Coringa, o vilão perfeito

Como se constrói um vilão? Por que gostamos tanto deles? Um dos vilões mais conhecidos é o Coringa, rival de Batman. Sua personalidade sádica, narcisista e sociopata é um dos segredos de seu sucesso.
Coringa, o vilão perfeito
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 28 dezembro, 2022

O Coringa é um dos vilões mais reconhecidos e amados pelo público. Sua popularidade é tanta que não precisa mais do Batman para ser reconhecido. Atualmente, há um novo filme em produção cujo roteiro girará em torno de sua figura e terá Joaquin Phoenix como protagonista.

São vários os atores que deram vida e este vilão em particular, mas destaca-se especialmente o Coringa de Heath Ledger, cuja interpretação lhe rendeu o Oscar póstumo e transformou tanto o personagem quanto o ator em ícones do cinema, sem menosprezar outras interpretações de grande qualidade, como a de Jack Nicholson. O cinema contribuiu, em grande parte, para que a imagem do Coringa se mitificasse, para que fosse associado a um eterno vilão.

“As pessoas, quando estão prestes a morrer, mostram como realmente são. Assim, de certa forma, eu conheci seus amigos melhor do que você.”
-Coringa-

A evolução do Coringa

Até os anos 1940, Batman pertencia à Detective Comics e, a partir deste momento, o personagem passaria a ser independente, virando o protagonista de uma história em quadrinhos que levava seu próprio nome. Como todo bom super-herói, ele precisava de um rival. Desta forma, começou a surgir a figura do Coringa, cuja autoria foi bastante disputada.

Este primeiro Coringa se assemelhava à figura do palhaço do baralho de pôquer que leva o mesmo nome; suas intervenções eram menos elaboradas e era apresentado com um típico vilão.

Com o passar do tempo, sua popularidade foi aumentando e parecia uma figura essencial nas histórias em quadrinhos de Batman quase como se ambos os personagens fossem duas caras da mesma moeda: o bem e o mal, inseparáveis, indissolúveis.

Coringa com câmera

Foi essa a ideia que o aclamado roteirista britânico Alan Moore tentou transmitir em A Piada Mortal: heróis e vilões  não são tão distintos; a bondade do Batman não é tão pura, tampouco a maldade do Coringa. A Piada Mortal surge em uma situação de crise, em um momento em que as velhas regras editoriais já não funcionam, em que o velho começa a ser cansativo e as piadas do Coringa estão perdendo a graça.

Moore conseguiu dar uma virada radical, fazendo com que o Coringa adquirisse sua verdadeira personalidade, sem ser um personagem raso e superficial, mas sem perder sua essência de vilão. Graças a Moore, o Coringa deixou de ser um personagem secundário que, embora apresentasse tramas interessantes, era sempre relegado ao segundo plano e, como consequência disso, era um complemento do protagonista, Batman.

A partir deste momento, aumenta o interesse pelo vilão, por descobrir seu passado confuso e obscuro do qual pouco ou nada sabemos, por ver se a natureza do vilão sempre esteve ali ou, pelo contrário, é fruto de um dia ruim. Moore conseguiu encaixar as peças que faltavam no quebra-cabeças e traçou as principais características da verdadeira personalidade do Coringa, do motivo de sua loucura.

Quem é o Coringa?

Sua aparência física é um verdadeiro escárnio a Batman, personagem sério, obscuro e de passado trágico, que contrasta com o aspecto circense, excêntrico e colorido do Coringa.

Sua aparência física, explicada de diversas maneiras ao longo das histórias em quadrinhos, é decorrente de uma queda em um tanque que continha resíduos químicos que desfiguraram seu rosto e modificaram sua pele. Alguns autores costumam acrescentar maquiagem, outros explicam que a cor dos seus lábios é devido ao contato com os resíduos.

  • Em A Piada Mortal, o Coringa recorda seu passado de diversas formas; vemos alguns flashbacks, mas não sabemos se são reais ou não.
  • Em Mad Love, o Coringa explica a Arlequina um triste passado em que teve problemas com seu pai. No entanto, também descobrimos que ele havia contado outra versão semelhante ao Batman, mas com algumas variantes.
  • No filme Batman (1989), dirigido por Tim Burton e com Jack Nicholson no papel de Coringa, vemos que ele recebe um nome: Jack Napier, e assistimos a sua transformação em Coringa no tanque de produtos químicos.
  • O Coringa de Heath Ledger apresentava um tom mais realista, mais próximo ao de um criminoso, um serial killer que deixa sempre o seu sinal de identidade ao lado de sua vítima, seguindo um pouco o rastro das origens que vimos nos primeiros quadrinhos.
Jack Nicholson como Coringa

Desta forma, não temos um passado claro nem definido do personagem, mas diversas versões que desenham diferentes possibilidades e, em quase todas, o passado está borrado. O Coringa costuma inventar suas histórias e manipulá-las com a intenção de alcançar um objetivo, como ocorre em Mad Love. 

Não sabemos o que é real e o que é mentira, mas podemos intuir um passado sombrio, um passado talvez não tão diferente do de Batman que, junto com seu sadismo, construiu o personagem que conhecemos hoje.

Sádico, zombador, extremamente inteligente, louco, manipulador – este é o Coringa, não importa a versão. A loucura parece estar intimamente ligada ao personagem e ele consegue transmiti-la a quem o rodeia, tal como acontece com Arlequina: apesar de ser sua psiquiatra, ela se apaixona por ele e por sua loucura. Isso porque o Coringa tem algo de encantador, tem uma aura narcisista, egocêntrica e cruel, mas não podemos evitar cair nessa armadilha.

Seu gosto por piadas, por rir do que ninguém acharia graça, sua zombaria em relação à vida e à morte, seus planos retorcidos, mas inteligentes e elaborados, fazem dele o vilão perfeito. O vilão absoluto, tão perfeito em seu arquétipo, que consegue nos apaixonar.

O vilão

Ao não conhecer seu passado e embora Moore tentasse associar o bem com o mal, a verdade é que o Coringa é o psicopata perfeito, o vilão literário ou cinematográfico sem nenhuma causa externa que o levasse a tomar esse caminho. Há muitas versões e as propostas são diferentes, mas todas concordam em nos trazer um sociopata sem escrúpulos cujo único objetivo é semear o caos.

Tentaram ver o vilão como tudo aquilo que o herói não é ou não pode ser: se o Batman é ordem, o Coringa é caos; se o Batman é o bom, o Coringa é o mau… No entanto, a figura do vilão é muito mais complexa e foi estudada em diversas áreas; existem muitos tipos de vilões e não é fácil fazer uma classificação dos mesmos.

O vilão Coringa

O arquétipo do vilão pode ser encontrado em manifestações artísticas de caráter muito diverso; o vilão nem sempre é um personagem, pode ser também uma instituição, um grupo, etc. Costumamos vinculá-lo a histórias, à tradição popular, lugar onde os arquétipos são bastante claros, os personagens se formam e se configuram dentro dele.

Vladimir Propp realizou um estudo profundo sobre a morfologia do conto. Nele, ele falou de uma série de 31 pontos comuns ou recorrentes em todos os contos de fadas e, é claro, se referiu ao vilão e à sua relação com o herói. Essas funções serviram para a construção de histórias, para o estudo da narratologia, e não só as vemos em contos de fadas, mas também podemos encontrá-las em obras mais extensas, inclusive no mundo dos quadrinhos ou do cinema.

A figura do herói parece ser essencial na morfologia do conto de Propp e, da mesma forma, todo herói precisa de um vilão, um personagem que tente sabotar o herói, que fira a sua família, que destrua seus planos e que contribua para a construção e mitificação do próprio herói.

“Só é preciso um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático; essa é a distância entre o mundo e eu… apenas um dia ruim.”
-Coringa-


Todas as fontes citadas foram minuciosamente revisadas por nossa equipe para garantir sua qualidade, confiabilidade, atualidade e validade. A bibliografia deste artigo foi considerada confiável e precisa academicamente ou cientificamente.


  • Propp, V., (1985): Morfología del cuento. Madrid, Akal.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.