rabiscos, da qual pouca informação pode ser extraída.
  • Dos três aos seis anos, a criança começa a manipular o lápis, seu traçado é mais estável e consegue representar sua realidade. No entanto, ainda é normal para ele fazer figuras humanas estáticas e incompletas.
  • Entre as idades de seis e dez anos, a criança é perfeitamente hábil para manusear o lápis e  os “erros” podem realmente ser interpretados de um sentido emocional.
  • A partir dos dez anos, a maturidade da criança já lhe permite fazer desenhos de grande profundidade, com grande realismo sobre as suas emoções.

Aplicação do Teste de desenho Familiar

Corman sugere a aplicação do teste de desenho familiar da seguinte forma:

A criança recebe um lápis e uma folha em branco, não pode usar outros elementos, por exemplo, uma régua.

A indicação é: “Desenhe uma Família”, ou, “imagine uma família que você invente e desenhe”, se a criança não entender pode acrescentar: “Desenhe tudo que quiser, as pessoas de uma família, e se quiser objetos ou animais ”.

Quando o desenho é terminado, ele é elogiado e convidado a explicá-lo. Corman recomenda fazer uma série de perguntas como: Onde eles estão? O que estão fazendo lá? Quem é o melhor de todos nesta família? Por quê? Quem é o mais feliz? E por quê? Quem é o menos feliz? E por quê? Quem nesta família você prefere? Supondo que você fosse parte desta família, quem você seria?

Essas respostas fornecem conteúdos manifestos da criança, que permitem ter alguns conhecimentos sobre ela. No entanto, as verbalizações espontâneas são mais úteis, pois representam associações que podem levar mais facilmente ao conteúdo latente e aos desejos da criança.

Todos os autores consideram o questionamento ou a fala espontânea da criança necessária para a interpretação do teste. Da mesma forma, é importante conhecer o contexto em que o teste é aplicado, pois qualquer desenho da criança tem um valor que depende da interação com o especialista que aplica o teste.

A ordem de aparecimento dos personagens, os rasuras, as dúvidas no desenho, bem como a regressão também devem ser observados.

Como interpretar o desenho de família?

O teste ou desenho familiar foi criado por Porot em 1952. Era um teste de personalidade baseado em técnicas projetivas que podiam ser aplicadas a crianças de 5 a 12 anos. Em seus primórdios, teve um embasamento teórico baseado na abordagem psicanalítica, porém, a partir da década de 60, algumas modificações começaram a ser feitas nele. Foi então o psicoterapeuta francês Louis Corman quem o aperfeiçoou e popularizou como o conhecemos hoje.

Para interpretar o desenho da família, devemos atentar para alguns elementos específicos, que são aqueles que foram estudados e mostraram certa validade quando interpretados. Além das verbalizações emitidas pela criança em torno do desenho, é importante analisar:

1. O plano gráfico

Não se trata de avaliar a estética do desenho, mas de questões relacionadas com o tamanho dos personagens, a forma do traço, a pressão e a situação no plano do desenho como um todo. Nesse sentido, pode-se considerar que a criança está em uma situação mais equilibrada quando o tamanho do desenho é normal, ele está centrado na folha, sua linha é contínua e a pressão aplicada é média.

Em relação a esses aspectos, costuma-se interpretar que o caractere maior desenhado tem um significado maior.

2. O plano de conteúdo

É importante que, ao ser solicitada a desenhar, a criança seja instruída a desenhar “uma família” e não “sua família”, para que  ela se sinta menos pressionada e reflita no desenho como se sente.

Criança desenhando uma família

Assim, e apenas a título de exemplo, é muito comum os filhos com ciúme dos irmãos se desenharem apenas com os pais. Quando questionado sobre onde está o irmão, é normal que responda que está passeando ou dormindo.

Também é comum a criança estar localizada entre os pais, representando segurança máxima para ela. Embora também não seja incomum ela estar localizada perto de um deles, tendo que descobrir se essa pessoa é com quem passa mais tempo ou com quem gostaria de passar mais tempo.

Além disso, podemos destacar a ausência das mãos  de alguns personagens no desenho quando a criança já sabe desenhar bem. Isso pode indicar falta de afetividade.

3. Sombras e cores escuras

O uso de cores fortes, sombras ou mesmo um traço com maior força em uma figura e não em outras, denota certa ansiedade ou medo em relação àquela pessoa em particular. Se também houvesse uma distância entre aquela figura e a do pequeno, provavelmente estaríamos diante de algum tipo de vínculo problemático.

Validade clínica do desenho familiar

De acordo com um estudo publicado pelo professor Kenneth R. Russell na revista Personality Assessment, o desenho da família tem um alto valor clínico. No entanto, como apontamos no início, é um teste projetivo que deve ser usado em conjunto com outras ferramentas, como testes e entrevistas pessoais. Dessa forma, podemos fazer um diagnóstico mais preciso sobre a realidade emocional de nossos filhos.

Saber interpretar o desenho da família nas crianças, portanto, é muito importante e deve ser feito por um profissional. Ele nos oferece a oportunidade de saber o que se esconde por trás de um desenho ou rabiscos inocentes, É ali que mais realidades podem ser intuídas do que pensávamos inicialmente.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.