Contratransferência: o que o terapeuta sente como interferência ou como ferramenta para o processo
O processo terapêutico transforma tanto o paciente quanto o terapeuta. Embora seja o paciente quem consulta, o terapeuta não é imune às histórias que ouve e, em geral, à própria intervenção terapêutica. Aqui reside a importância de compreender a contratransferência.
Muitas vezes as pessoas pensam no quanto é importante e fundamental que o paciente se sinta confortável. O vínculo terapêutico talvez seja um dos elementos mais determinantes no resultado de qualquer intervenção, pois o comprometimento do cliente/paciente com a intervenção é muito sensível às particularidades dessa relação. No entanto, raramente você pensa em como o terapeuta se sente nessa interação que transcende os 50 minutos que dura uma sessão.
O terapeuta tentará ser o mais neutro possível, mas sempre trará para as sessões quem ele é como pessoa. Daí decorre a necessidade de os psicoterapeutas realizarem um processo de psicoterapia pessoal, bem como a supervisão de casos.
O que significa que um terapeuta também traz para as sessões o que ele é como pessoa?
Sigmund Freud, neurologista e criador da psicanálise, dedicou especial atenção a estudar e refletir sobre o que acontece dentro da própria terapia. Compreendia que terapeutas não são máquinas, que não temos o poder de deixar tudo o que acontece na nossa parte mais pessoal fora das avaliações, intervenções ou acompanhamentos que propomos.
Ele abordou a contratransferência, conceito que se refere ao fato de existirem signos e traços pessoais do terapeuta que são apresentados nas sessões. Têm a ver com processos internos do profissional em relação à influência que o paciente tem no seu estado cognitivo geral, sendo a área emocional especialmente importante. Recomenda-se que o terapeuta inclua esse elemento em suas próprias sessões de terapia pessoal quando as fizer (Fedida, 1979).
Como cuidar que os sentimentos do terapeuta não sejam uma interferência?
Certos eventos que ocorrem na terapia provavelmente tocarão o terapeuta. Desejos, mecanismos de defesa, ansiedades, medos e emoções podem aparecer. Por isso, o profissional deve ter trabalhado previamente sua história e lembrar que esse espaço de psicoterapia pertence ao paciente e evitar trazer comentários que tenham a ver com ele.
Uma situação desse tipo pode ocorrer quando um cliente/paciente chega à consulta com uma história sentimental muito semelhante à que o terapeuta está vivenciando na primeira pessoa. É difícil pensar que algo assim não influenciará o terapeuta; a contratransferência é inevitável. Como seria essa mobilização como interferência no processo? O terapeuta pode correr para tentar encorajar o paciente a terminar o relacionamento, como ele está tentando fazer.
Aqui, seus próprios sentimentos estão influenciando o processo, tornando-o mais diretivo do que provavelmente deveria ser. Embora possa haver semelhanças entre suas histórias, eles são personagens completamente diferentes com motivações diferentes. Com isso, o objetivo da terapia é mais voltado para entender o seu caso específico e que o próprio paciente decida se quer ou não permanecer nessa relação.
É importante esclarecer que os sentimentos do terapeuta podem ser mobilizados por vários motivos, não exclusivamente por ter tido uma experiência semelhante. Este exemplo foi usado como forma de ilustrar o mais claramente possível. No entanto, questões mais sutis como o tom de voz do paciente, sua forma de narrar, seu senso de humor, entre outros, podem provocar diferentes reações no terapeuta, conscientes e inconscientes.
Nesse sentido, a contratransferência também é um indicador para o terapeuta se ele pode ou não lidar com um caso. Emoções muito intensas e incontroláveis podem significar que é melhor encaminhar o caso para outro profissional de saúde mental. Com isso, as sensações que os clientes/pacientes despertam nos dão informações valiosas sobre nossa capacidade, como terapeutas, de abordar um caso. É ético e fundamental reconhecer quando você não é o melhor profissional para trabalhar com determinado caso ou paciente.
Como usar o que o terapeuta sente a favor da terapia?
Foi mencionado anteriormente que o terapeuta deve trabalhar o que o paciente o faz sentir em seu processo, mas é importante esclarecer que a intenção não é anular toda reação afetiva por parte do terapeuta, mas entender como ela funciona e entender se faz sentido e pode ser útil para terapia.
Os pacientes também trazem para a terapia o que são, o que pensam que foram, o que pensam que são e o que esperam ser. Eles repetem dentro do espaço terapêutico as dinâmicas que vivem fora, tenham ou não consciência disso. Com isso, o que nos faz sentir paciente não tem a ver apenas com o terapeuta, mas também com o que o paciente faz as pessoas sentirem, em geral. Esse seria outro conceito fundamental da psicanálise, chamado de transferência. Uma informação extremamente valiosa para trabalhar em psicoterapia.
O paciente faz o terapeuta sentir que tudo o que ele diz está errado? O paciente gera um clima de pressa e aceleração porque já está bem? Seu modo de falar facilita a conexão com a tristeza profunda?
Devolver um pouco disso pode ajudar o paciente a ter consciência do que produz nos outros. É fundamental que o paciente se sinta confortável com sua terapia, sentir-se confortável favorece o vínculo terapêutico. É por isso que o que o terapeuta traz para as sessões, como pessoa, além de suas habilidades profissionais, também favorecerá ou será um obstáculo para que o paciente se sinta confortável.
Concluindo, o que o terapeuta sente é uma parte inevitável do processo. Como toda interação humana, as emoções são mobilizadas. Vai depender do terapeuta e de sua capacidade de administrar certos fluxos de pensamento o quão positivo ou negativo pode ser utilizá-lo em sua atuação profissional.
“Quando um terapeuta se senta diante de um paciente, ele coloca diante dele seu próprio relacionamento consigo mesmo “.
-Grildin, 2015-
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