Como os traumas nos afetam

Como os traumas nos afetam
Beatriz Caballero

Escrito e verificado por a psicóloga Beatriz Caballero.

Última atualização: 05 janeiro, 2023

A vida flui como se fosse uma narrativa, mas muitos momentos são interrompidos por eventos traumáticos. Algo acontece e nós simplesmente não estávamos preparados. Afinal, como os traumas nos afetam?

Em muitos casos, os arrependimentos ou os sentimentos de culpa causam mais sofrimento em pessoas afetadas por um trauma do que a própria recordação do ocorrido em si. Muitas das pessoas que o revivem diariamente se menosprezam, se aterrorizam, se enfurecem, sentem que perdem o controle…. Estão seguras de que poderiam ter feito mais, de que poderiam ter estado mais atentas, de que poderiam ter se atrasado e escolhido outro caminho para voltar para casa. Depreciam a si mesmas por não terem previsto o futuro, julgam-se com crueldade quando tudo passou, quando o resto das possibilidades, mais prováveis, se evaporaram e somente restou uma.

A realidade de como os traumas nos afetam

O trauma pertence ao passado, mas as marcas deixadas são profundas; em alguns casos, permanentes,  condicionando a pessoa e suas emoções, pensamentos e condutas. Por exemplo, através da técnica de Rorschach descobriu-se que as pessoas traumatizadas tendem a sobrepor o trauma a tudo que as rodeia.

Em outras palavras, e como complemento ao que já apontamos, o trauma também afeta a imaginação, que é necessária para contemplar novas possibilidades. Paradoxalmente, e como exemplo, comprovou-se como muitos soldados de guerra somente se sentiam totalmente vivos quando recordavam novamente seu passado traumático.

Mulher com galhos de árvore no rosto

Mente, cérebro e corpo

Ajudar as vítimas de traumas a contar suas histórias é importante, mas ajudá-las a construir um relato ou motivá-las a fazê-lo não significa que as recordações traumáticas desaparecerão. Para que haja uma mudança, o corpo tem que aprender a viver na realidade presente, sem medo daquele perigo que já passou.

As pesquisas que tentam entender como os traumas nos afetam têm demonstrado que as pessoas maltratadas durante a infância costumam ter sensações que não têm uma causa física. Por exemplo, escutam vozes perturbadoras ou têm comportamentos autodestrutivos ou violentos. Os fragmentos não processados do trauma ficam registrados à margem da história.

Quando as pessoas traumatizadas são expostas a estímulos relacionados à sua experiência, a  amígdala (centro do medo) reage, dando um sinal de alarme. Essa ativação desencadeia uma cascata de impulsos nervosos que preparam o corpo para escapar, lutar ou fugir.

“Só podemos ter o comando da nossa vida quando somos capazes de reconhecer a realidade do nosso corpo, em todas as suas dimensões viscerais.”
-Bessel van der Kolk, M.D. et al-

A negação do trauma

Algumas pessoas negam aquilo que lhes aconteceu, mas o seu corpo registrou tudo aquilo que viveu, inclusive as ameaças. Assim, podemos aprender a ignorar as mensagens do cérebro emocional, mas o sistema de alarme do corpo não será interrompido.

A negação faz com que os efeitos físicos do trauma sobre o organismo acabem se manifestando como uma doença que pede atenção: fibromialgia, fadiga crônica, doenças autoimunes… Os medicamentos ou as drogas podem apagar ou anular as sensações e sentimentos insuportáveis. Por tudo isso, é importante que o tratamento dos traumas seja realizado a nível mental, cerebral e corporal.

Mulher lidando com traumas emocionais

Uma adaptação trágica

Foram realizadas diferentes pesquisas para responder a uma pergunta: o que acontece com o cérebro dos sobreviventes de traumas? Como os traumas nos afetam?  A doutora Lanius fez a seguinte pergunta: “O que o nosso cérebro faz quando não estamos pensando em nada concreto?” Prestamos atenção a nós mesmos, evento conhecido como “a crista da autoconscientização”.

Assim, não é registrada uma ativação nas áreas do cérebro relacionadas com a autopercepção nos pacientes com TEPT que vivenciaram traumas na infância. Somente foi registrada uma atividade muito baixa na zona responsável pela orientação espacial básica.

Frewen e Ruth Lanius descobriram que quanto mais desconectadas estão as pessoas de seus sentimentos, menos ativação autoperceptiva têm. A explicação para esses resultados é a de que, em resposta ao trauma, essas pessoas aprenderam a desconectar as áreas cerebrais que transmitem sentimentos e emoções que acompanham e definem o terror.

A ameaça do “eu”

Para entender melhor como os traumas nos afetam, vale ressaltar que o sistema básico do “eu” está dividido entre o tronco cerebral e o sistema límbico, que se ativa quando as pessoas veem as suas vidas ameaçadas. A sensação de medo é acompanhada por uma ativação fisiológica intensa. Quando as pessoas revivem o trauma, encontram-se de novo com essa sensação ameaçadora, que paralisa ou enraivece. Depois do trauma, mente e corpo se ativam constantemente, como se estivessem novamente diante daquele perigo iminente.

As pessoas traumatizadas sentem que o passado está vivo em seu corpo, porque são bombardeadas continuamente pelos sinais de alarme viscerais. Muitas delas sentem-se inseguras de forma crônica e, diante de qualquer mudança sensorial, respondem desconectando-se, com ataques de pânico, controle exterior (drogas, meditação, compulsões…). Assim, a incapacidade de se conectar com o próprio corpo de maneira contínua explica a ausência de autoproteção, as dificuldades de sentir prazer e as altas taxas de revitimização.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.